E CHEGA O INVERNO, PENSA A CIGARRINHA...

São ciclos.

As estações, o ano, a vida.

Algo segue perene dentro do movimento eterno que cosmicamente submete toda a existência.

O que é contínuo quando nada continua como sempre foi?

Eu sei que continuo. Sei que saberei mais lá na frente, e menos sobre o que ja fui.

Sei que sou, sei que estou.

Assim, suspeito eu, que devo continuar.

Se minha alma conhece as respostas, enquanto for fiel a ela, terei acesso ao mais precioso dos detentores de conhecimento.

Mas pra uma cigarra, isso vale também?

Como ela vai saber que sua alma está aos prantos, se ela não pára de cantar?

Que não foi leal aquele dia em que sua alma aos berros suava em pesadelos terríveis, e ela, sonhava com novos sons...

Delirava que ciciava em Budapeste, depois estridulava na Barra da Tijuca. Logo mais, zangarreava em alto vôo, seguindo a um outro bando que fretenia. Deus, como queria rechinar como elas... Pousou. Ziniu de fome, zuniu de sede, mas era um Oásis...

Humm perto do... Ah, sim! Só poderia ser... Esse ziziado é caribenho! Ziziou como nunca, e logo que fechou os olhos e alongou as asas, ploft!

Mar aberto... Frio... Difícil estrilar com aquela temperatura, mas chiou baixinho, ainda assim.

Desfaleceu. Muitas formigas a acolhiam. Teve um medo que a fez estridular, apavorada com aqueles ferrões e antenas.

Cigarreou alto, e todas a aplaudiram!

Que alegria! As formigas não sabiam rechiar como ela.

- É simples, vejam! - e rechiava mais ainda, ovacionada assim que parava para respirar e encher os pulmõsinhos de cigarra.

Chichiou tanto, em tantos idiomas, em tantas oitavas... É verdade que semitonava às vezes, mas nada que fizesse doer o ouvido do formigueiro.

Trombetas, cornetas, trumpetes!

A Rainha!

Diante dele, (era um cigarro???) sentou-se com seu cetro real e o pousou sobre sua cabeça.

- Estupendo. Antes da última canção, espero que tenha guardado a mais bela... Responda-me: além de cantar, chiar, chichiar, ciciar, cigarrear, estridular, estrilar, fretenir, rechiar, rechinar, zangarrear, zinir, ziziar, zunir... O que mais você sabe fazer afinal?

- Bem... Eu... Ah, sim! Eu sei também retinir!

Todas as formigas se calaram. A Rainha fitava sua face de pau, e suas antenas mexiam-se com misteriosa tensão. Eis que magistralmente, deu uma gargalhada saúva e todas as demais a seguiram em coro de formiga.

A cigarra não sabia se tinha entendido ou não. Resolveu fazer o que sabia, e ainda não tinha feito.

Retiniu a ponto de hipnotizar toda aquela megalópole subterrânea.

Ao acordar em sua laranjeira, olhou para o horizonte e pensou sobre sua alma, e aquela história toda de não saber o seu som, já que estava sempre em cantoria.

Ficou tão quietinha, mas tão quietinha, que de dentro de si começou a ouvir um fá, um dó, um sol, um mi... Ouvia tudo assim, pelas notas. Era uma algazarra que tinha que prestar muita atenção para acompanhar a letra, já que a música vinha ensurdecedora.

Quando conseguiu captar o espírito da coisa, entendeu...

Nunca mais se preocupou em ouvir as queixas de sua alma, simplesmente seguiu cantando.

E toda vez que sem entender porque se calava, parava quieta e fazia internamente o maior silêncio que fosse capaz, fosse no bosque, no pomar, na floresta, independente do que os outros bichos estivessem fazendo ao redor, apenas para ouvir sua alma, que dizia para ela aos berros:

- CANTE! CANTE! CANTE!

Assim, ao menos para ela, os invernos passaram a ser menos temíveis e surpreendentemente mais aconchegantes.

Marcos Baô
Enviado por Marcos Baô em 15/12/2012
Código do texto: T4037404
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