O pequeno grande homem é um canário

Lúcio Alves de Barros*

Em recente viagem a São Paulo, novamente pude perceber o quanto desperdiçamos talentos ou mesmo nos esquecemos deles em meio às montanhas, às distâncias e o corre-corre da vida. Perdemos, nesse caminho, a chance de conhecer, ouvir e sentir a delicadeza e a sensibilidade de um ator, um cantor, enfim, um artista. Portanto, abrimos mão, em um latente boicote, da chance de encontrar e entender o outro, sentir sua música, sua poesia e o grande talento e poder de aflorar a nossa humanidade

Infelizmente, a arte, o artista nesse país não recebe o valor devido. Em geral, somente depois da morte, lembramos deles, tal como fizemos com Cartola, Noel Rosa, e outros. Por outro lado, adoramos os empresários, os “empreendedores”, os políticos que montam castelos e as autoridades que vivem a abraçar o erário público.

Digo tudo isso, porque conheci um canário, destes da terra, quase em extinção e que ainda lutam pela sua existência pulando em árvores e mais árvores aqui e acolá. O seu nome é Teco Seade, um passarinho, um compositor e cantor de mão cheia e sensibilidade sem igual. Canta como um canário da terra que estala em seus ouvidos e lhe afirma que a vida vale à pena.

Este canário, tal como o beija flor, “flutua no ar” e tem “em sua alma uma leveza” sem igual. E como canta este pequeno e grande homem. É um passarinho cantor e poeta onde não escolhe lugar para se soltar: “é na chuva”, no “sereno”, “na praia”, “no sertão”, “na madrugada”, “em Minas”, “no Pantanal” e em tantos lugares que, infelizmente, jamais poderei ir, a não ser através de sua voz assertiva, contundente, por vezes veluda e tranqüila. O pequeno grande homem é um gênio que neste país não freqüenta por muito tempo os “famosos” programas da TV. Não! Ele é daqueles que lutam, revelam sua musicalidade pelo CD que doa sem titubear, que canta na mesa e escreve músicas poéticas sobre um Brasil bonito, melancólico que se alegra nos dias de festa e que sofre com as tempestades políticas e econômicas. É um homem simples e complexo, dono do seu enredo e de sua singularidade, tão em falta em tempos de sociedade do consumo e cultura industrial.

Teco Seade é de Campinas (SP), certamente deve ser conhecido por muitos, mas infelizmente o conheci somente agora. E como estou feliz pela amizade e por poder ouvir sua voz em um CD maravilhoso e que acalma a gente. Uma grande angústia, contudo, o canário me causou. Tive uma imensa vontade de ser um Mecenas. Para os que não conhecem, os Mecenas eram aqueles que, no Renascimento (séculos XIII – XVII), faziam questão de financiar artistas no intuito, óbvio, de promover o artista e, por ressonância, o próprio nome. Ficaria feliz em ter o meu nome associado ao de Teco Seade, pois sua voz faz bem aos ouvidos, o seu toque no violão testa nossa sensibilidade, sua poesia nos faz pensar no próximo e sua música transforma a alma. Infelizmente, nasci pobre e sou como disse meu aluno, um “coitado” professor, e não posso levar e propiciar ao Teco um lugar muito melhor no qual ele se encontra. Mas não tem importância, o homem é um canarinho amarelo da terra (quase em extinção), um compositor/cantor por profissão e é muito bom ver um artista talentoso, um sujeito pensante cantando com o espírito e conseguindo a proeza de unificar todos os sentimentos em um só coração.

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* é professor e sociólogo, licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela UFJF, mestre em Sociologia, doutor em Ciências Humanas: sociologia e política pela UFMG. Autor do livro, Fordismo: origens e metamorfoses. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2004; organizador da obra Polícia em Movimento. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006 e co-autor do livro de poesias, Das emoções frágeis e efêmeras. Belo Horizonte: Ed. ASA, 2006.