Gramática Desafinada

O universo da música brasileira é pródigo em letras inteligentes e maravilhosas. Não obstante, devido à complexidade da nossa Língua Portuguesa, algumas vezes os compositores desafinam na Gramática. Vejamos alguns exemplos em canções conhecidíssimas.

USO INCORRETO DO PRONOME LHE

Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras não sei dizer/ Como é grande o meu amor por você/ E não há nada pra comparar, para poder lhe explicar/ Como é grande o meu amor por você.

Em Como É Grande O Meu Amor Por Você _ bela canção de Roberto Carlos _ o uso do pronome pessoal oblíquo LHE não parece adequado aos versos _ pelo menos numa primeira análise.

O pronome lhe indica a 3ª pessoa do discurso (Ele) _de quem se fala (o assunto). Nos versos da canção fica bem entendido que o autor fala à própria pessoa sobre o seu grande amor. Desse modo o correto seria usar o pronome pessoal oblíquo da 2ª pessoa do discurso (Te) _com quem se fala (receptor)

A forma correta fica assim: Eu tenho tanto pra te falar... E não há nada pra comparar, para poder te explicar/ Como é grande o meu amor por ti.

Mas acontece que o Roberto resolveu complicar um pouco as coisas usando o pronome de tratamento VOCÊ, mais popular e menos poético. Embora os pronomes de tratamento refiram-se à 2ª pessoa, têm sua concordância na 3ª pessoa. Ex.: Vossa Majestade mandará seu exército atacar?

Então, por mais que pareça estranho, o uso do pronome LHE está empregado de forma correta na canção do rei, graças ao uso do pronome de tratamento.

USO INCORRETO DO VERBO PREFERIR

Metamorfose Ambulante (Raul Seixas)

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante/ Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Este verbo não se constrói com a locução conjuntiva (do que) nem com o advérbio (mais). Então o certo seria: Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante a ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

USO EQUIVOCADO DO PLURAL

Filho Único (Erasmo Carlos)

Ei mãe, não sou mais menino/ Não é justo que também queira parir meu destino/ Você já fez a sua parte me pondo no mundo/ Que agora é meu dono, mãe/ E nos seus planos não “estão” você.

Na presente canção, o verbo estar concorda (impropriamente) com a palavra planos, quando o correto, seguindo o contexto da letra, seria o verbo concordando com a palavra mundo (no singular). Observem: Você já fez a sua parte me pondo no mundo/ Que agora é meu dono, mãe/ E nos seus planos não está você.

Sim, eles desafinaram, porém, quem nunca desafinou na Língua Portuguesa?