Esse ou este?

O emprego dos termos “esse” e “este”, classificados na análise sintática como pronomes demonstrativos, num texto, sempre me trouxe dúvidas e resolvi investigar sobre como empregá-los corretamente.

Antes de adentrarmos o tema com mais profundidade, para melhor explicar as regras de que vamos tratar vamos dar nomes mais apropriados aos dois tipos principais de termos que estão em jogo aqui.

Os pronomes demonstrativos “esse” e “este” (e seus correlatos “isso”, “isto”, suas contrações com a preposição “em”, como “nesse”, “neste”, “nisso”, “nisto” e suas contrações com a preposição "de", como "desse", "deste", "disso", "disto") são chamados de “termos coesivos”. Assim são também chamados termos de outros pronomes e outras classes gramaticais, como pronomes pessoais, substantivos, etc, que exerçam a mesma função no mecanismo linguístico chamado “coesão referencial”. O outro tipo principal de termo que está em jogo é o chamado “termo referente”, que é, em geral, um substantivo, e é o termo a que se refere o termo coesivo. Como exemplo, na frase “A esta doutrina contrapôs-se outra de maior relevância”, “esta” é o termo coesivo e “doutrina” é o termo referente.

A meu ver, há três situações principais em função das quais as regras mudam, para o uso correto dos pronomes demonstrativos “esse” e “este”. De forma geral, nas três situações utilizamos a “regra da proximidade do objeto”. O objeto é representado aqui pelo termo referente a que se refere o termo coesivo, que o falante ou o redator de um texto profere. São as situações:

1. Quando dois falantes conversam entre si, presencialmente

Esta é a situação em que a regra da proximidade é mais fácil de ser assimilada e se restringe à disposição de dois falantes que conversam entre si, presencialmente, e um deles se refere a um objeto particular concreto (termo referente) que se encontra próximo dos dois (aqui é onde a regra da proximidade é mais evidente).

Se o objeto estiver mais próximo ou de posse do falante, este usará o termo coesivo “este” para se referir ao termo referente. Exemplo: Este livro é excelente e o recomendo a você. (o falante segura o livro)

Se o objeto estiver mais próximo do interlocutor ou de posse dele, o falante usará o termo coesivo “esse” para se referir ao termo referente. Exemplo: Essa camisa é bonita e combina com sua calça. (o interlocutor veste a camisa)

2. Quando o falante ou redator de um texto refere-se a um período de tempo (hora, dia, manhã, noite, mês, ano, século, momento, etc.)

Ainda em consonância com a regra geral da proximidade do objeto a que se refere o termo coesivo, quando este alude a um intervalo de tempo específico (como hora, dia, manhã, noite, mês, ano, século, momento, etc.), o termo coesivo será “este” quando o falante ou narrador está se referindo ao intervalo de tempo no qual ele ESTÁ PRESENTE, no momento da fala ou narração. Exemplos: Este dia promete ser longo (dia no qual o falante ou narrador se encontra presente). Este ano vai ser de recuperação econômica (ano em que o falante ou narrador se encontra presente). Este século está só começando. Neste momento o meu time está jogando.

Em contrapartida, sempre que o falante ou narrador se refere a um intervalo de tempo específico passado ou futuro, do qual ele ESTÁ DISTANTE, o termo coesivo será “esse”. Exemplos: Está chovendo, por isso essa noite vai ser fria (a noite está à frente, ou no futuro, do falante ou narrador). Seu filho nasceu num dia de dezembro; desse dia ela nunca vai se esquecer (o dia está atrás, ou no passado, do falante ou narrador). Agora está quente, mas essa madrugada foi fria.

3. Quando os termos coesivo e referente são usados num texto escrito

Quando o texto escrito simula ou transpõe as situações 1 e 2, o termo coesivo seguirá as mesmas regras destas. Por exemplo, quando duas personagens no texto conversam, ou quando uma personagem fala sobre um período de tempo (dia, mês, século, etc.).

Já se os termos coesivo e referente estão inseridos como parte de uma narração (situação mais comum para o escritor e a mais ambígua para ele), a regra do uso do termo coesivo deve se pautar pela localização do termo referente no texto em relação ao termo coesivo, a que chamaremos regra da ANÁFORA e CATÁFORA.

Essa regra é que criou os chamados termos coesivo e referente, que, como vimos no início, não se restringem aos pronomes demonstrativos ”esse” e “este”, mas podem denominar outros pronomes e outras classes gramaticais, como pronomes pessoais, substantivos, etc, que exerçam a mesma função no mecanismo linguístico chamado “coesão referencial”.

Dependendo da posição da palavra, expressão ou ideia (chamado termo referente) a que se refere o pronome (este chamado termo coesivo, que, no nosso caso, são os pronomes demonstrativos “esse” e “este”, e seus correlatos “isso”, “isto”, e suas contrações com a preposição “em”, como “nesse”, “neste”, “nisso”, “nisto” e suas contrações com a preposição "de", como em "desse", "deste", "disso", "disto") no texto, essa coesão referencial pode ocorrer de duas formas opostas, como anáfora e catáfora.

ANÁFORA

É um mecanismo linguístico por meio do qual um termo recupera outro termo que o antecedeu no texto.

Exemplos: “José comprou um CARRO usado. O VEÍCULO logo começou a trazer-lhe problemas”.

Houve aqui a retomada do substantivo “carro” por outro substantivo, “veículo”.

“O DOUTOR viajou. Assim, ELE não poderá atendê-lo agora.”

Houve a retomada do substantivo “doutor” pelo pronome “ele”.

CATÁFORA

É um mecanismo linguístico no qual o referente aparece depois do termo coesivo.

Exemplo: “Elas só queriam JUSTIÇA: SALÁRIOS IGUAIS AOS DOS HOMENS.”

O substantivo “justiça” antecede a expressão “salários iguais aos dos homens”, que aparece logo depois.

De posse dos conceitos de “anáfora” e “catáfora”, veremos agora que o uso dos pronomes demonstrativos “esse” e “este” e seus correlatos (termos coesivos) dependerá, geralmente, da posição dos seus referentes na narrativa.

Logo, de forma geral, o pronome demonstrativo “esse” será empregado sempre que se associar a uma anáfora, isto é, sempre que retomar um termo, uma ideia ou uma oração, mencionados anteriormente na narrativa.

Exemplo: O movimento da Terra girando em torno de si mesma provoca a ilusão de que o Sol nasce no horizonte. Esse movimento da Terra é conhecido como rotação.

Já o termo “este” será empregado sempre que se associar a uma catáfora, isto é, sempre que seu referente corresponder a uma ideia nova, à frente do texto.

Exemplos: Esta é uma boa ideia de presente para um intelectual: um livro. (“ideia” é o termo referente do termo coesivo “esta”). Esta é uma lei engendrada pelo deputado da oposição (“lei” é o termo referente do termo coesivo “esta”).

EXCEÇÕES PARA A REGRA DA ANÁFORA

Entretanto, devemos atentar para algumas exceções à regra da anáfora, sobrepondo a ela a regra da proximidade. A regra da anáfora será aplicada sempre que o termo referente citado ou ideia citada anteriormente no texto estiver suficientemente distante da expressão formada pelo termo coesivo com o termo referente recuperado, separados que estejam por uma ideia interposta entre eles. O exemplo dado sobre o movimento da Terra, com a intercalação de uma informação sobre a ilusão do nascimento do Sol, foi proposital para dar essa ideia.

A esse tipo de anáfora chamaremos “anáfora distante”. Outro exemplo:

“Impossível imaginar Neymar fazendo o mesmo - ao contrário, seu ESTILO de vida arrogante, predador e exibicionista é sinônimo de grifes e cafonices. Mas quero crer que ESSE ESTILO, comum a tantos jogadores brasileiros, está nas últimas.” (CASTRO, 2021)

Nesse exemplo, ESTILO e ESSE ESTILO estão intercalados pela informação sobre o estilo de vida de Neymar.

Às vezes, o termo coesivo junto ao termo referente tem a função de recuperar não o próprio termo referente (que não aparece anteriormente no texto), mas uma ideia geral que foi exposta no texto logo antes, numa expressão ou numa frase inteira. Exemplos:

“A pandemia causava um desastre na cidade. A ESSE RESPEITO, o prefeito nada fazia.”

“O prezado leitor deve estar percebendo que para ser conciso é preciso gastar bastante tempo sobre o texto. A ESSE RESPEITO, existe uma história de Pascal que ao escrever uma longa carta a um amigo se justificou: “Desculpe tê-lo cansado com uma carta tão longa, mas não tinha tempo para escrever-lhe uma carta breve.” (ZAMONER, 2004, p. 50). (Nesse exemplo, entendo que Zamoner errou ao colocar no texto o pronome "este")

A exceção da regra da anáfora, que decorre da preferência dada à regra da proximidade, ocorre quando o termo coesivo, que será “este”, tem a função de recuperar um termo referente que foi o último e mais relevante termo (substantivo) no trecho do texto escrito logo antes.

A esse tipo de anáfora chamaremos “anáfora próxima”. Exemplo:

O plenário apreciou a LEI. ESTA LEI foi totalmente engendrada pelo deputado Santana.

Em consequência ainda à regra da proximidade relacionada à distância do narrador em relação ao objeto denominado pelo termo referente, o termo coesivo será “este” sempre que o narrador referir-se a um objeto que esteja, não fisicamente, mas abstrata ou “mentalmente” próximo a ele (mesmo que já tenha mencionado este objeto anteriormente no texto, opondo-se à regra da anáfora). Exemplos: Esta dissertação terá como tema as crenças religiosas (eu estou elaborando a dissertação, portanto, estou “mentalmente” próximo dela). Este trabalho foi bem executado. Esta ideia foi minha.

Como consequência extensiva da anáfora próxima, pode-se evitar repetir o termo referente após o termo coesivo, já que este está claramente referindo-se ao termo referente dito imediatamente antes dele (não há necessidade de mencioná-lo novamente). Do exemplo citado anteriormente fica: O plenário apreciou a lei. Esta foi totalmente engendrada pelo deputado Santana. Outro exemplo: Dirigiu-se ao amigo, mas este estava distraído, pensando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste estudo sobre o emprego dos pronomes demonstrativos “esse” e “este”, fica a percepção de que nas situações 1 e 2 a regra da proximidade é bem mais fácil de ser compreendida.

Entretanto, embora a situação 3 (a do uso em textos, que é a que interessa para qualquer profissional da escrita) seja a mais complexa, conclui-se que, nela, o uso de “esse” será restrito aos casos “anáfora distante” (quando há intercalação de uma ideia entre o termo referente escrito antes e a sua recuperação com o termo coesivo “esse”), enquanto que o termo “este” será usado na maioria dos outros casos (anáfora próxima e catáfora).

Referências:

CASTRO, Ruy. Artigo “Bebam água”. In jornal Folha de São Paulo, 17/06/2021.

ZAMONER, Airo. A arte de escrever. São Paulo: Protexto, 2004.

Site: https://www.portugues.com.br/redacao/diferenca-entre-anafora-catafora.html (consultado em 25/07/2021)

(Obs.: Como não sou formado em Letras, e as regras foram elaboradas a partir do conhecimento tácito adquirido do hábito da leitura, e de alguns sites que consultei, principalmente a respeito dos mecanismos referenciais anáfora e catáfora, não garanto que as regras que escrevi sobre o uso dos pronomes “esse” e “este” sejam regras pétreas da norma culta da língua portuguesa. Isto posto, caso este texto seja lido por um catedrático da língua mais bem escolado do que eu, apreciaria que apontasse os erros e fizesse as correções no campo de comentários.)

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Paulo Tadao Nagata
Enviado por Paulo Tadao Nagata em 26/08/2021
Reeditado em 04/08/2022
Código do texto: T7328997
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