Coordenação e subordinação - considerações aplicadas à escrita

Os conteúdos do título acima estão frequentemente abordados nas gramáticas da língua. São conceitos indiscutivelmente necessários, pois, a todo momento, nos valemos – em nossos textos escritos – de estruturas compostas por coordenação ou por subordinação. Tentaremos, a seguir, simplificar um pouco o que dizem as gramáticas, pois nossa pretensão é auxiliar na produção textual. Falemos, inicialmente, de oração e período.

Oração é o enunciado que se organiza em torno de um verbo ou locução verbal. Portanto, em ‘As Olimpíadas do Rio encantam o mundo’, temos uma oração, cuja marca conceitual é o verbo ‘encantam’. Disséssemos ‘As Olimpíadas do Rio estão encantando o mundo’, teríamos, para caracterizar a oração, não mais o verbo, mas a locução verbal ‘estão encantando’.

Já o período se identifica como o enunciado que apresenta uma ou mais orações; o período se caracteriza também por terminar em pausa conclusa (ponto-final, de interrogação, de exclamação, reticiências etc.). O período é denominado simples quando apresenta somente uma oração – que é chamada de absoluta – e composto, quando possui mais de uma oração. Os enunciados anteriores são exemplos de períodos simples.

Se escrevêssemos, ainda, ‘O Brasil faz uma bela Olimpíada, portanto estamos orgulhosos’ e ‘Quando o Brasil se candidatou para sediar os jogos olímpicos, muitos pessimistas duvidaram de que o evento seria um sucesso’, temos dois períodos compostos, constituídos, respectivamente, de duas e quatro orações.

No período composto, as orações se organizam por coordenação ou subordinação. No primeiro caso, unem-se orações independentes, ou seja, aquelas que apresentam estrutura sintática completa: sujeito, verbo, complementos etc. Em “Matamos o tempo; o tempo nos enterra” (Machado de Assis), ambas as orações são independentes. Prova disso é que podem ser ditas isoladamente, em períodos simples: ‘Matamos o tempo. O tempo nos enterra’.

No período composto por subordinação, as duas orações não sobrevivem simultaneamente a esse teste semântico de isolá-las em períodos simples ou precisam se agregar em conjunto para obterem sentido; e isso ocorre exatamente porque uma se subordina à outra. Vejamos algumas situações:

“Quando os tiranos caem, os povos se levantam.” (‘Quando os tiranos caem’ – não autônoma. ‘os povos se levantam’ – autônoma)

“Se as viagens instruíssem os homens, os marinheiros seriam gênios.” (‘Se as viagens instruíssem os homens’ – não autônoma. ‘Os marinheiros seriam gênios’– autônoma)

‘Quero que meus alunos façam boas provas no concurso’. (‘Quero’ – não autônoma. ‘Que meus alunos façam boas provas no concurso’. – não autônoma).

‘Admiro as pessoas que reconhecem seus defeitos.’ (‘Admiro as pessoas’ – autônoma. ‘Que reconhecem seus defeitos’ – não autônoma).

‘Chegando ao colégio, dirija-se à coordenação’. (‘Chegando ao colégio’ – não autônoma. ‘dirija-se à coordenação’ – autônoma)

Percebe-se, portanto, que é preciso muito cuidado para não interpretarmos como período – que tem sempre sentido completo – aquilo que na verdade é apenas uma oração, ou seja, uma parte, um fragmento da outra ideia. Isso normalmente ocorre quando produzimos orações um pouco mais longas.

Vejam que, nas construções seguintes, temos pseudoperíodos, que, sem dúvida alguma, constituem erro grave na estruturação de textos:

Embora a nossa seleção feminina de futebol (comandada por Marta) fosse uma das favoritas à medalha de ouro nas Olimpíadas do Rio.(Perceberam que o período não se completou? Por isso

usamos da expressão “pseudoperíodo”...)

Como Alison e Bruno, nossa dupla no vôlei de praia masculino, eram realmente os favoritos à medalha de ouro nas Olimpíadas do Rio.(Perceberam o mesmo problema?)

Agora, vejam dois autênticos períodos compostos por subordinação:

Embora a nossa seleção feminina de futebol (comandada por Marta) fosse uma das favoritas à medalha de ouro nas Olimpíadas do Rio, não conseguimos sequer conquistar o bronze.

Como Alison e Bruno, nossa dupla no vôlei de praia masculino, eram realmente os favoritos à medalha de ouro nas Olimpíadas do Rio, não foi surpresa a maravilhosa final que fizeram.

Creio que esse critério de segmentar as orações (atenção aos verbos e locuções verbais) e posterior avaliação do sentido (completo ou incompleto) de cada uma delas seja muito útil na identificação da coordenação e da subordinação. Também é importante observar que da união de orações não autônomas podemos construir um enunciado autônomo como em ‘Preciso de que me ajudem’ e ‘Quero que meus alunos façam boas provas no concurso’, este último exemplo já anteriormente citado.

Há, entretanto, um outro critério bastante útil, para avaliação do processo sintático, quando os períodos estiverem ligados por conectores (e, mas, que, embora, apesar de, para etc.). Nesse caso, em um período de duas orações, teremos coordenação quando não houver possibilidade de inversão das orações. Vejam que a ordem não se inverte em:

A doença vem a cavalo/ E volta a pé.

A espada vence,/ MAS não convence.

Apresente-se imediatamente/Ou perderá a vez.

Vencemos a partida,/ PORTANTO estamos felizes.

Há pessoas em casa,/ POIS as luzes estão acesas.

Por outro lado, em um período de duas orações, teremos subordinação quando houver possibilidade de inverter ou intercalar a oração portadora de conjunção ou que apresente o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio ou particípio). Observem:

Meus votos são QUE VOCÊS SEJAM TODOS MUITO FELIZES.

QUE VOCÊS SEJAM MUITO FELIZES são meus votos.

Nem sempre sabemos SE A VIDA NOS RECOMPENSARÁ.

SE A VIDA NOS RECOMPENSARÁ nem sempre sabemos.

A pessoa é mais feliz QUANDO TEM AMIGOS.

QUANDO TEM AMIGOS, a pessoa é mais feliz.

A pessoa, QUANDO TEM AMIGOS, é mais feliz.

Teríamos visto o Pelé, SE CHEGÁSSEMOS MAIS CEDO.

SE CHEGÁSSEMOS MAIS CEDO, teríamos visto o Pelé.

Nós, SE CHEGÁSSEMOS MAIS CEDO, teríamos visto o Pelé.

A secretaria comunicará aos inscritos, HAVENDO NOVAS VAGAS.

HAVENDO NOVAS VAGAS, a secretaria comunicará aos inscritos.

A secretaria, HAVENDO NOVAS VAGAS, comunicará aos inscritos.

Procure se esforçar, PARA VENCER NA VIDA.

PARA VENCER NA VIDA, procure se esforçar.

CHEGADA A HORA, todos saíram.

Todos saíram, CHEGADA A HORA.

Todos os exemplos que citamos neste texto até aqui, constituem frases. Cabe dizer que frase é todo enunciado suficiente para estabelecer comunicação. No intercâmbio entre os atores do ato comunicativo, a frase é um enunciado compreensível, inteligível. Assim, a oração ‘Quero’ (Quero que sejam felizes), isoladamente, não constitui frase, pois sabemos que lhe falta um complemento. Períodos simples e períodos compostos, por outro lado, são sempre frases.

Em nossos textos mais formais – dissertações, ofícios, requerimentos, relatórios, monografias etc.–, a tendência é o uso de estruturas linguísticas construídas em torno de verbos ou locuções verbais. Na literatura, em textos mais informais, em certos registros jornalísticos etc., é comum depararmos com frases que não possuem verbos. Os autores costumam classificá-las em frases de situação e frases nominais.

Frases de situação são aqueles cuja inteligibilidade depende da situação em que são enunciadas. Assim, por exemplo, ‘Silêncio!’, ‘Bom dia!’, ‘Parabéns!’, ‘Mãos ao alto’, ‘Contramão’, ‘Sanitário Masculino’ e tantas outras só possuem sentido quando conectadas a uma situação extralinguística. Caso contrário, nada dizem especificamente. É como se estivessem em estado de dicionário, prontas a nos servir em diferentes contextos.

Frases nominais, como o próprio nome diz, constroem-se à base de nomes (substantivos, adjetivos, advérbios), entretanto o verbo, que não aparece, é facilmente subentendido. A frase nominal é recurso de estilo muito usado na literatura, em manchetes de jornais, em provérbios etc., com diversas finalidades estilísticas. Uma manchete como ‘Tensão no Rio’ é mais econômica e comunicativa do que ‘Há tensão no Rio’. A frase nominal parece flagrar bem melhor a cena. Em um provérbio como ‘Dia de muito, véspera de nada’, a omissão da forma verbal permite quebrar o enunciado em dois sintagmas paralelos, de extensão aproximada, contribuindo, dessa forma, para a melodia da frase. No poema Cidadezinha qualquer, Drummond, na primeira estrofe, intensifica a calmaria com a presença de frases nominais: “Casas entre bananeiras / mulheres entre laranjeiras / pomar amor cantar.” E, no último verso, vem o desabafo poético, também sem verbo, como a reforçar a estrofe inicial: “Eta vida besta, meu Deus.” Bem, isso é literatura, e de alto nível! É importante que, primeiro, treinemos as estruturas básicas da língua, para depois, conscientemente, subvertê-las, nos contextos cabíveis.

Finalmente, para completar o presente estudo, apresentamos uma questão de concurso público sobre o assunto que estamos comentando:

(IF Sul de Minas – TAE) A fragmentação de frases “consiste em pontuar uma oração subordinada ou uma simples locução como se fosse uma frase completa”. Decorre da pontuação errada de uma frase simples. Embora seja usada como recurso estilístico na literatura, a fragmentação de frases deve ser evitada nos textos oficiais, pois muitas vezes dificulta a compreensão.

MANUAL DE REDACAO DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA. 2. ed. rev. e atual. Brasília: Presidência da República, 2002. p. 50.

Nas alternativas seguintes, transcrevemos trechos de ofício retirado do Manual de redação da presidência da República. Em um dos casos apenas, modificamos o texto original de modo a registrar uma fragmentação de frases. Aponte essa ocorrência.

a) Em complemento às observações transmitidas pelo telegrama nº 154, informo Vossa Excelência de que as medidas mencionadas em sua carta no 6708, dirigida ao Senhor Presidente da República, estão amparadas pelo procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas.

b) Em sua comunicação, Vossa Excelência ressalva a necessidade de que – na definição e demarcação das terras indígenas – fossem levadas em consideração as características socioeconômicas regionais.

c) Nos termos do Decreto nº 22, a demarcação de terras indígenas deverá ser precedida de estudos e levantamentos técnicos. Que atendam ao disposto no art. 231, § 1º, da Constituição Federal.

d) Os órgãos públicos federais, estaduais e municipais deverão encaminhar as informações que julgarem pertinentes sobre a área em estudo. É igualmente assegurada a manifestação de entidades representativas da sociedade civil.

e) Os estudos técnicos elaborados pelo órgão federal de proteção ao índio serão publicados juntamente com as informações recebidas dos órgãos públicos e das entidades civis acima mencionadas.

Na opção C, como veem, o segmento ‘Que atendam ao disposto no art. 231, § 1º, da Constituição Federal’, redigido no intervalo entre pontos- finais, não é autônomo; não possui sentido completo isoladamente, constituindo-se exemplo de fragmentação de frases e, portanto, exemplifica estrutura inadequada a um ofício. Em textos literários, é comum encontrarmos tais construções, mas, como diz Manoel de Barros, “Poesia é voar fora da asa”…