O Pato Que Queria Ser Galo

O pato e a pata (a fêmea) tiveram um filhote que caiu do ninho e encontrou um galinheiro. Albergado neste novo lar, o patinho feio, cresceu no meio dos filhotes das galinhas de um dono de rinha. Este patinho era amarelo, desengonçado e cagava muito, mas seu cocô era ralo e mole, bem diferente do cocô em formato de pipocas das galinhas e dos pintinhos.

O patinho cresceu de olho nos fortes galos, que vez ou outra, brigavam lá perto do galinheiro. Galos de peito aberto. Cantores e orgulhosos. Vistosos e valentes. Competidores natos. Usavam sua força, bicadas e esporadas pelo orgulho de deixar seu oponente caído. Brigavam para cruzar com as melhores galinhas daquele quintal. O patinho quis ser galo, pois achava que eles eram "os vencedores". Pois começou a fingir e tentar forçar seu quá-quá pra algum anômalo cocoró-có-có dos galos, porém nunca conseguia fazer bem feito!

No galinheiro, os galos gozavam de vantagens, pois eram os preferidos de seus donos. Sempre comiam primeiro. Sempre aproveitavam a sombra, e sempre bebiam água primeiro. Como galináceos alfa, tinham tudo do bom e do melhor. O tempo deles era aproveitado, ora com cantorias, ora com suas briguinhas, que divertiam seus perversos senhores. Mas eles nem se importavam, pois adoravam exibir seus poderes de galo, e lutavam entre si até a morte do mais fraco. Os que sobreviviam, alimentavam as apostas dos seus donos e depois eram medicados com algum fármaco e antibiótico comprado pelos seus donos.

O patinho olhava cada briga com muita atenção. Ele desejava ter os privilégios dos galos. Ele olhava todos os dias como os galos faziam com as galinhas mais bonitas... O patinho não tinha mais identidade própria pois ele queria ser o galo forte pegador.

Quanto ás galinhas, elas não se queixavam dos comportamentos dos galos. Apenas fofocavam entre si sobre os galos que perderam e os que morreram, e comentavam sobre os galos mais bonitões cujos quais queriam ter filhos. O patinho sentia-se confuso com o falatório e fofoca das galinhas. Ele via que elas trabalhavam como escravas, passavam o dia todo ciscando, catando insetos, protegendo os pintinhos, e depois botando ovos nas cestas dos donos. Após o canto do meio-dia, eram violentamente acessadas pelos galos para cruzarem. Mas o patinho não admirava estas fêmeas, pois pareciam nulas e sem opinião... Ele admirava os galos, pois eles ficavam "por cima" delas, faziam tudo e ainda e cantavam anunciando o anoitecer e alvorecer.

Certo dia, quando o patinho já estava adolescente, viu que os galos eram substituídos por outros galos daquele mesmo estereótipo. Ele percebeu que os donos não davam oportunidades para outras raças e preferiam apenas um tipo de galo: o galo índio. Isso porque seus ataques eram mais mortais e a chance de perderem as apostas era menor. Ao saber que os galos índios eram mais fortes, o patinho temeu. Sua pata não fora feito para brigas, e deste dia em diante passou a ter medo dos galos, e passou a andar cabisbaixo e depressivo.

Um dia, o rio encheu mais que o comum com uma chuvarada, e todos os animais foram subindo no galinheiro. O patinho tentou pular no puleiro para se salvar, mas todos os galos e galinhas já estavam nos degraus mais elevados do puleiro. Sem vagas, o patinho viu-se arrastado pela correnteza para fora do galinheiro. A enchente levou o pobre patinho para o rio, contudo, ao invés de naufragar, o animal descobriu que suas patas tinham funções de natação. De longe percebeu que o galinheiro, as galinhas e seus galos afogaram-se, enquanto ele nadava com facilidade. Sentiu-se aliviado. Sorriu e aproveitou o momento. Ao descer o rio em nado natural, sentiu saudades dos companheiros daquele galinheiro... uma pena, mas a tragédia havia ocorrido e o patinho agora teria que se virar sozinho!

P.S: Dedicado ao professor e mestre em literatura dos contos: Rubem Leite, o Artista Arteiro.

Convido a todos leitores pra apreciarem o texto do escritor Rubem Leite http://artedoartista.blogspot.com/2020/07/cada-um-e-livre-na-gaiola-que-escolhe.html?m=1

Glaussim
Enviado por Glaussim em 13/07/2020
Reeditado em 13/03/2024
Código do texto: T7004460
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.