Presença incompleta

- Não posso estar com você.

Ela disse, enquanto apagava o cigarro na parede do meu quarto.

Eu observei a fumaça circulando seu rosto enquanto ela murmurava mais aquela contradição.

- Tudo bem. - eu respondi amuado.

Ela se levantou, se desvencilhando do lençol e começou a catar suas roupas no chão.

Era muito fácil aparecer em minha casa, e se jogar em minha vida como se fosse um míssil pronto pra explodir, e depois ir embora, sem dizer muita coisa.

Eu era o idiota, mais uma vez. E no fundo eu sabia de tudo. Só estava esperando que ela fosse embora pra começar a juntar os meus cacos espalhados pelo quarto.

Eu não era mais nenhuma criança, como eu fora antigamente,

e não estava mais disposto a me jogar em seu colo e despejar toda minha angustia diante daquelas impossibilidades.

Eu estava cansado. No fundo eu queria que ela se explodisse e levasse metade do mundo consigo.

Era muito mais fácil ficar calado e fingir que estava tudo certo. E no fim das contas, estava tudo certo mesmo.

Ela vestiu sua blusa, cobrindo os seus seios que eu tanto gostava de espiar, e ficou me olhando como se tivesse algo a dizer.

Mas nenhuma palavra se seguiu.

Sentou-e ao meu lado e recostou a cabeça em meu ombro.

- O que eu estou fazendo de errado? - perguntou-me.

- Nada.

- Algo me diz que não é bem isso que você está pensando.

- Você me conhece o suficiente pra saber que não há nada bom na minha cabeça quando eu fico calado.

- Sei bem.

- Então não torne as coisas mais difíceis... você já se decidiu. Então se veste e me deixa lidar com tua ausência...

- Não é tão simples assim.

- É mais simples do que você pensa, K.

Ela se levantou e ficou em pé, bem diante de mim.

- Quantas vezes nós já não estivemos aqui. E você sempre decidiu por algo que lhe afastava de mim... Não é a primeira vez que eu lido com isso, K. Então você não precisa ficar com esse peso na consciencia. Simplesmente faça as coisas do jeito que acha que deve fazer.

K. não conseguia disfarçar o incômodo, mas não havia mais nada que ela pudesse fazer naquela tarde.

Ela sempre soube o que falar e o que fazer para tranquilizar minhas inquietudes... mas daquela vez ela sentiu que não havia mais o que dizer.

K. terminou de se vestir, juntou suas coisas e falou.

- Vou pedir um Uber, ok?

- Pode pedir. - Respondi Laconicamente.

Ela mexeu no celular, e logo tomou o caminho da rua.

Assim que o carro chegou, eu abri o portão e a observei enquanto subia no carro.

Não esperei que o carro desaparecesse na esquina e voltei para o meu quarto.

Realmente não havia mais o que fazer.

Então talvez fosse melhor me contentar com o silêncio que representava sua ausência.

Era bem melhor do que a agonia de tê-la pela metade.

Sem que realmente estivesse comigo.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 17/03/2018
Reeditado em 17/03/2018
Código do texto: T6282135
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