As Galinhas da Angola e a Inflação
Enquanto os carros passavam depressa por sobre a rodovia, duas galinhas-da-angola (também conhecidas como galinhas da Guiné, em outros estados), cacarejavam e ciscavam no acostamento. Conversavam com propriedade em seu “galinhês” fabuloso.
Curiosamente, e devido a capacidade de convivência grupal delas, mostravam que entendiam a importância da atenção nas tarefas de ciscar e comer. Estavam juntas, porém separadas por uma distância segura. Demonstravam aquele companheirismo de trabalho de para manter qualquer relação em prol de algum objetivo em comum. As galinhas tinham nome: uma era Dai e a outra Deia.
Dai, a galinha mais velha, tenta confortar a amiga Deia que lamentava em seu “tô fraco, tô fraco" repetitivo:
- Não fique tão triste Deia! Tenha coragem! Procure ficar mais longe da cozinha... Estarei aqui pra acompanhá-la nessa engorda. Não sinta-se tão fraca! Vamos ser otimistas! Somos tão jovens... Vamos ciscar!
- Pois é Dai... - rebateu Deia desconsolada - Dói só de pensar que eles mataram a Galinha Caipira quando o preço do gás subiu... Eles nem hesitaram em reativar o fogão de lenha... Dona Flor fez um panelaço. Estou com medo disso acontecer conosco, amiga! “Tô-fraca, tô-fraca...”
Dai, a galinha mais gorda, cabisbaixa, ouve a amiga e concorda:
- Nossa! Lembrei que o marido da Dona Flor, Sr. Napoleão, chegou mais cedo trazendo notícia sobre petróleo e gás. Falou que estavam aumentando o preço toda semana... Ele falou que a cinco anos atrás, não tinha nada disso, e que esses políticos são todos mentirosos... Prometeram tanta coisa, mas não fizeram e nem fazem um décimo do que prometeram.
- É mesmo Dai. Não entendo esses humanos. Eles estavam falando algo sobre uma tal de inflação; sobre as empresas aumentarem o valor dos alimentos só porque esse gás de cozinha aumenta de preços. Aí até a energia elétrica fica mais cara... Não consigo compreender por que a energia não pode ser a do Sol ou a do mar, se o país quase todo está banhado pelo Oceano Atlântico no litoral? Por que eles não usam a energia que é gratuita oferecida pelo Sol ou pelas ondas do mar?
- Verdade Deia. Eles deveriam pensar em formas de economizar, sem precisar de depender tanto do petróleo que importam de outros países. Aí, quando o preço do petróleo, e consequentemente do gás de cozinha sobem, todo mundo fica nesse Deus nos acuda. Os custos dos frete dos caminhões dos frigoríficos aumentam, a luz aumenta, e acaba sobrando para a gente, né amiga?! Eles deixam de comprar a carne do supermercado e comem até nossos franguinhos filhotes... “Tô-fraca, tô-fraca...”
- Aí Dai... Por que eles não aprendem a comer ovos e verduras que plantam na hortinha em casa mesmo, né amiga? A couve, alface, hortelã, tomate, cenoura, mandioca, batata e taioba são tão fáceis de plantar...
Daria para economizar tanto. E sem contar que é melhor do que carne de galinha congelada conservada com produtos químicos e hormônios. Alimento bom é o que vem da nossa terra, né amiga?
- É Deia. Eles reclamam a inflação da energia elétrica, mas fico olhando para a Dona Flor. Ela fica, durante toda tarde e noite em frente à televisão. Por que será os humanos gostam tanto dessas coisas, Deia?
- Não sei, amiga... Tanta comida pra ajuntar e catar, mas ela prefere ficar parada olhando praquele troço? Às vezes deixa de fechar o galinheiro, de limpar a casa, de plantar as coisas e de ver a Lua Cheia! Outro dia, ouvi dizer que a Dona Flor estava tomando remédios para conseguir dormir.... Vê se pode, Dai? Trabalhamos o dia todo, ciscando e comendo os pequenos bichos que aparecem após a chuva, e logo quando o Sol se põe, vamos para o galinheiro descansar. Sequer sabemos o que essa televisão faz de bom pra nós, além de gastar a energia. E nem banho quente tomamos, mas quando o preço da energia aumenta, e a dona adoece, somos nós que pagamos com a própria vida, virando canja! Que abuso! Observou Deia enérgica.
- É menina... O negócio está difícil mesmo.... Tenho medo de virar galinhada, por causa deste aumento dos preços... “Tô-fraca! Tô-fraca!”, disse Dai, tristemente.
Ao perceberem a chegada de um rapaz, recuaram e foram para mais longe da ciclovia, afastando-se do acostamento. Dai avisa a amiga Deia:
- Aqui tem mais tanajuras, amiga! Corre pra cá! Lá vem chegando outro humano.
O rapaz, observava atentamente o comportamento dos bichos. As galinhas repetiam um som que parecia que estavam falando “Tô-fraco-tô-fraco”. Ele tirou uma foto. “Estariam fracas ou desesperançosas?” pensou. Sem resposta, foi embora.
As galinhas ariscas, abandonaram a ciclovia no fim do entardecer.