O Melro Branco

Fábula – o Melro branco

No tempo em que os animais falavam, o governador de uma certa cidade decretou a exterminação dos melros, alegando que estes lhe comiam as cerejas que embelezavam os seus faustosos jardins, mas a grande verdade é que o verdadeiro motivo foi a inveja que o governador sentia das alegres cores dos melros, pois nesse tempo havia melros de todas as cores. O extermínio começou nesse mesmo dia, vendo-se melros mortos por tudo quanto era sítio. No entanto uma mulher, há sempre uma mulher que ousa desafiar a tirania, decidiu começar a recolher melros na sua própria casa, evitando assim a extinção de tal espécie.

Certo dia, o joalheiro oficial da cidade acusou, injustamente, a mulher de lhe ter roubado uma valiosa jóia, esta foi presa.

A pobre mulher não queria acreditar no que lhe estava a acontecer, logo ela que sempre pautara toda a sua vida por uma honestidade inquestionável, doía-lhe o facto de se ver injustamente acusada, mas doía-lhe ainda mais o temer que aquela sua prisão pudesse significar a morte dos muitos melros que tinha à sua guarda, pois, ao verem-se sem quem lhes providenciasse alimento, teriam de ser eles a saírem e procurarem-no. Não conseguia deixar de chorar.

Estando ela à janela da sua cela, espreitando o sol através dos exíguos quadrados formados pelas grades da mesma, quando um pombo correu veio poisar no parapeito:

- Porque choras, boa mulher? Por arrependimento do crime que cometeste?

- Não. Choro precisamente porque não cometi crime algum, mas choro principalmente pelos meus amigos que estão fechados em minha casa, eles não têm de comer e se sair matam-nos.

- Eles não sabem que estás presa? Matam-nos?

- Não, eles não sabem que estou presa. Esses meus amigos são os imensos melros que tenho recolhido em minha casa, ora se saírem, os homens do governador matam-nos de imediato.

- Ah, tu é quem tem ajudado os melros, ousando desobedecer ao governador. Já ouvi falar de ti, acredita que te admiro muito, não só pela tua coragem mas também pelo teu sentimento de ajuda aos mais fracos. Diz-me onde moras e eu irei ajudar os teus amigos.

- O quê! Foi presa, mas porquê?

- Acusam-na de ter roubado uma jóia valiosa.

- Não podemos ficar aqui fechados, temos de a ajudar.

- Não, isso seria o que ela menos quereria. Se vocês arriscarem sair daqui são logo mortos.

- Está bem, vou reunir com os meus amigos e decidir o que fazer.

- Promete-me que não cometes a loucura de saíres daqui. Eu vou pedir ajuda aos outros pombos e arranjar-vos comida.

Os Merlos aceitaram a ajuda, esperaram pela noite e quando viram que não correriam qualquer perigo, voaram até à cela onde estava a sua protectora. Entraram pelas frestas das grades e tomaram conhecimento do que se passara:

- Não te lembras de nada, ou de alguém, que te possa ajudar?

- Não. Já me sinto condenada.

- Nem penses nisso, havemos de descobrir a verdade.

- Espera, lembrei-me de uma coisa…

- Sim, diz. Diz depressa, não podemos perder tempo.

- No dia em que fui presa, eu encontrei um melro branco que estava ferido, como ainda ia para o trabalho não pude levar comigo, por isso deixei-o escondido num arbusto mesmo em frente do joalharia, pensava levá-lo para casa no regresso, quem sabe ele não viu o ladrão.

- Vamos procura-lo imediatamente.

- Se calhar já está morto.

- Vamos acreditar que não.

Os melros dirigiram-se para o local indicado pela mulher, procuraram, procuraram e…

- Está aqui, está muito fraco, temos de fazer uma maca com as nossas asas e levá-lo para casa.

Assim fizeram, aqueceram-no, alimentaram-no e esperaram que recuperasse forças:

- Sim, eu vi quem roubou a jóia, foi o governador.

- O quê!!!

Como o dia já clareara, resolveram esperar pelo pombo correio e pediram-lhe conselhos:

- Bem, só vejo uma solução, irmos falar com o rei e pedir que ouça a vossa amiga em julgamento, não podemos deixar que seja o governador a julga-la.

- Achas que o rei vai aceitar?

- Bem, tenho ouvido dizer que o rei é um homem justo, o mais difícil será conseguirmos que ele nos ouça.

- Deixa isso connosco.

Os melros deram conta da sua ideia e o pombo concordou.

Nessa noite, os melros foram em bando para o parapeito da janela do rei e começaram a atirar-se contra a janela do quarto real, começaram a sentir algumas nódoas negras mas não desistiram até que o rei, impaciente por não conseguir dormir, resolveu abrir a janela e perguntar-lhe o que desejavam, aceitando receber dois dos melros para lhe contarem o propósito da sua iniciativa. Acabou por aceitar ouvir a mulher em julgamento.

No dia da audiência, a sala estava cheia, na primeira fila estavam a mulher, o joalheiro e o governador:

- Então tu dizes que não roubaste a jóia?

- É verdade sua majestade.

- Como pensas provar a tua inocência?

- Eu tenho uma testemunha que sabe quem é o verdadeiro ladrão.

- Que entre essa testemunha.

O melro branco, muito cansado, entrou amparado por outros dois melros:

- Mas que fazem esses pássaros aqui, eu mandei-os matar a todos.

- Tenha calma senhor governador, aqui quem faz perguntas sou eu. Então tu viste roubar a jóia.

- Vi sim sua majestade.

- E quem foi?

- Foi o senhor governador.

- Eu!!!

- Sim, eu bem o vi entrar na joalharia, ficar a conversar com o joalheiro, depois este retirou-se e o senhor aproveitou para roubar a jóia.

- Senhor joalheiro, é verdade que nesse dia foi visitado pelo senhor governador?

- É verdade sim, sua majestade, só agora ao ouvir o melro é que me recordei de tal facto.

O rei ordenou que fosse feita uma busca à casa do governador e a jóia acabou por ser lá encontrada.

- Pobre mulher, em nome dos habitantes desta cidade peço-te desculpa pela falsa acusação de que foste vitima. Como compensação, proíbo que se matem melros no meu reino.

Nisto ouviu-se um pequeno barulho, era o melro branco que acabara de cair, morto.

- Sua majestade, em homenagem ao nosso amigo melro branco, peço-lhe que determine que de hoje em diante, não mais haverá melros brancos, aliás, nem brancos nem de outra cor qualquer que não o preto. No futuro só vestiremos de preto.

- Pedido concedido. Agora ide em paz.

“Nunca menosprezes os mais fracos, serão eles quem te valerão nas tuas próprias fraquezas.”

Francis Raposo Ferreira

FrancisFerreira
Enviado por FrancisFerreira em 23/10/2012
Reeditado em 23/10/2012
Código do texto: T3948398
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