Pobreza vernacular: implantes desnecessários

Praga antiga e importada do inglês implant, o verbo implantar está em praticamente todas as manchetes de jornais, textos técnicos e artigos de opinião, sobretudo na área de gestão pública. Tudo hoje se implanta! Os verbos criar, instituir, fundar, entre tantos outros da língua portuguesa, foram quase banidos do nosso idioma. Como sempre é bom matar a cobra e mostrar o pau, uma rápida pesquisa na Internet demonstra o que digo:

A Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) irá implantar, até o final deste

ano, o Protocolo de Atendimento aos Casos de Acidentes com Risco de

Material Biológico. (http://www.saude.al.gov.br/2016/11/01/sesauimplantara-protocolo para-acidentes-com-risco-de-material-biologico)

UEPB implantará o ponto eletrônico para os seus funcionários (http://paraibaonline.net.br/uepb-implantara-o-ponto-eletronico-para-osseus-funcionarios/)

Turismo implantará Pesquisa de Perfil da Demanda

(http://www.olimpia.sp.gov.br/noticias/turismo-implantara-pesquisa-deperfil-da-demanda/52915)

HEDA implantará residência médica em duas especialidades

(http://www.saude.pi.gov.br/noticias/2016-11-28/7663/heda-implantararesidencia-medica-em-duas-especialidades.html)

Tecnologia: Prefeitura de Itápolis implantará diário oficial eletrônico

(http://www.ibitingadiario.com/noticia/2143/tecnologia-prefeitura-de-itapolisimplantara-diario-oficial-eletronico.html) (grifos nossos).

Resolvi parar com os exemplos, para não estender demais este artigo. Mas será que é errado usar o verbo implantar? Vocês devem estar querendo saber. Apresento, como argumento de autoridade (pelo menos para mim, que admiro bastante sua obra, em que pesem alguns posicionamentos radicais), a lição do gramático e filólogo Napoleão

Mendes de Almeida, para quem:

(…) implantam-se dentes, fios de cabelo, bem como, em sentido figurado, implanta-se um sistema, uma civilização, uma situação; jamais, uma escola, um hospital, uma obra ou edificação.

Vejamos alguns exemplos, que extraí de Almeida, em que podemos substituir o verbo implantar por outros mais apropriados:

• Peça básica do mecanismo novo que o presidente quer implantar (... que o presidente quer introduzir/instalar).

• Implantar uma infraestrutura (estabelecer/compor/formar/construir/constituir).

• Fórmulas e sugestões para implantação de uma nova política de crédito (... para a fixação de uma nova política de crédito).

Bem, vocês podem questionar, argumentando que a língua é viva, que o importante é se comunicar, entre tantos outros argumentos utilizados pelos linguistas de plantão. Não quero entrar nesse mérito. Quero ressaltar, aqui, a pobreza vernacular e o automatismo linguístico de quem, podendo ter um estilo próprio e elegante, prefere adotar termos

repetidos à exaustão. Assim ocorre também com o insuportável “alinhar” e o batido “agregar valor”, sem falar dos estrangeirismos, que merecem um artigo à parte, para o qual necessito de um brainstorming ou talvez de um case.

Criemos, pois, um estilo próprio de redigir e passemos a “quebrar paradigmas” também na linguagem, aprendendo a “pensar fora da caixa” do jargão corporativo de vez em quando. Finalizando com a ironia que lhe era peculiar, tomo emprestadas as palavras de Almeida, para quem:

(...) só nos resta, diante de tanta implantação, corrigir a Bíblia para: No

princípio Deus implantou o céu e a terra. A terra, porém, estava informe e vazia... E Deus disse: Implante-se o firmamento... E assim se implantou. Disse também Deus: As águas, que estão debaixo do céu, implantem-se num só lugar. E assim se implantou.