O HOMEM QUE NÃO GOSTAVA DE APAGAR VELAS

“O HOMEM QUE NÃO GOSTAVA DE APAGAR VELAS”

“Existem apenas duas ou três histórias humanas, e elas vão-se repetindo sem parar, teimosas, como se nunca tivessem acontecido antes.”

Willa Cather, em The Pioneers

CAPÍTULO 1 - Partida, separação. Nesse capítulo conheceremos quem é Schindler, onde ele vive e qual é a aventura que ele vai ingressar.

I

Era uma vez um homem muito rico, que morava num país muito, muito distante. Ele ficou sabendo que seus amigos estavam começando a praticar um jogo que um outro amigo deles inventaram. Apagar velas!

Nunca haviam inventado um jogo assim antes, e o homem que o inventou, conseguiu passar a ideia e todos queriam praticar naquele país.

Eles estavam conseguindo apagar muitas velas e isso começou a deixá-los muito empolgados, pois toda vez que apagavam uma, ganhavam muitas coisas em troca.

Coisas, coisas e mais coisas. Coisas que podiam ver como papéis coloridos, com números e homens que já morreram há muito tempo desenhados neles – isso mesmo, bastante parecido com o dinheiro que usamos hoje – e pedras bonitas, casas, fazendas, tudo muito parecido com o que temos por aqui, mas completamente diferente.

Também ganhavam outras coisas que não podiam tocar, mas tão importantes quanto, coisas parecidas com “poder”, “fama”, “prestígio”, “influência”... Palavras parecidas com essas que os adultos usam por aqui para conseguirem coisas, coisas e mais coisas, mas só que palavras diferentes das nossas, e que faziam parte do mundo daqueles homens, que também eram muito parecidos com os homens e mulheres que somos hoje, mas também, por incrível que pareça, completamente diferentes. Eram uns homens meio esquisitos, sabe? De repente decidiram que o grande troféu de todos seria o dia em que não houvesse uma vela acesa que fosse no país inteiro. Vai entender…

Mas voltando à vaca fria, como diria a avó de muitos de vocês, esse jogo estava muito divertido de se jogar! Quanto mais jogavam, mais iam ficando bons nisso e ganhando pontos, pontos. Com esses papéis coloridos que ganhavam, conseguiam muita comida, bebidas, e todos os outros homens queriam estar próximos a esses homens poderosos.

Oskar Schindler era um desses homens. “Não tinha a menor vontade” de apagar velas como os seus conterrâneos, mas era membro de um clube de homens que faziam isso. Mas que ele queria arrumar um jeito de ganhar muitos e muitos papéis coloridos com aquela história toda, ah, isso ele queria! E muito!

Tanto que ele “queimou a mufa” e teve uma idéia para ganhar milhares de papéis coloridos, mas precisaria de alguém que pudesse ajudar a organizar a entrada e a saída desses papéis, um contador. E como tinha tudo a ver com velas acesas o plano que ele estava criando, ao invés de procurar um de seus amigos homens como ele, acabou fazendo outra coisa… Entrou sozinho num lugar onde muitas velas estavam reunidas, todas acesas.

Esse grande e poderoso homem olhou para todas e disse:

- Eu estou procurando uma vela chamada Itzhak Stern! – é isso mesmo, as velas e homens tinham nomes engraçados nesse país.

Ficaram apavoradas, pois se ele quisesse apagar uma, ou todas que estavam ali, ele poderia fazer pois estava na moda, e elas não poderiam fazer nada para impedir isso. Afinal, “o que é uma vela perto de um homem”? - era o que todos esses homens se perguntavam e vela alguma poderia responder. Enfim, aí a vela Itzhak Stern respondeu:

- Sou eu. – sem sequer imaginar o que um homem como Oskar Schindler pudesse querer com uma vela acesa como ele. - Podemos conversar? – e foram para uma sala. Ao entrarem, a vela rapidamente disse, meio desesperada:

- Por lei eu preciso dizer ao senhor que sou uma vela! – Oskar até deu risada com o susto que tomou da vela. - E eu sou um homem, oras bolas, bolinhas e bolotões! Assunto encerrado.

Aí eles começam uma conversa muito complicada... Mais ou menos assim. As velas tinham coisas e vidas muito parecidas com a dos homens. Mas como agora o jogo do momento era apagar velas e ficar com tudo o que lhes pertencia, elas agora não podiam mais ter nada, praticamente. Só o que os homens decidissem que elas poderiam ter. E isso foi ficando cada vez mais esquisito e difícil para elas entenderem, pois nenhum homem parava pra explicar pra elas o que realmente passava pela cabeça deles e porque estavam fazendo aquilo. Mas, fazer o quê? Os homens eram mais fortes que as velas e elas tinham que obedecer, se não eram apagadas e pronto.

O que esse Oskar Schindler fez, foi ter uma idéia muito difícil de explicar. Para que ele conseguisse ganhar muito papel colorido com as lojas que as velas tinham: ele pegaria o papel colorido dessas velas, ficaria com as lojas também, encheria de velas para trabalharem pra ele, e aí começaria a fabricar objetos e venderia para outros homens. Assim ganharia papel colorido. E a forma de recompensar as velas todas envolvidas nesse plano, seria dando pra elas em mercadoria esses mesmos objetos, para que essas mesmas velas usassem e trocassem por outras coisas com as outras velas, ja que papéis coloridos elas já não poderiam mais ter dentro do Candelabro, para comprar essas mesmas coisas.

- Está acompanhando meu raciocínio, vela Itzhak? Assim, todos ficariam felizes! Até mesmo para a vela Stern, que era a inteligência em parafina, isso ficou confuso e a sala estava ficando cheia de tanta fumaça que saia do pavio da vela Itzhak:

- Ah, mas então esse negócio que andam falando pelas ruas é verdade! Lá no Ca-de-lá-brio…

- Candelabro.

- Isso, isso. Lá no Can-de-la-bro a gente, desculpa, nós, velas, vamos ter que viver à base do Escam… escam… Como é mesmo que vocês homens estão chamando isso?

- Es-cam-bau. Entenda, vela Itzhak: lá no Candelabro, vocês velas vão ter que ficar todas espremidinhas, sem papel colorido para queimar, e vivendo só à base do Es-cam-bau. – “uma palavra que se parece muito com o que os escravos faziam para obter coisas que não produziam, só que completamente diferente.”…

- Bom, então tá né, fazer o quê? Mas voltando à sua ideia…

- Genial, diga-se de passagem!

- Ah, sim! Vocês homens são as criaturas mais geniais do mundo, do mundo, DO MUNDO! Enfim… as velas te dão todo papel colorido que têm, passam suas lojas e fábricas para o seu nome, eu, vela Itzhak, queimo toda minha parafina em troca de umas panelas…

- Perfeito!

- Num é querer ser chato, não, viu, seu Oskar, mas e você?

- Eu? Que que tem eu?

- Você faz o quê?

Nessa hora, por um momento, Oskar pensou exatamente como pensaria um outro homem amigo seu: Aron, o bondoso. “Quem esta vela está pensando que é para falar assim com um homem?” – apagava aquela vela petulante e acabou-se a conversa! Que história é essa de ficar perguntando? Ela tinha que concordar com tudo e pronto! Mas não… Oskar respirou fundo e disse:

- Eu, como sou um homem grande, bonito, charmoso, influente, famoso, poderoso...– a vela Itzhak criou coragem e pigarreou bem baixinho, pois percebeu que Oskar poderia passar algumas horas encontrando palavras que dissessem o quanto ele era bom, mesmo sabendo que somente isso pudesse ser um motivo para ser apagado. Por sorte da vela Itzhak, Oskar definitivamente não estava ali para isso, então ele simplesmente concluiu o seu raciocínio:

- Eu faço tudo dar certo.

- Olha, seu Oskar… – a vela Ithzak pensou bem ao responder, mas respondeu o que passava por sua chama. “Com todo o respeito, a ideia para o senhor pode ser genial, mas acho muito difícil que uma vela sequer concorde com o que está propondo, afinal todas vêm queimando muita parafina há muitas gerações de velas para construir essas fábricas, lojas, casas e para conseguir todo esse papel colorido que os homens agora resolveram que não é digno, e estão nos tomando. É muito absurdo tudo isso!

- Ué, o que é absurdo?

- Tudo isso é muito absurdo para aceitar uma troca como essa que o senhor está propondo, seu Oskar! Não tem o menor sentido abrir mão de tudo o que conquistamos com a queima da nossa parafina ao longo de nossa história por conta dessa história agora que vocês homens inventaram da gente! Minha bisa-vela-avô, por exemplo, quando aqui chegou, num inverno muito rigoroso, sem um pavio pra puxar pelo rabo, em meados de…– foi a vez de Oskar interromper a vela Itzhak:

- Com todo o respeito também, vela Itzhak, se eu fosse uma vela, eu aceitaria. Isso dito, Oskar deixou a sala e um grilo na chama da vela Itzhak, que dizia assim: - O que ele quer dizer com “se eu fosse uma vela, eu aceitaria”? – e começou a queimar com outras velas sobre o assunto, pois elas achavam do fundo de suas chamas que um dia essa história de apagar velas ia acabar, como uma moda que vem e depois passa. As velas não sabiam ainda que os homens só iam enjoar do esporte a hora que nenhuma mais estivesse acesa, e Oskar, sabendo disso e doido para tirar vantagem, fez Itzhak pensar a respeito.

Passou muito pouco tempo depois dessa conversa, e realmente as velas foram vendo que o esporte de apagá-las só crescia e crescia, e foi ficando cada vez mais difícil de se manterem acesas. Os homens estavam ficando muito bons nesse esporte e passaram a espremer todas elas em espaços mais reduzidos, e tomando para eles o espaço que antes era delas. “Sim, pois se queremos apagar todas definitivamente, por que não começar a reuní-las? Fica mais fácil!” – o criador desse jogo brilhante teve mais essa ideia. “Ge-ni-al!” – os outros homens responderam. E puseram-se todos muito felizes em fazer outra coisa que adoravam: ordenar!

Ordenaram que as velas construíssem cercas em volta de alguns quarteirões, todas passariam a morar ali, porém com muitos poucos castiçais para tantas velas… Além disso, os homens decidiram e falaram que esse lugar deveria se chamar Candelabro. Os homens desse país eram muito inteligentes… Estavam fazendo tudo parecer para as velas que só não iam com a cara delas, e que enfim encontraram um meio para resolver a questão: elas trabalhariam, de pijamas listrados, para os homens, fazendo o que eles determinassem, fosse o tamanho que fosse a vela, a velinha ou o velote. Isso fazia com que as velas imaginassem que suas chamas eram úteis aos homens, e que portanto não iriam mais apagá-las, só queriam que elas fizessem o que eles queriam de dia, e à noite dormissem no Candelabro.

As velas quando souberam disso ficaram todas com cara de pavio, e aquelas do grupo de velas com que a vela Itzhak havia conversado sobre o plano genial de Oskar se olharam e balançaram suas chamas, como que concordando com a mesma coisa, só que em silêncio. Traduzindo em palavras: resolveram aceitar o acordo. Chegaram à conclusão que ia ser duro manter a chama acesa no Candelabro sem papel colorido e qualquer ajuda era bem vinda. Já que iam ter que dar todo o papel colorido que possuíam para um homem, que ao menos fosse a um que tivesse oferecido algo em troca. O plano de Oskar funcionou exatamente como ele havia planejado. Que homem inteligente!

Oskar estava radiante com todo aquele papel colorido na sua frente e começou a contar e a examinar os contratos dos bens que as velas haviam cedido a ele. Itzhak tinha que fazer uma pergunta em nome de todas as outras velas de seu grupo:

- Mas como saberemos que o senhor vai cumprir o acordo? Afinal, o senhor é um homem, e nós somente velas. – ao ouvir essa pergunta, Oskar olhou bem no meio da chama do pavio da vela Itzhak e disse:

- Eu estou lhe dando a minha palavra. Isso basta. Confie em mim como eu vou confiar em você. Meu pai dizia que um homem precisa de três coisas na vida - sempre com uma bebida na mão - De um bom médico, um padre clemente e um contador inteligente. Nunca precisei muito dos dois primeiros. Mas do terceiro... - e quer fazer um brinde com a vela Stern, só que velas não bebem bebidas que aqueles homens bebem, então ele diz:

- Só finja, Stern! Não precisa beber de verdade. Não precisa ficar de “fogo”! Entendeu, “vela” “de fogo”! – e deu risada… – Desculpe, vela Itzhak, eu sempre quis fazer essa piada! Tem aquela também muito engraçada, sabe o que que aconteceu quando uma vela acesa caiu no barril de querosene? Fez “PUM! – e Oskar gargalhou sem conseguir se conter. A vela Itzhak não achou nenhuma graça pois os homens não estavam fazendo apenas uma piada, aquilo realmente andava acontecendo, e deu aquela pigarreada de sempre, e Oskar se recompôs. – Desculpe, eu é que estou de fogo, vela Itzhak, mas por favor, agora finja apenas que bebe, vamos. A vela Itzhak finge e eles brindam.

- Mais alguma coisa?

- Eu vou tentar te agradecer, viu, Stern? Deixa comigo! - mas falou de um jeito que parecia que era sério mesmo. - Também queria dizer que sem você eu não teria conseguido.

Como Stern só diz "de nada" e não faz uma cara muito boa, Oskar percebe que não são amigos de verdade. Afinal, ele é um homem e a vela Itzhak apenas uma vela e volta a tratá-lo como um homem deve tratar uma vela, ou seja, do jeito que vier a cabeça dele. Afinal, eles podem até apagá-las se quiserem...

CAPÍTULO 2 – Estrada de Provas, encontro com Deus. Nesse momento da história, Oskar está conseguindo se sair muito bem com o seu plano aparentemente. Está resolvendo todos os seus problemas, ganhando muito papel colorido mas algumas coisas esquisitas começam a acontecer com ele e com seus planos…

II

Os dias foram passando e Oskar agora tinha uma fábrica e um monte de velas para trabalhar nela e ficou cheio de bufunfa. Ops, de papel colorido!

E assim foi indo... Para que os outros homens não fossem incomodar o senhor Oskar com seu negócio, escrevia cartas e mandava presentes aos apagadores de velas mais poderosos, e poderia ficar tranquilo.

O tempo vai passando e os homens começam a apagar velas na frente de outras velas sem o menor problema e as outras velas vão se acostumando a não se impressionarem mais com isso, pois qualquer coisa pode ser motivo para que um homem as apague.

- Fazendas de Ordenação.

Oskar ficou mais rico, mas começa a se incomodar um pouco com esse esporte que todos os seus amigos estão praticando. Ele não, ele só ganha papel colorido com a ajuda das velas acesas. Ele não as apaga. No meio daquele fumaceiro todo que virou sua cidade, um dia ele avista uma menina loira com um vestido vermelho.

A vida naquela cidade já estava tão cinzenta, que a cor do vestido na menina chamou sua atenção de tão vermelho que era. - Vermelho como o fogo, pensou - parecia que tinha pensado isso pela cara que fez. Uma cara de quem gostasse da cor do fogo, talvez por isso não gostasse de apagar velas, preferia elas acesas. Foi com uma centena delas inclusive que ele estava conseguindo tanto papel colorido, que era o que mais gostava de conseguir na Vida, pelo menos, era o que o fazia queimar a mufa para dar um jeito de sempre conseguir mais, e mais.

Eis que então, Oskar vai visitar um amigo seu, Aron, o bondoso, que é tão bonito, rico, inteligente etc. e tal, tanto quanto Oskar, mas Aron é um craque no esporte de apagar velas. Os dois são muito diferentes nesse ponto.

Aron diz para ele: - Os outros homens dizem que você sabe o significado da palavra "gratidão", por isso que não sai por aí apagando velas como todos nós. Isso é quase uma ofensa, gostar de ver velas acesas era um crime, uma coisa muito feia para um homem fazer. Oskar disse:

- Eu perderia muito papel colorido se fizesse isso! Para que apagar uma vela se vou ter que arrumar outra para colocar no seu lugar na fábrica? Isso é burrice...

Para Aron era gostoso demais apagar velas portanto ouvir Oskar dizer aquilo fazia com que ele parecesse um bobalhão. - Você é meio maluco, Oskar… Só pode ser!

Oskar descobre que tem uma vela na casa de Aron muito bonita. Ele fica encantado com a chama que sai dela e começa a se aproximar, só que ela está apavorada, mas ele passa tanta certeza para a vela Helen que não vai nem sequer assoprá-la, que consegue fazer com que ela conte porque anda com sua chama tão trêmula.

- É que o senhor Aron toda noite me assopra muito e um dia eu tive coragem e perguntei, assim que ele começou a me assoprar: por que o senhor está me assoprando? - e ele respondeu: - Estou assoprando porque você está me perguntando porque estou te assoprando. Por isso ando com a chama tão trêmula, pois sei que um dia ele vai me apagar para sempre, já me conformei com isso.

Oskar decide ter uma conversa com seu amigo Aron, o bondoso nessa mesma noite. Os dois beberam muito, mas enquanto Oskar está sentando e falando normalmente, Aron está caindo de bêbado. Tentando se levantar de um tombo para sentar com o amigo, começa a falar admirado:

- Vem, cá, Oskar... - soluça - Como é que você consegue - soluça novamente - beber tanto quanto eu e nunca ficar bêbado? Eu nunca, nunquinha da Silva te vi bêbado. Isso, meu camarada, isso é controle. Controle - soluça mais uma vez - controle é poder!

- É por isso que as velas têm tanto medo de nós, homens, Aron, o bondoso?

- Não, seu bobalhão! Velas têm medo de homens porque temos o poder de apagar! Dãr! – e fez aquele gesto de sorvete na testa, mas errou a mira e acertou seu olho direito…

- Não, Aron. Elas têm medo porque podemos apagá-las de maneira arbitrária.

- Falando difícil a essa hora da madrugada? - soluça - Colabora, Oskar!

- Ai, meu Pai... - Oskar suspira. A conversa é difícil mas ele acha que deve dizer algumas coisas ao amigo. - Se uma vela faz uma coisa errada, tipo… queima uma coisa que não devia, mandamos apagar e ficamos satisfeitos. Ou apagamos nós mesmos e ficamos ainda mais satisfeitos. Mas isso não é poder. Isso se chama justiça, é diferente de poder. Poder é... Deixa eu ver como eu vou explicar pra ver se você entende, seu cabeça dura...

- Cabeça-dura é a vovozinha!

- Shiu! Quando um homem fala o outro abaixa a orelha! Poder é quando nós homens temos justificativa para apagar alguma vela, e não apagamos.

- Ah, eu não sabia não. É isso que é poder, é?

- Pois é, coisa que os Impositores tinham na Romã antiga. A vela-ladrona era levada até o Impositor, aí o que ela faz?

- Eu sei lá! – soluça – eu é que vou saber o que esse tal de Impostor fazia na Romaria antiga com uma veladrona? Nunca nem ouvi essas palavras em toda a minha vida!

- Deu pra perceber, meu caro Aron… Por isso que eu vou dar o exemplo pra você. Ela se atira ao chão assim ó – e se joga mesmo na frente de Aron e pede: “Perdão, Impositor, não me apaga! - ela sabe que pode ser apagada...

- Eu apagaria! Inclusive, levanta logo desse chão! – soluça – o que as outras velas vão queimar se virem um homem pedindo perdão? Vão achar que eu também posso fazer isso com elas e quem vai ficar com cara de pavio sou eu! Vamos!

- Espera! Mas é que você é diferente do Impositor. O Impositor perdoaria essa vela-ladrona de parafina. Ele deixaria a vela partir.

- O quê? Ih, depois eu é que sou o - soluço - pinguço!

- Isso, isso sim é que é poder, Aron, o bondoso, seu pudim de cana!

- Entendi. E pode deixar que eu não vou nem te dar uma assopradinha por me fazer ouvir esse monte de bobagem. Como eu sou bondoso e você é meu amigo, tá perdoado!

Mas Oskar percebeu que mesmo depois dessa conversa o amigo Aron, o bondoso, continuava a apagar velas. Todos os dias muitas, muitas, podiam ser velas velhas, com defeito, velas bem pequenas. Ele passava o dia inteiro assoprando velas até apagarem. Uma noite, mesmo já tendo assoprado velas até ficar sem ar resolveu que ia assoprar um pouco a vela Helen… Assoprou e assoprou, mas não a apagou. Inclusive teve uma hora que ele olhou praquela chama trêmula que saía do pavio da vela Helen e chegou tão perto que quase encostou sua boca ali. Isso deixou a ambos muito perturbados.

- É melhor ir dormir. Já estou muito bêbado e quase – soluça – fazendo bobagens. A vela Helen olhou pra cima e falou: - Obrigada, minha Grande Vela de 7 Dias por mais um dia em que consigo ficar acesa nessa casa… - e fez o Sinal da Luz, com sua chama, que ficava sempre mais calma quando fazia isso.

Nessa mesma noite, Oskar chegou de surpresa numa sala onde estava tendo uma festa de aniversário de uma velinha de 13 centímetros. Todas as outras ficaram de pavio no chão quando viram que Oskar não só estava dentro do Candelabro, mas ainda trazendo um enorme e decorado bolo de aniversário consigo.

- Pronto. Pode subir nele. – e encostou a boca na chama da vela, e se queimou. Foi embora. As demais velas ficaram mais impressionadas ainda com esse tal de Oskar, afinal ele fazia coisas que nenhum outro homem ousava fazer, era crime inclusive encostar a boca em uma vela. Os amigos de Oskar, vendo ele com a boca queimada o levaram praquele clube que ele era sócio. Eram eles que estavam ditando as regras do jogo e decidiram que iam processá-lo. Um deles disse, o seu amigo Aron, o bondoso:

- É um absurdo! Se fosse pra apagar a vela tudo bem, mas entrar no Candelabro, encostar a boca na chama de uma delas e depois voltar a dizer que é um homem como nós? Ah, não!

Enquanto eles decidiam o que iam fazer com Oskar, o homem que inventou o jogo de apagar velas estava com um novo plano: levar todas pro meio do mato, empilhar todas umas nas outras, jogar querosene e PUM! E isso não era uma piada…

Mas para disfarçar e elas não desconfiarem de que nada de mal fosse acontecer com elas, vieram agora com a desculpa de que eles queriam a cidade só para eles, homens, que não tinha mais nada a ver velas ficarem por ali e iam pro meio do mato em Fazendas de Ordenação para ficarem lá todas trabalhando para os homens, sem que eles tivessem que olhar para elas. E nem precisariam levar nada com eles, vestiriam apenas pijamas listrados e praticariam regime.

Estavam colocando todas as velas em trens, quando uma velona não aguentou e saiu da fila soltando fogo pelo pavio: - Mas vem cá, meu querido! Acho que o senhor ainda não sabe com que tipo de vela o senhor está falando! Eu era uma vela chique, tá entendendo? Tinha muito, mas muito papel colorido pra queimar com meu pavio ainda! Portanto, eu não quero colocar essa camisola listrada ridícula por cima da minha parafina linda, que a Grande Vela de 7 Dias me deu, já tive que sair do meu castiçal com dois andares, 3 quartos, suíte e piscina pra ficar enfurnada com um monte de vela chechelenta no meio do mato numa Fazenda de Ordenação no meio do mato, fazendo regime, nem podendo viver à base do Escambau!

Todas as velas e todos os homens ficaram mais ou menos do mesmo jeito: com cara de pavio.

- Ah, você não quer ir pra Fazenda de Ordenação?

- Não.

O homem que segurava essa vela topetuda ficou tão impressionado que não soube o que fazer na hora. Mas aí olhou para os outros homens e para as outras velas e se lembrou que não tinham que discutir e chegar a um acordo: ele era um homem e ela apenas uma vela. E assoprou bem forte o pavio daquela vela na frente de todos os homens e de todas as velas. E a apagou para sempre...

- Viu o que é que dá ser “pavio curto”? – e deu risada, junto com todos os outros homens. Oskar chegou na sua loja e viu que estava vazia. Haviam levado as velas que trabalhavam nela para a Fazenda de Ordenação que virou a fazenda em que Aron, o bondoso, vivia.

- O, ou… Acho que devo fazer uma visitinha a meu amigo… E correu, pegou o primeiro trem que estava passando e chegou. Foi ver como as velas estavam, tinham acabado de chegar e Oskar, meio sem-graça, perguntou:

- Vela Itzhak… Alguma de vocês foi apagada desde que chegou?

- Não. Por quê? - Itzhak nem sequer desconfiava do prazer de Aron em apagar velas. Melhor assim...

- Não… Só pra saber… Foi dar uma olhada na fazenda e notou que uma grande fogueira estava gerando uma fumaça daquelas. Quando se aproximou, viu uma grande pilha de velas ali apagadas, e no meio conseguiu notar aquela velinha com vestido vermelho, que jurava anteriormente se tratar de uma menina, e um monte de homens ao lado dessa pilha, rindo.

- Hum… Eu não estou gostando dessa história…

As demais velas não podiam ir até esse lugar onde a pilha estava, mas a fumaça e o cheiro de pavio queimado dava a impressão de não ser uma coisa boa.

Oskar foi até a sala onde agora a vela Itzhak estava trabalhando, para Aron, o bondoso. Começaram a conversar e Oskar disse:

-Sabe, vela Itzhak. Eu não sei… Não estou gostando mais dessa história de homens apagarem velas.

-Mas os outros homens parecem que gostam cada vez mais.

-Pois é… E eu não sei do que eu gosto. Tenho todo o papel colorido que desejo, até mais do que imaginei ganhar um dia, e não me sinto bem. Todos gostam de apagar velas e eu não tenho a menor vontade. Me entendo bem com você, que é uma vela. Mas eu não sou uma vela. E nem me sinto como um homem de verdade… - e chorou agarrado à vela Itzhak. Suas lágrimas começaram a cair na chama de Itzhak, que se desviava como podia, até que não aguentou:

-O, seu Oskar, o senhor está me apagando! – Oskar parou de chorar, arregalou os olhos e ficou olhando pra chama de Itzhak:

-Eureka! Eureka, vela Itzhak! – e saiu correndo dando pulinhos de alegria pela Fazenda de Ordenação até chegar na sala de Aron, o bondoso. Mentira! Antes ele deu meia-volta e falou pro Itzhak fazer uma lista com o nome de todas as velas que trabalhavam pra ele e entregar na sala de Aron quando estivesse pronta.

-Eu quero comprar a vela Helen, Aron.

-Não, mas ela não está à venda. Você quer enconstar a boca nela, né? Que nem você fez com a outra velinha… Beijador de vela, beijador de vela!

-Não, não, seu tonto. É que eu tô voltando a morar na cidade onde eu nasci, não aguento mais esse cheiro de vela queimada, e acho a vela Helen maneira, quero que ela trabalhe pra mim.

-Ah, mas a vela Helen a hora que forem apagar todas, eu mesmo apago, faço questão!

-Poxa, vida, Aron… Eu tô pagando por ela! Quanto é que?

- Oi?

- É, quanto é que você quer por ela?

- Quanto é que você me oferece?

- Um papel colorido.

-Só?

-É, pra você uma vela não vale nada… Você poderia até me dar, já que sou seu amigo.

- Ah, mas pra você vale e você tem muito mais papel colorido do que eu. Um papel colorido é pouco.

- Dois.

- Pouco.

- Então tá bom. Sete papéis coloridos, um de cada cor.

- Hum. Fechado! Nisso entra a vela Itzhak com a lista.

- Maravilha! Agora, seguinte meu caro Aron. Agora quem dá o preço sou eu. Eu te dou um arco-íris de papel colorido por todas essas velas que estão aqui nessa lista.

- Oi? – vela Itzhak e Aron, o bondoso, fizeram a mesma pergunta, e se olharam com cara de pavio.

- É. O que foi que vocês dois estão me olhando. Nunca viu, cara de pavio? Vela Itzhak, essa é uma conversa entre homens, você pode voltar ao seu trabalho, sim?

- É! Isso mesmo! Depois não entendem porque são apagados a todo momento.

- Menos, Aron. Menos. Escuta aqui. Eu vou precisar de um monte de velas pra trabalhar pra mim lá na Fazenda de Ordenação que eu tô construindo na cidade que eu nasci.

- Ah… Não sabia disso.

- Nem eu. Tive essa ideia agora.

Oskar saiu de lá aos pulos e foi pra sua cidade e lá ficou esperando as velas chegarem. Quando elas chegaram, notou que eram só os velos, velinhos e velotes. Perguntou a um homem do clube que ele era sócio onde estavam as velas mesmo. Lhe responderam que chegariam mais tarde. Estava muito feliz, parecia um menino, mas para falar com os velos na frente dos outros homens ainda, tinha que fazer cara de homem, e falou:

Velos, velinhos e velões. Vocês vão queimar aqui agora. Construirão seus castiçais com o material que já está comprado, tem terra para vocês plantarem e quero que façam uma fábrica para fabricarem apagadores de velas. Apagadores de velas? Sim! Apagadores de velas. Vou vender aos homens e continuar ganhando papel colorido!

As velas e os homens viam que Oskar não estava regulando muito bem das ideias. Ele estava com cara de louco… Nisso, o trem com as outras velas que ele comprou não chegava nunca e Oskar indagou a um outro homem lá da Fazenda do Aron o que estava acontecendo que elas não chegavam. Ficou um telefone sem fio, pois cada homem falava alguma coisa. Ele resolveu pegar um trem e ir atrás de uma resposta. Encontrou! Elas estavam já todas de pijaminha listrado indo direto para um banho de água fria. Todas. Ele quase teve um treco.

- Foi um engano… Ai, meu Pai… Minhas velas! Moço, cê não tá entendendo… Minhas velas, eu quero as minhas velas!

- Mas, gente… Tudo bem que houve um engano, mas são só velas! Aquelas lá já vão ser apagadas. Compre outras, tem um monte chegando da Fazenda de Fulano já já, mais exatamente, deixa eu ver no meu relógio… Quinze pra daqui a pouco. São uns par delas, viu? O senhor vai gostar, já que coleciona velas!

- Não! Eu posso pagar!

- Por essas que estão chegando? Ah, não precisa… Mas… Se quiser me dar um chumacinho de papel colorido por debaixo do pano eu aceito!

- Eu te dou um chumação, mas corre e tira as minhas velas do banho de água fria, moço, pelo amor de Deus, moço… Eu quero as minhas velas, moço!

- Tá, tá! Eu hein, calma! Precisa babar na minha mesa? Que homem mimado! Bebê chorão! Vai no banheiro assoar esse nariz! – e saiu da sala pra buscar as velas.

Oskar entrou correndo no banheiro, limpou sua baba, deu um pulo de alegria, olhou pra um espelho que tinha ali e disse:

- “Tô pagano!” – e ria sozinho feito um maluco mesmo! E assim, conseguiu que suas velas voltassem do banho de água-fria. Desta vez se certificou que eram as suas velas mesmo quando notou que a vela Helen estava entre elas. Muito bem, todos voltaram pra sua cidade e os velos já estavam fazendo o que Oskar falou: construindo seus castiçais.

O tempo foi passando e os homens começaram a reclamar que os apagadores de velas que Oskar vendia não funcionavam.

- E daí, vela Itzhak? Esses homens estão nessa ainda, eu hein!

- E daí que como somos nós velas que fabricamos, eles podem vir aqui com apagadores de velas que funcionam e apagar a gente. E também podem querer apagar o senhor. E… E só. Era isso que eu tinha que falar pro senhor.

Oskar olhou bem pra chama de Itzhak e reparou que ela estava tremendo. Olhou para todas as outras e notou que todas estavam tremendo, mesmo estando ali, a salvo, havia algo ainda que não as estava deixando ficar tranquilas. Nisso, olhou o calendário: era Sapato. Algo parecido com o nosso Sábado, mas completamente diferente. E pras velas era Sagrado. Foi até uma vela, que ficou sabendo que era a vela Pai e disse:

- Ô, vela Pai, vem cá. O que que você tá fazendo, meu Pai?

- Desculpa, seu Oskar! Tá demorando, eu sei, mas já já esse apagador de vela fica pronto, tô quase terminando. Vamo ver se… Desta vez funciona… Tomara, né, afinal estamos aqui pra isso…

- Vela Pai. Que dia é hoje?

- Sapato.

- Não, pra vocês, velas, que dia é hoje?

- Era Sagrado antigamente…

- Não é aquele dia que vocês pegam aquele treco lá e ficam queimando em volta? Como é o nome daquilo mesmo, gente?

- Vela de Sete Dias.

- Então. Área, vela Pai!

-Oi?

- Partiu! Ja é!

As outras velas nem podiam acreditar naquilo! Se juntaram rapidamente numa sala bem grande e fizeram uma roda. Aí ficavam pingando no meio dela e iam empurrando. Nisso foi se formando tipo um palco, mas algo completamente diferente disso. Aí a vela Pai subiu e eles começaram a queimar juntos. Oskar nunca tinha visto aquilo que ele ouviu dizer que as velas faziam. Ficou de cara! Na verdade, era essa a curiosidade maior que Oskar tinha em relação as velas, e sentia que tinha encontrado dentro de seu coração a tranquilidade que ele também procurava desde o dia em que nasceu. Pra ficar ainda mais de queixo caído, elas começaram a fazer um certo… barulho. O mesmo barulho! E notou que era o som de cada vela queimando ao mesmo tempo ali reunidas que gerava esse som, como se fosse um assovio, parecia uma música que Oskar conhecia, mas não se lembrava! Quando começou a tentar imitar, todas notaram a sua presença e ficaram olhando para Oskar.

- Ops… É… Foi mal, galera, é que… de repente tudo ficou tão quieto e eu só vim ver se vocês não estavam apagadas. Sacaram? É… Bom… Qualquer coisa, tô na área, tá? – e fechou a porta, morrendo de vergonha. Pela primeira vez na vida ele sentiu vergonha de fazer graça. As outras velas começaram a conversar, pois não entenderam o que Oskar, um homem, foi fazer ali. Os outros homens se aproximariam tanto somente se fosse para apagá-las. A vela Pai aproveitou que foram interrompidas e começou o seu Salmão, algo parecido com o Sermão dos padres e pastores, mas algo completamente diferente. O assunto foi seu Oskar e sua generosidade.

No dia seguinte, a vela Itzhak estava tinindo fazendo seu trabalho, quando Oskar se aproximou com um semblante meio reflexivo, meio cismado. Caladão, digamos assim. Isso não era mesmo o seu jeito. A vela Itzhak, que conhecia bem aquele homem, aproveitou que ele estava quieto e resolveu puxar assunto, pra ver se conseguia dar uma animada nele:

- Ô, seu Oskar. A orelha do senhor não ficou quente a hora que você fechou aquela porta ontem?

- Não lembro, vela Itzhak. E também hoje eu não estou pra conversa não. Me deixe cá com meus botões.

-Claro, seu Oskar. Só queria que soubesse a opinião de nós velas a seu respeito. Admiramos a sua generosidade e somos gratos por tudo o que está fazendo por nós.

-Agradeça a vocês mesmos. Vocês é que estão fazendo. A única coisa que eu faço é ter ideias de como ganhar mais papel colorido.

- Pois é exatamente por causa de uma de suas ideias é que estamos aqui agora e não fomos apagadas. Por isso, pela chama que nos alumia, é que o senhor pode ter certeza que nunca esqueceremos disso. Tem a nossa eterna gratidão.

- Ah, deixa disso, vela Itzhak…

- A vela Pai disse que você é diferente dos outros homens. Você é um homem com H maiúsculo. Um verdadeiro Homem.

Oskar teve vontade de chorar, pois não se sentia assim. Sentia-se mal por ver seus amigos praticando aquele esporte ridículo, não permitindo as velas praticarem o seu jogo de se manterem acesas. Mas engoliu o choro, pegou uns papéis coloridos na gaveta e notou que eles estavam acabando.

- Que papinho mais água com açúcar, vela Itzhak. Agora me diz uma coisa. Meu papel colorido que tava aqui?

-O gato.

-Que que tem o gato? O gato comeu?

- Não, o gato que você deu nas máquinas, faz com que nenhum apagador de velas funcione. No começo, os outros homens compravam muitos de você, aí depois que viram que você não conserta essas máquinas nem por decreto, só uns amigos seus que compram pra te ajudar, porque acham que você ficou maluco.

-Xi… Então quer dizer que a situação tá ruça pro meu lado, vela Itzhak?

- Isso. Digamos assim. O gato subiu no telhado.

Sete meses se passaram e uma outra história estava acontecendo ao mesmo tempo. Os outros países que tinham em volta daquele do Oskar, se incomodaram com o cheiro de fumaça que vinha dali e começaram a brigar com esse país para que ele parasse de apagar velas. Os homens do país de Oskar estavam não só apagando velas e ficando com as coisas delas, estavam começando a chamar o mundo inteiro de velas, querendo ficar com as coisas de todos e o mundo inteiro só pra eles brincarem o jogo que eles mais queriam: ficar sozinhos no mundo. Esse jogo era realmente divertido para os homens do país de Oskar, mas eles perderam, e feio, para os Sputiniks – um povo parecido com os Russos, mas completamente diferentes deles – e agora eram eles, os homens, que iam ter que obedecer e dançar conforme outra música. Isso parece que deixou os homens mais irritados com as velas ainda, pois mesmo sabendo que iam agora ser perseguidos e capturados para viver em Gaiolas – algo como cadeias, mas completamente diferente – eles decidiram que antes disso terminariam de apagar todas as velas que estavam com eles. Isso era uma ordem e ai do homem que não fizesse isso! Era apagado junto. Oskar recebeu esse aviso. Convocou uma reunião para que todas as velas que tinham ali na sua Fazenda e os homens que trabalhavam ali vigiando as velas, se reunissem no pátio da fábrica de apagadores de velas, e como não apagava velas nem por decreto, disse:

- Meu povo, e minha “pova”. Quinze pra daqui a pouco o Segundo Grande Jogo de Mandar no Mundo chega ao final, e nós, homens, perdemos. Perdemos para os Sputiniks e todos que eram sócios do clube de apagar velas vão ser caçados e passarão a viver em gaiolas, que é o meu caso e dos homens que estão aqui. Por um decreto escrito pelo homem que inventou esse jogo de apagar velas, os homens que estão aqui devem apagar todas as velas que tiverem em suas Fazendas e voltarem para suas casas. Muito bem, as velas estão aqui e a hora de fazer isso é já! – a chama das velas tremeu nesse momento, mas aí Oskar deu uma piscadinha pra elas e continuou a falar, com o braço direito estendido e com a mão aberta, aquele gesto que ficou muito conhecido pelo homem que inventou o jogo de apagar velas, aquele gesto que se faz por aqui quando alguém dá uma idéia de brincar de esconde-esconde, por exemplo, só que algo completamente diferente disso – Bom, eu só vou falar mais uma vez – olhando no olho de cada homem que estava ali:

- “Quem-quer-continuar-a-brincar-do-jogo-de-apagar-velas-põe-o-dedo-aqui-que-já-vai-fechar-e-não-abre-nunca-mais”! – fechou a mão, abaixou o braço e continuou a falar como homem:

- Vocês decidem se querem voltar para suas famílias como apagadores de velas ou como homens de verdade. Homens com H maiúsculo.

Nessa hora, todos os homens que estavam ali foram deixando seus apagadores de velas no chão e foram embora reencontrar suas famílias. Oskar olhou para as velas com uma cara muito esquisita, meio engraçada, parecia que ele estava maluco mesmo! Mas era essa cara que estava doido para fazer para elas desde que aquele jogo idiota de apagar velas havia começado e que ele não conseguiu querer jogar: cara de café-com-leite, sabe assim? E continuou seu discurso:

- Bom, agora que esse jogo acabou eu posso contar. Eu sempre fui café-com-leite, como vocês podem perceber pela minha cara, mas mesmo assim, quando os Sputiniks me pegarem, vão me colocar na Gaiola. Portanto, quando for 5 pra daqui a pouco, eu vou picar minha mula. Queimem à vontade. Foi bom estar com vocês, foi bom brincar com vocês. Agora, Gaiola? Nem à pau, Juvenal! Fui!

As velas ficaram passadas! Então era por isso que o Oskar era diferente dos outros, ele era café-com-leite e não podia contar pros outros homens, senão ele seria apagado também! Aí todas elas se reuniram rapidamente e queimaram o pavio em volta da vela Pai pra ver o que poderiam fazer para presentear Oskar pelo seu esforço em mantê-las acesas. Chegaram a uma ideia! Cada uma tirou um fio do seu pavio e teceram um pavio enorme. Pegaram uma forma bem grande, colocaram o pavio no meio e foram pingando cada uma um pouco da parafina que escorria de suas velas até que a fôrma se encheu e a ponta do pavio ficou pra fora. A vela Pai acendeu e todas bateram chamas.

- Velas, velinhas e velões. Eu sei que essa cena foi linda, mas a gente tem que pegar o seu Oskar antes que ele pique a mula! Sigam-me os bons!

Realmente, ele estava quase saindo quando foi surpreendido por um bando de velas na porta da sua casa. Ele foi passando por elas e quando chegou no seu carro, a vela Pai, a vela Itzhak e a vela Helen estavam ali, a postos. A vela Pai entregou o presente.

- Essa é uma Vela de 7 Dias legítima! Se você cuidar dela, como cuidou da gente, ela não vai se apagar nunca!

Chegou a vez da vela Itzhak com uma lista gigantesca, com uma porção de queimadinhas:

-Essa é uma lista que preparamos para quando os Sputiniks te pegarem.

-Ah, mas é ruim de eles me pegarem. É ruim, hein?

- Seu Oskar. Se eles te pegarem, essa é uma carta onde explicamos tudo o que o senhor fez por nós, com as nossas 1.100 queimaduras – algo como suas assinaturas, mas completamente diferente disso.

-Mas tá escrito em grego isso aqui? Num dá pra entender isso, não. Se eles me acharem e eu der isso aqui pra eles, aí sim que vão me apagar, vão achar que eu tô gozando da cara deles.

- Não seu Oskar. Tá em Santo-Expedito, a nossa língua.

- Ah… Mas e como faz pra eles entenderem, gente? Vão achar que é tudo invenção, Sputiniks não falam Santo-Expedito, como eles vão fazer pra traduzir isso tudo que vocês estão dizendo que está escrito aqui?

Agora que as velas não precisavam mais ter medo de Oskar, mostraram sua verdadeira chama, todas de uma vez só, já impacientes e querendo continuar a história:

- GOOGLE!

Oskar ficou de cara. Por trás daquelas caras de pavio, havia uma chama imensa… Por fim, a vela Helen se aproximou e disse pra que ele encostasse a ponta do seu dedo em sua chama, ele o fez.

- Isso é para que você nunca esqueça da gente, do nosso calor.

Oskar estava sem palavras. Realmente. Agora que estava com uma mão na frente e outra atrás, sem papel colorido, sendo perseguido por Sputiniks, parecia que ali começava uma nova vida. A sua vida de verdade. Olhava para todas as velas e começou a sentir vontade de chorar. E chorou muito. Queria ter comprado mais velas:

- Me perdoem! Eu gastava meu papel colorido só com bobagem! Torrava tudo nos bares, com os amigos e a mulherada, poderia ter comprado mais velas, eu não tinha nada na cabeça mesmo… - e começou a chorar como uma criança.

A vela Pai se aproximou e disse:

- Oskar, meu filho. Essa história é linda, mas ela deve terminar e é agora.

- Não, vela Pai! Eu preciso desabafar, eu preciso… - e balbuciava como uma criança, novamente.

- Calma, meu filho Oskar…. Preste atenção a essas palavras. Toda vez que você sentir que esse desespero está te consumindo, segure-se na Grande Vela dos 7 Dias, silencie sua mente e faça o que vamos te ensinar agora, aquilo que você quis nos imitar no dia Sagrado, mas ainda não era o momento.

Na hora Oskar parou de chorar. Aquela vela Pai falava de um jeito que ele queria prestar atenção. Se ergueu novamente, segurando firme a sua Grande Vela dos 7 Dias e começou a fazer aquele mesmo barulho que todas estavam fazendo.

Depois disso, cada um foi viver a sua vida. O importante é o que importa, quem sair não bata a porta! Ah, você quer saber como era o som que as velas faziam? É simples, é algo como assoviar alguma oração que vocês conhecem. É muito parecido com isso. Quando os Sputiniks encontraram Oskar, ele estava segurando bem firme a sua Grande Vela de 7 Dias, com a chama bem trêmula, ele entregou a carta a eles. Sem saber o que falar, começou a assoviar aquela oração que aprendeu, e os Sputiniks entenderam tudo, e ele foi condecorado como um Grande Homem. Já aquele homem que inventou o jogo de apagar velas, quando os Sputiniks foram pegá-lo em sua casa, ele se trancou no quarto e apagou sua própria chama. E olha que ele era filho de uma vela…

FIM

Marcos Baô
Enviado por Marcos Baô em 15/12/2012
Código do texto: T4037419
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