O Moço Velho e a Mariposa

Não sei até hoje como surgiu aquele mito assustador ou de onde veio aquela fábula sinistra. E por fim, de que forma nasceu a lenda medonha do Moço Velho.

Diziam os mais antigos, "os maiores" - esses são os meninos de mais idades que: "Nas noites de Lua cheia quando o chão estava bem nítido, bem visível por causa do luar, o Moço Velho surgia. Ou ele vinha do mato alto ou então surgia por entre duas árvores. Mas uma coisa era certa, ele surgia de um jeito, de uma forma inexplicávelmente assustadora". Os meninos mais velhos contavam essa história de forma intrigante, faziam caras e bocas quando não seus olhos se arregalavam enquanto iam falando. Pronto lá já eu morrendo de medo do Moço Velho.

Eu que pertencia ou morava no pavilhão dos menores devido a minha tenra idade, era um medroso de mão cheia ou melhor, um medroso de corpo e alma. Naquele momento ouvindo a lenda do Moço Velho me decidi que nunca iria sair do pavilhão em noites que quer que houvessem lua cheia ou não, eu não sairia por nada. Como se os funcionários fossem deixar isso acontecer. Permitir que nós meninos fossêmos sair do pavilhão naquela hora da noite.

Havia no meio de cem meninos um que era de vez em quando zoado pelos outros, como dizíamos encarnado pela galera. Esse menino tinha a mesma faixa etária que nós outros. Alguns eram dois anos mais velhos ou mais novos. O corpo de Eduardo era mais desenvolvido do que o nosso, tanto em altura quanto em estatura. Por isso que quando gozávamos dele nós chamávamos-o de Moço Velho. E pra piorar a situação dele, certa vez quando descia da secretaria do orfanato para o pavilhão dos menores sendo já quase noite, ele se deparou com uma assombração. Isto é, algo ou alguma coisa fora do normal. Disse ele pra gente depois: " - Eu me despedi de seu Miguel desejando boa noite e até amanhã. Seu Miguel estava subindo pra secretária bater o seu cartão de ponto. Entre nós dois numa distância de grande apareceu em pé no mato perto da rua uma mulher vestida de branco. Ela tinha a cara branca, os cabelos brancos e os olhos pretos. Quando eu olhei pra ela ouvi : - Boa noite, até amanhã! Quando voltei os olhos pra seu Miguel ele já estava lá em cima, bem longe de mim perto da quadra. Eu voltei os olhos pra ela e ela estava parada. Somente a brisa mexia-lhe os cabelos brancos, secos e desgrenhados. Não vi os olhos dela não, no lugar deles haviam somente dois pontos escuros. Nessa nem quis saber de mais nada, corri pro pavilhão o mais rápido que eu podia".

Quando ouvimos aquela história do Eduardo rimos muito e alguém puxou a música: " Moço Velho da mangueira quem mandou bater na pêra, Moço Velho da mangueira quem mandou bater na pêra". Era neste momento que ele vinha bem chateado atrás de nós. E nós que não éramos fáceis corríamos muito dele rindo de se acabar feito doidos. Eduardo era novo sim mas por possuir características corporais de mais velho então passamos a chamar ele de Moço Velho. Isso porque dizia alguns dos meninos mais velhos: - " o Moço Velho tinha a habilidade de mudar a voz e aparência, ficando mais novo de corpo e com a voz mais nova. A única coisa que ele não conseguia fazer era mudar as mãos. Elas sempre permaneciam secas, raquiticas e velhas". Por isso se você desconfiasse de alguém era só olhar pra mãos dessa pessoa.

Então alguns dias depois desse evento estranho e assustador dois menores sumiram, um era branco de cabelos encaracolados, russo. O outro era doente mental como dizíamos na época. Este era o Evan. (abreviado) ele era bem alto mas tinha a cabeça de uma criança. Alguns dias antes de sumirem Evan sempre cantava : "- A mariposa bah bah bah! A mariposa bah bah bah!" E ficava nessa musiquinha sem parar. Ninguém sabia para onde Russo e Evan estavam. O colégio interno era bem grande mesmo. Antes era um colégio interno misto com colégio agrícola. Mas naquele dia era somente colégio interno.

Nas ruas e bairros da cidade de Araruama eles não foram encontrados. Já tinham se passado vários dias e nada deles serem encontrados. Os dois figuram sim mas para dentro do mato dentro das imediações do orfanato.

Nestes dias de sumiço nós internos ficávamos discutindo quem poderia ter dado sumiço neles. E por quem eles foram levados? Teria sido o Moço Velho ou a mulher de branco, ou então a Mariposa. Eu já tinha ouvido falar dos dois primeiros bichos papãos mas, da Mariposa nunca tinha ouvido falar, aliás, tinha ouvido o Evan cantar. A verdade era que eu nunca soube naqueles dias o que era a Mariposa. Pronto já estava com pavor só de ouvir falar o nome - mariposa. Mas o que mais me deixava encucado, cheio de medo era como eles, os meninos mais velhos, contavam sobre eles e suas atrocidades e maldades. E sempre era assim suas vozes eram assustadoras e seus olhos esbugalhavam, até os mais céticos duvidariam de sua incredulidades.

Então num dia que todos já estavam achando que eles nunca mais voltariam para o educandário apareceram os dois"fujões" Russo na frente e Evan após ele. Russo vinha na maior cara de pau, como se tivesse saído de férias. Já Evan daquele mesmo jeito: " A mariposa bah bah bah! A mariposa bah bah bah!" A notícia se espalhou bem rápido, igual fogo em capim seco se alastrou rapidamente. Algum guri gritou: - Eles voltaram, eles voltaram ! Eu saí correndo de onde estava e fui ver os dois vindo tranquilamente. " Pronto, o Moço Velho não pegou eles" pensei. Quase todos os meninos estavam em torno deles como se eles fossem novatos.

A inspetora que nos guardava, que nos vigiava, ou melhor, tomava conta de nós olhou para ambos de cima para baixo e então disse-lhes : - já para o corredor. Ou seja, ficariam de cara na parede de castigo. Os dois seguiram com muitos meninos fazendo várias perguntas. É claro Russo não queria falar mas Evan baixinho cantava alguma musiquinha. Alguém gritou: - Caracas Russo vocês ficaram muito tempo fugidos heim. E ele nada. A inspetora chamou um menino e orientou que ele fosse até lá embaixo no pavilhão dos maiores e chamasse um funcionário. Este veio e ele também era inspetor do nosso pavilhão. Quando ele chegou mandou Evan ir tomar banho. Evan ouviu e saiu devagar. A inspetora que estava perto por ali lhe chamou e dei-lhe uma toalha limpa. Enquanto isso o inspetor chamou Russo para a salinha dos funcionários. Depois de alguns minutos podemos ouvir uns sons de que Russo estava apanhando. Este saiu lá de dentro com a cara de choro mas em silêncio. Evan já estava de banho tomado sentado na varanda do pavilhão que era grande. Os meninos que vinham lhe perguntar alguma coisa ouviam dele qualquer coisa. Ninguém entendia nada. Russo foi proibido de falar conosco onde estava e o que tinha feito naqueles dias. Então surgiu na minha cabeça de que eles conseguiram fugir do Moço Velho e que o funcionário os tinha orientado a não contar sobre nada do que fizeram. Surgiu um mistério e Russo não falava nada pra ninguém.

Os dias vieram e também se foram. E num dias desses de sol estávamos jogando bola em frente ao pavilhão. Um grupo brincava de pique pega e outro teimava não deixar a bola parar. E nessa de chuta pra lá e chuta pra cá eu um menino chutamos nossos pés. Ele sentiu dor e voltou pro jogo mas, já eu me machuquei e tive que parar de jogar bola. O sol já estava vermelho e ia seguindo seu caminho de todos os dias. Fui tomar banho e depois do banho a inspetora daquele dia me disse pra ir lá embaixo na enfermaria. Quando me dei por mim notei que iria sozinho. E que não haviam outros menores pra descer comigo. Sempre iam mais de três ou até cinco meninos. Mas eu iria desce só. Então a inspetora gritou: - Éh o últimooo! Pronto era como se fosse um código secreto dentro das nossas cabeças. Tínhamos que parar tudo que estávamos fazendo, largar o que estava em nossas mãos e correr. Mas esse correr era correr mesmo. Porque aquele que chegasse por último iria apanhar. E isso era todos os dias. Até que um dia já mais um pouco maior um menino disse que sempre após o lanche da tarde ele só brincava em frente ao pavilhão. Porque quando a tia ou o tio gritava éh o último, ele já estava perto do pavilhão e por isso nunca iria apanhar. A idéia se alastrou e passarmos então a brincar sempre nas tardes ali mesmo. Até que os funcionários quando a hora chegava somente diziam "crianças pra dentro, crianças vamos entrar ou então está na hora do banho."

Eu não ia pedir pra algum amigo me levar na enfermaria, se fizesse isso seria zuado até dizer chega né. O meu erro foi ficar ali parado vendo todos entrarem em vez de descer logo. O sol agora já estava mais embaixo estava mais escuro.

Então olhei pro mato que ficava perto da rua que subia do pavilhão dos menores para a secretaria. E vi ele lá acabando de sair do mato e se escondendo atrás de uma árvore. Eu já estava andando descendo pra enfermaria. Em vez de eu voltar pro pavilhão sem pensar comecei a correr rua abaixo. "Ele está esperando eu passar pra me pegar" apesar de ele estar longe eu nem queria saber de nada corri muito. Mas então senti que ele estava atrás de mim e desesperado comecei a gritar: - Dona Vilma, dona Vilma! Esguelava pela enfermeira desesperadamente. Fiquei assustado tentando entender como ele chegou atrás de mim em tão pouco tempo. E de repente senti seus dedos murchos tentando me pegar pela gola da camisa. Quase chorei, gritei por dona Vilma. Sentia que se eu diminuísse a velocidade ele iria me pegar. Faltava bem pouco pra chegar na enfermaria e ainda assim eu gritava. Ninguém me ajudava, ninguém tinha pena de mim. Entrei na enfermaria esbaforido, gritando, assustado e desesperado.

- O quê é isso menino?? O que está acontecendo com você? Calma pra quê essa gritaria, tá doido??

Eu me acalmei olhei pra ela calado. Respirando com dificuldades e olhos esbugalhados.

- O quê foi que aconteceu? Ela perguntou.

- O Moço Velho dona Vilma. Respondi.

- Que Moço Velho o quê menino. Não existe moço velho não.

Realmente não tinha nada lá fora.

Ela começou a fazer o curativo. Só um arranhão simples passou mercúrio pôs uma esparadrapo com um algodão e mandou eu subir. Eu olhei pra ela com medo. Ela foi até lá fora e viu um menino do pavilhão dos maiores e o chamou.

- Pode me fazer um favor menino?

- Sim senhora dona Vilma. Ele respondeu de pronto.

- Leva esse menino lá em cima no pavilhão dele pra mim? Ele não pode subir rápido por causa do curativo não sair.

- Tá bem, levo sim senhora. Só vou avisar ao seu Fulano.

- Ok eu espero então.

Quando ele saiu ela olhou pra mim e disse:- pronto não precisa ter mais medo.

Quando estávamos no meio do percurso a gente já estava falando de tantas coisas. Então curioso perguntei pra ele: - Você é novo aqui né, qual seu nome?

No que ele respondeu: - Moço Velho!

Hugo Deff
Enviado por Hugo Deff em 22/10/2020
Reeditado em 21/04/2021
Código do texto: T7093744
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