MEU AMOR, O BOTO ( CAP. 1 DE 9)

Quando Irene apareceu grávida na vila, foi uma comoção. Logo ela, tão pudica, quieta e recatada. Os pais ficaram chocados e a irmã mais nova, Isabel, intrigada. Quem seria o pai?

Irene silenciou. Ninguém tinha nada a ver com isto. Aliás, a gravidez só fôra revelada quando o Timóteo a flagrara tomando banho no rio. E aí Irene já estava lá pelos cinco meses de gestação. O garoto contou para a vila inteira e o segredo de Irene foi, enfim, revelado.

A jovem entrou em um estado de encantamento profundo. Mesmo grávida, ela parecia deslizar pelas ruas de chão batido da vila, como se tivesse asas nos pés. No rosto sempre uma expressão de felicidade e uma das mãos não saía nunca de cima do ventre, como se quisesse proteger o filho. Quando a noite chegava, Irene se punha à janela e ficava horas a fio com os olhos fitos na direção do rio. Como se esperasse algo.

Ou alguém.

- Foi ele, não foi?

A pergunta não chegou a pegar Irene de surpresa. Ora, ela esperava há muito tempo que alguém fizesse aquela pergunta. Irene olhou de soslaio para a irmã com aquele seu jeito estranho.

- Ele quem, Isabel?

- O boto - era quase uma acusação – Foi o boto que te embuchou?

Irene sorriu e acariciou a barriga. Do alto dos seus quinze anos, Isabel se chocou com aquele sorriso lascivo.

- Foi ele, Irene? Por que você não resistiu?

A jovem encarou a irmã e sorriu.

- Quem sou eu para resistir a ele, irmã?

- Mas você devia! - insistiu Isabel, enciumada e sem conseguir disfarçar seu enorme despeito.

- Você não conhece o boto - Irene retrucou, suavemente - Não há mulher neste mundo de Deus que possa resistir a ele. Ou deseje isto. Nem mesmo você.

Isabel ficou boquiaberta. Jamais contara a ninguém que o grande sonho da sua vida era conhecer o boto e… tudo o mais.

-Como foi? Conte-me como foi que tudo aconteceu!

- Foi durante as festas de junho- Irene fechou os olhos - Eu estava assistindo as danças. Não queria dançar, eu estava com vergonha. De repente, eu o vi. A princípio não me dei conta, mas era ele mesmo. Um homem alto, de chapéu, muito bem trajado, não cansava de me olhar. Achei tão esquisito… Nunca, até então, eu tinha visto aquela figura por estas bandas.

- E o que aconteceu? - Isabel se mordia de curiosidade e excitação.

- Fugi dele. Vim em direção a nossa casa, mas ele me atacou no meio do caminho.

- Por que você não gritou?

- Bem que tentei… Mas eu me enredei nos beijos dele e quando me dei conta, já estava no rio. Não pude resistir. Entreguei-me a ele e voltei antes ainda do sol nascer. A festa nem tinha acabado.

- E depois? O que você fez?

- Nada - e os olhos de Irene novamente se perderam no espaço - Nunca mais o vi. E ele também não me procurou.

Lágrimas escorreram pelo rosto dela. Isabel não perdoou e disparou:

- O boto não vai atrás das mulheres que ele leva para o rio.

- Eu sei. E agora eu estou grávida dele.

Isabel percebeu que a irmã não falaria mais nada. Ela voltou seus tristes olhos novamente para o rio, talvez esperando que o boto aparecesse a qualquer momento.

No outro dia, pela manhã, Isabel acordou cedo. Escutou o barulho da mãe na cozinha e foi até lá. O momento era aquele. O pai já devia ter saído e Irene acordava somente depois das dez horas da manhã.

- Benção, mãe.

- Benção, filha.

Isabel deixou a mãe serví-la de café com leite e bolo de mandioca. Foi então que a garota disse de supetão:

- Ela engravidou do boto.

E Marisa devolveu na mesma hora:

- Eu sei.

Com os olhos arregalados, Isabel perguntou:

- Sabe de que jeito?

- Eu sempre soube - Marisa ficou em silêncio, envolvida nas lides da cozinha, sem se preocupar com a surpresa da filha. Depois de um tempo, no entanto, ela prosseguiu - Quem mais poderia engravidar sua irmã? Qual rapaz se interessaria por ela? O boto fez um favor para Irene.

Marisa também mal podia suportar seu ciúme. Casada com Josias há mais de vinte anos, sua vida conjugal não lhe trazia felicidade nenhuma. Aliás, nunca trouxe. Ela precisava urgentemente de algo novo ou então enlouqueceria. Sem poder imaginar o que se passava no coração da sua mãe, Isabel estava atônita com o que escutara de Marisa a respeito de Irene. E sem poder se controlar, ela balbuciou:

- Eu… eu gostaria que tivesse sido comigo. Nem que agora eu trouxesse no ventre um filho dele. Ah, como eu invejo minha irmã!

Marisa deixou cair um prato no chão, fazendo um barulhão. E ralhou:

- Nunca mais fale isto!

Isabel mordeu os lábios para frear suas palavras. Mãe e filha, perturbadas, passaram a juntar os cacos. Ambas sentiam-se constrangidas. Enquanto ajudava sua mãe a recolher o que sobrara do prato, Isabel, disfarçadamente, observava-a. Seria ela também apaixonada pelo boto?

E quem não era?

Todas as mulheres da vila talvez o desejassem tanto quanto as duas. E somente a feiosa da Irene havia sido escolhida pelo boto.

- Vamos até o rio?

O convite pegou Marisa de surpresa. E a deixou muito ofendida, como ela fez questão de demonstrar:

- O que é isto, menina? Eu sou uma mulher casada! E de respeito!

- Só vamos dar uma passadinha… Quem sabe ele aparece?

Marisa sentiu o coração disparar. Quem sabe aquela não seria a grande chance de… Josias não era problema. Todas as noites, depois do jantar, ele se enfiava no boteco e voltava bêbado, direto para a cama.

Então? Por que não?

- Quando? - perguntou ela, em um sussurro, muito tensa.

- Hoje.

- Mas já?

- Mãe, para quê esperar? - e Isabel se aproximou mais - Eu desejo o boto, você também…

- Então está certo - concordou Marisa, rápido demais, juntando o resto dos cacos e atirando no lixo - Depois que seu pai ferrar no sono, nós saímos de mansinho e vamos até o rio. Só precisamos nos cuidar com a vila. Ela possui olhos demais.

... CONTINUA ...

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 15/06/2012
Reeditado em 15/06/2012
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