O Rapaz e o Pássaro
O rapaz e o pássaro
No tempo em que os animais falavam, havia um rapaz que vivia muito triste. Levantava-se triste, passava o dia triste e deitava-se triste, nada o conseguia tirar daquele constante estado de tristeza, nem as brincadeiras dos outros meninos lá na sua escola, nas quais se recusava a participar, nem as lindas histórias que a professora fazia questão de ler nas aulas, nada.
Certo dia, quando o rapaz fazia o caminho da escola para casa, ouviu um piar muito baixinho, parou, manteve-se quieto e colocou-se à escuta, passados momentos outro pio muito baixinho, apurou o ouvido até conseguir identificar o ponto de onde vinham tais sons, foi caminhando pé ante pé, parecia que nem pisava o chão, temia assustar o autor de tão sumido piar.
- Ah, pobre coitadinho, como tu estás. Anda cá, vou levar-te comigo para minha casa.
O assustado passarinho olhou-o, temendo que fosse algum daqueles que há bem pouco lhe haviam destruído o ninho que seus pais construíram com tanto amor para o aconchegar.
- Vá lá, não tenhas medo. Podes confiar em mim.
- Confiar em ti! Como queres que confie em ti se ainda há pouco me destruíste o meu ninho?
- Juro-te que não fui eu. Nunca seria capaz de destruir a casa de alguém, quanto mais de um pobre inocente como tu. Vais comigo para minha casa, ficas lá o tempo que precisares e quiseres.
- Oh não, os teus pais não vão querer lá um pobre pássaro em casa.
- Não te preocupes, eu sei muito bem como os convencer.
O passarinho tinha tanto frio que aceitou a oferta. O rapaz colocou-o no bolso, olhou-o e disse-lhe:
- Vá lá, não te quero triste, de hoje em diante terás uma casa para viver.
Retomou o caminho, mas em vez de caminhar tristonho, como era seu hábito, começou a falar com o seu novo amigo e assobiar, enquanto ensaiava pequenos passos de dança a caminho de casa. A mãe, que se encontrava à porta, não queria acreditar no que seus olhos viam:
- Filho! O que é que te aconteceu? Nunca te vi assim tão alegre. O que aconteceu?
- Mãe, hoje fiz um amigo.
- Um amigo! Filho, tu fizeste um amigo! Tu estás assim tão feliz porque fizeste um amigo?
- Sim, está aqui, quero que ele fique a viver comigo cá em casa.
- Filho, tu sabes que o teu pai não gosta de pássaros:
- Vês, eu não te dizia, deixa-me ir.
- Nem penses, tu és meu amigo e eu não permitirei que morras ao frio. Mãe, fale com o pai, diga-lhe que se ele me deixar ficar com o meu amigo, eu…olhe, eu nunca mais ficarei triste.
A mãe foi falar com o marido e este, perante a promessa do filho, disse-lhe:
- Meu filho, como tu sabes não gosto nada de pássaros cá em casa, dizem que quando eles morrem são penas que ficam. Mas se esse pássaro for a tua alegria, prefiro as penas à tua infelicidade. Fica lá com o pássaro.
O rapaz correu para o quarto, atirou com a sacola para cima da cama, colocou o seu amigo em cima da mesma e disse-lhe:
- Então, quem tinha razão?
- Ora, porque te arriscaste assim tanto? Bem vi como o teu pai me olhou, ele detesta mesmo pássaros.
- Amigo, sim vou chamar-te assim, o teu nome vai ser amigo. Quando nós não formos capazes de enfrentar uma discussão para defender os amigos, nunca seremos capazes de nos defendermos a nós mesmos.
- Mas porque dizes que sou teu amigo? Tu nem me conheces.
- Porque a amizade não se explica, vive-se.
Rapaz e pássaro viveram juntos muitos anos, nunca mais a tristeza reinou naquela casa.
Francis Raposo Ferreira