MEU AMOR, O BOTO (CAP. 4 DE 9)

A pergunta foi feita durante o almoço. Estavam somente as duas meninas em casa e era um domingo. Isabel era a encarregada da limpeza da casa e da cozinha enquanto sua irmã não parisse o bebê. Quando escutou o que a irmã falara, quase deixou o prato se espatifar no chão. Controlou-se a muito custo e replicou, evitando olhar para Irene:

- Não entendo o que você quer dizer.

Irene chegou mais para frente, a fim de encarar sua irmã com mais intensidade. E repetiu:

- Por que será que o boto não trouxe nossa mãe de volta?

- Por que você não pergunta para o próprio? Afinal, você o conheceu mais intimamente do que qualquer outra mulher da vila - Isabel cuspiu as palavras com desprezo.

- Ele não costuma ficar com as mulheres. Depois que faz o que quer, manda de volta - disse Irene, sem se abalar com o despeito de Isabel - - Mas com mamãe não foi assim. Por que será?

Intrigada, Irene engoliu um pedaço de batata, invejando a boa sorte de Marisa. Isabel largou o que estava fazendo e perguntou, cuidadosamente:

- O que faz você achar que mamãe está com o boto?

- Por que eu vi.

- Você viu o quê? - Isabel arregalou os olhos, esperando ansiosa pela resposta da irmã.

- Vi quando saíram e eu ainda estava acordada quando somente você voltou. Vocês foram até o rio procurar o boto?

A pergunta foi feita bruscamente, em um tom enciumado. Desconfortável por sua irmã estar tão próxima da verdade, Isabel acabou se vendo obrigada a revelar o mistério que ainda rondava a vila.

- Fomos.

- E você o viu?

- Claro que não! Acha que eu estaria aqui se tivesse tido a sorte de tê-lo encontrado?

- Mas por que ele a quis? - insistiu Irene, com a mão na barriga, cada vez maior - Por que ele não voltou para mim? Eu o espero todos os dias e… - Irene engoliu um soluço - meu amado nunca mais apareceu.

- Talvez nem apareça mesmo - Isabel sorriu, maldosa - Agora ele já conseguiu o que queria.

- Eu fui uma das escolhidas, ao cabo que você…

Isabel ficou furiosa com o comentário da irmã e chegou a levantar a mão para lhe acertar um tapa. Porém, naquele instante Josias chegou e a discussão foi interrompida. A partir daquele dia as irmãs passaram a falar somente o essencial.

E o tempo passou. Marisa não apareceu, tampouco seu corpo. Em uma manhã luminosa de março, o filho de Irene com o boto nasceu, trazendo um pouco mais de alegria para a casa. Ainda assim, Isabel se mordia de ciúmes ao ver a irmã com o pequeno junto ao peito e muitas vezes se afastava para não ter que presenciar a felicidade dos dois.

A bomba estourou quando o bebê já tinha quase dois meses de vida. Um amigo de Josias, caminhoneiro, chegou afobado de uma das suas viagens e o chamou para uma conversa ao pé do ouvido. percebendo que a coisa era grave, Isabel não conseguiu controlar sua curiosidade e encostou o ouvido junto à porta da cozinha, onde se desenrolava a conversa misteriosa. E o homem não perdeu tempo. Contou que havia se deparado com uma mulher muito parecida com Marisa em um posto de gasolina a uns duzentos quilômetros da vila. E com dois agravantes. O primeiro é que ela parecia muito feliz. E o segundo era que Marisa estava acompanhada. Aliás, muito bem acompanhada.

... CONTINUA ...

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 22/06/2012
Reeditado em 22/06/2012
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