Essa discussão não acabará bem

“Você é um empata foda!” — Escutei de longe, aqueles dois discutindo. Era sempre assim, se tinham um problema, logo tratavam de querer impor seus pontos de vista. Não quis me meter dessa vez. Observei pra ver até onde ia: “Dessa vez vai dar morte” — pensei.

— Vo-cê é um pu–ta em–pa–ta fo-da! — Ela falou expressando sílaba por sílaba, em tom de afronta.

— Então você está supondo que fará a hospedeira feliz com sexo ao acaso. É isso? — Inquiriu o outro, querendo que a mesma justificasse seus motivos.

— Olha! Fique sabendo que nossa cara amiga está muito bem, obrigada, em seus projetos pessoais, em suas conquistas e com as pessoas que são importantes para ela. Está completa. Não precisa de sair de seu foco pra cair nas tuas tentações.

— Como sempre você é fria como um iceberg no Ártico. Razão, você com essas suas decisões ditas sensatas, vai acabar a transformando em um ser de alma superficial e leviana. Quer sentir prazer? Convence ela de se masturbar. Para de se meter em assuntos que não são seus. Deixa o campo dos sentimentos comigo. Já está tudo decidido, desde que ela veio ao mundo. Ela é sensível, poética, solidária e, incrivelmente, entregue ao fazer amor! Vais fazer a garota aprender a transar por transar no auge dos 37 anos dela?

— Coração, tu és muito hipócrita! Tu com essa onda de paixões fulminantes, só a meteu em enrascadas! Quer que eu enumere? De trás pra frente ou em ordem cronológica, imbecil!

— Antes imbecil do que fria e amarga como você — disparou o Coração, tentando tirar a Razão de si.

— Você é um abobalhado acéfalo. Nem a mente quer papo contigo. É com ela que eu moro. Tu ficas lá embaixo. Batucando tuas paixões ou teus tormentos.

— Razão, se dizes tão superior a mim. Pois me fala algum momento em que deixastes a vida dela repleta de vida e significados. Me fala, oh grande inquiridora!

— Escuta, tu és surdo? Não ouviu as garotas falando do acordo de que não deveria ter sentimentos envolvidos? — Teimou a Razão, querendo que o Coração se sentisse acuado.

— O que eu sei, é que a menina que ela está se apaixonando não queria ser um pedaço de carne. A menina que ela gosta (e muito! — reafirmou), não curte frieza. Eu ouvi em alto e bom som que ela nem sequer gosta da palavra acordo. Isso não é um contrato, Razão! Logo, esses assuntos também são meus.

— Não estou falando de contrato. Só gostaria que tu fosses menos metido. Não é pra ter sentimentos envolvidos. — A Razão já estava perdendo a paciência que lhe restava.

— Elas me querem. Eu vi no olhar delas, na primeira noite de amor.

— Eu não percebi nada disso. Foi um sexo gostoso e nada mais. — Olhou a Razão de canto de olho e de um modo triunfante.

— Certo. Você como sempre querendo desprover de alma as atitudes da hospedeira. Achas que é um grande sinal de maturidade viver pelo prazer? Por um acaso isso a completa? Ela se sente completa assim, Razão?! — repetiu o Coração, já com falta de ar, e continuou — Se sente? Me diz? Não és tu o ente das grandes constatações! Então me fala: tu a farás feliz, reinando sobre mim? Sou eu que entende de amor! — finalizou com essa ultima frase, como quem tenta dissolver o ego da Razão.

— O Amor nem aqui está pra você querer falar em nome dele! Você é um empata foda! É isso que você é! — Retornou a Razão ao seu discurso do início, mas já completamente fora de seu estado natural.

Tinha tudo pra virar briga de canivete, quando resolvi, enfim, intervir. Entrei sorrateiro no meio dos dois. Ambos se calaram, pois a mim tinham imenso respeito. Ambos sabiam do que eu era capaz. Ambos sabiam que eu não tinha um local específico, percorria o território inteiro. Sou um semeador. Enquanto uma reflete formas de se proteger e busca sensatez no prazer e o outro busca suas aventuras e paixões fulminantes; eu, calmamente, sem nenhuma pressa, vou arando o terreno, vou jogando as sementes e em vários sentimentos elas brotam, singelamente. Não tenho fronteiras. Broto onde molham a terra com carinho, com cuidado, com tentativas de se compreender. Meu adubo é rico de cumplicidade. Ele fertiliza nos amantes e na amizade. Minhas rosas, de tantas cores, são as únicas que dão frutos, em toda a natureza, somente em minhas semeaduras isso ocorre.

— Isso não vai acabar bem! — Falaram ao mesmo tempo, Razão e Coração. Enfim eles concordaram entre si. Mais por despeita, do que por solidariedade entre ambos, pois os dois temem as consequências do Amor.

Andréa Agnus
Enviado por Andréa Agnus em 16/09/2019
Reeditado em 23/10/2020
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