A bunda.

A ela, meu mais íntimo suspiro,

pois tanto mais a apalpo quanto a miro.

Que tanto mais a quero, se me firo

em unhas protestantes, e respiro

a brisa dos planetas, no seu giro

lento, violento… Então, se ponho e tiro

a mão em concha – a mão, sábio papiro,

iluminando o gozo, qual lampiro,

ou se, dessedentado, já me estiro,

me penso, me restauro, me confiro,

o sentimento da morte eis que o adquiro:

de rola, a bunda torna-se vampiro.

A bunda, que engraçada

A bunda, que engraçada.

Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai

pela frente do corpo. A bunda basta-se.

Existe algo mais? Talvez os seios.

Ora – murmura a bunda – esses garotos

ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas

em rotundo meneio. Anda por si

na cadência mimosa, no milagre

de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte

Por conta própria. E ama.

Na cama agita-se. Montanhas

Avolumam-se, descem. Ondas batendo

Numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz

Na carícia de ser e balançar.

Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,

Redunda.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.

Arcanjjus Negrus
Enviado por Arcanjjus Negrus em 10/06/2020
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