Dona Júlia frege os ovos... Ou frige?

Era uma segunda-feira como esta, quando Dona Júlia chegou lá em casa.

Ela era uma dessas senhoras sexagenárias, cabelos presos no alto da cabeça por uma presilha pequena, como um rabo de cavalo que não deu certo, seus cabelos grisalhos mostravam que ali estava uma pessoa de muita experiência de vida, alegre contadora de histórias; por trás dos óculos dava pra ver o brilho dos seus olhos castanhos e amendoados, gostava de rir enquanto contava os causos, vez por outra aparecia um olhar triste como se contemplasse um triste fato do passado, mas rapidamente voltava à empolgação das memórias distantes. Naquele dia, ela veio com a sua neta, moça bonita de cabelos crespos alisados, bem maquiada, e com aquele ar de quem sabia das coisas, havendo ela chegado da cidade em que havia terminado o Curso de Letras.

A minha mãe e ela se abraçaram alegremente, e não demorou muito já estavam à mesa da cozinha tomando café e comendo biscoito voador, aquele feito de polvilho azedo. Já a neta dela não parecia se enquadrar naquele lugar, como se nada ali pertencesse a ela, estava certa porque só a Dona Júlia fazia menção da razão para ela estar ali.

Pois bem, estavam as duas senhoras conversando quando a Dona Júlia perguntou:

--Você lembra, cumadi, quando a gente era pequena? Eh, "epa" boa, hein!?

A jovem logo falou baixinho:

__ É época boa, vó!

A vozinha fingiu não ouvir e continuou:

__ A gente podia ficar até tarde "na porta rua". Todo mundo "entertido" nas estórias que meu pai contava.

A moça sussurrou de novo com um risinho:

__A senhora quis dizer "à porta da rua" e é entretido que se diz, não entertido.

Dona Júlia já olhou pra ela de soslaio e não gostou.

Naquele instante a minha mãe confirmou:

__ É divera...

Eu estava ali vendo as redes sociais, mas o assunto começou a me interessar, afinal, falar correto é importante, mas são tantas pessoas que falam correto, mas não se comunicam! Tive que conter o riso porque quase pude ouvir o pensamento da recém-formada gritando:

__ É DEVERAS que se diz!

A conversa se alongou entre um biscoito e um café que se repetiam e uma ou outra risada.

Foi então que a Dona Júlia falou:

__ Bem, mas no frigir dos ovos, muita coisa mudou pra melhor, antes gente tinha que colher, bater o feijão na roça e depois ainda tinha que tirar os grugui, (eu podia ver a cara da moça, quase fazendo biquinho e dizendo o bicho do feijão é GORGULHO, não grugui). A conversa continuou: A gente perdeu a segurança de ficar na rua, mas a gente tem mais acesso à saúde, do que antes, quando a gente tinha que andar mais de 3 léguas pra chegar na vila em que tinha um médico.

E, por falar nisso, você lembra uma vez que você fez uma farofa de ovo com muita pimenta e quase morreu de dor de istambo?

A neta dela interrompeu-a:

__ VOOÓ, é estômago!

Dona Júlia fingiu que não ouviu:

__ Cumadi, você ainda frige ovo do mesmo jeito?

A moça perdeu as estribeiras e quase gritou:

__ Desculpe, Dona Ana. Vó, aí já é demais! Presta atenção que eu vou dizer pra senhora.

É assim que se diz:

Eu FRIJO

Tu FRIGES

Ele, Ela, Você FREGE

Nós FRIGIMOS

Vós FRIGIS

Eles, Elas, Vocês FREGEM.

Entendeu, vó, no presente, é assim que se fala.

Dona Júlia, que já tinha intimidade na casa da minha mãe, ficou chateada e olhou bem séria para a neta dela e disse:

__ Menina, se o ovo é meu eu faço o que quiser com ele, eu frijo, eu cozinho, eu asso... E esse negócio de presente aí, ó, me dá um presente, fica caladinha porque é feio corrigir os outros em público!

A moça, ficou toda desconcertada. Eu fingi que não vi, nem ouvi nada.

Daí Dona Júlia continuou:

__ Né não, cumadi! Uma menina tão estudada e sem "inducação".

Quase pude ouvir a moça gritar:

__ É educação, vó!!

Continuei ali no meu canto, rindo muito por dentro. A cozinha da minha mãe havia se transformado em uma frigideira de palavras.

Espero que aquela jovem tenha compreendido que mesmo que para se fazer a omelete tenha que se quebrar os ovos, é necessário saber a ocasião e o ambiente certo para isso.