Uma Era em Dois Atos: Segunda Parte

Segundo Ato: "Wish I Were There"

Local: Hyde Park, London

Data e Hora: 02 de Julho de 2005, 24:00

O grande dia chegara... Mas, por meses que antecederam ao dia anunciado, dezenas - quiçá centenas - de milhões de pessoas por todo o mundo haviam se mobilizado para se prepararem para o evento. Centenas de jornalistas, donos de websites, rádios e TVs... milhares de comerciantes, donos de hotéis, oportunistas enfim... (havia até comércio negro de venda de ingressos que eram gratuitos!...) e milhões e milhões de fãs ansiavam pelo dia, trocavam e-mails em todos os idiomas, conversavam nos chat-rooms... alguns ficavam histéricos, outros descrentes achando que o milagre não aconteceria.

Mas o grande dia chegara. Um roqueiro medíocre, um ator desconhecido fora o maestro do anunciado milagre. Quando ele subiu ao palco inglês para dar início ao evento que em 24 horas de rock ensurdecedor e ininterrupto deveria sensiblizar os poderosos, o que ele viu foi uma imensa multidão de jovens de todas as idades esperando... muitos ali estavam por gostarem de vários outros artistas que haviam prometido comparecer, mas todos esperavam... esperavam pelo Milagre do Século.

As horas se arrastavam, artistas se revezavam uns após outros no palco gigantesco montado no coração de Londres, à semelhança de outros palcos montados em vários países do mundo inteiro. Milhões de computadores espalhados no mundo todo se conectavam aos sites que prometiam levar ao ar todos os momentos desse show de magnitude inaudita. Mas para os que só esperavam pelo derradeiro show a hora seria meia-noite, ou meio-dia, à tarde, de manhã, de madrugada... quem se importava?...

Finalmente, a hora chega. O palco escuro provoca calafrio em quem está lá, e mais ainda em todos aqueles que não podem estar lá fisicamente, mas mentalmente colados como pó de ferrugem à ímã irresistível daquele palco. Imensos telões espalhados pelo Parque esperam a vez de projetar a imagem tão sonhada...

A luz volta, num clarão de centenas de megawatts... Quatro músicos surgem diante dos olhos daqueles que mal acreditam no que vêem. Alguns presentes, longe das impiedosas câmeras de TV, soluçam e derramam doces lágrimas... Por trás dos músicos os espectadores assistem no telão à velha imagem conhecida: um porco que voa, contrariando a frase dita há muitos anos... ("é mais fácil um porco voar do que nós nos reunirmos outra vez")

O repertório escolhido não evoca a energia de outrora, somente quatro canções com vocal, que fizeram sucesso no passado e sempre. Quatro canções de ritmo lento, de aguda saudade que não se pode esconder. O guitarrista canta; sua voz é clara, forte, sensível. A bateria soa compassada, precisa e cheia de paixão e ternura como sempre. O etéreo teclado, a marca registrada da banda, é fiel à atmosfera de saudade das músicas que se tornaram eternas. O baixista emocionado balança o corpo ao ritmo que seu instrumento marca com força no contraponto com a guitarra. E a guitarra... arrebata como nunca a quem a ouve para os confins do auto-esquecimento... Outros músicos lá estão, à sombra, para o segundo violão, saxofone e o coro... talvez por isso, a brisa resolveu não comparecer desta vez... A tela por trás dos músicos projeta a imagem de um muro em branco e preto enquanto os acordes num crescendo fazem os corações pularem e pulsarem na garganta...

Ao soar a última nota, a multidão entra em delírio e aplaude... os solitários internautas prendem a respiração enxugando lágrimas. A câmera da TV mostra os quatro músicos reunidos em abraço, acenando para os espectadores... Finalmente, eles se abraçaram outra vez!

É noite de verão de 2005... Os músicos têm 60 anos... Quarenta anos se passaram desde quando eles tocavam anônimos para poucos hippies que hoje são sessentões também... alguns, bem-sucedidos cidadãos conservadores, outros, mal-sucedidos cidadãos de classe média; alguns morreram sem ter tido a oportunidade de ver a banda novamente reunida, outros não tiveram a oportunidade de usar um computador para assistir... mas ninguém, ninguém esqueceu esta banda que há 40 anos atrás saiu do anonimato para ser o monstro sagrado do rock psicodélico de todos os tempos.

.o.O.o.

Protagonistas desta Era: Pink Floyd

1º Ato:

David Gilmour: guitarra, vocal

Roger Waters: baixo

Richard Wright: teclado

Nick Mason: bateria

2º Ato:

David Gilmour: guitarra, violão acústico, vocal

Roger Waters: baixo, vocal (e dono da frase negando a reunião)

Richard Wright: teclado, vocal

Nick Mason: bateria

Sir Bob Geldof: ator principal do filme "The Wall", idealizador e realizador do Mega Concerto Mundial "Live8" e do Milagre do Século: a reunião da banda original Pink Floyd após 20 anos de amarga ruptura

Notas:

- Pink Floyd formou-se em 1965, tendo como líder Syd Barrett que tocava guitarra - substituído por David Gilmour em 68, Roger Waters, que deixou a banda em 85, Richard Wright e Nick Mason; hoje, a banda encontra-se inativa.

- Live8 foi um show que aconteceu a nível mundial reunindo mais de 1000 artistas populares, com o objetivo de chamar a atenção dos países ricos para a necessidade de ajudar os países pobres, principalmente os da Africa.

- "Make Poverty History" foi o slogan, e a frase foi projetada no Muro enquanto os músicos tocavam a última música deste mega-show. Oh! How... How I wished I'd been there...!

Clary
Enviado por Clary em 11/05/2006
Reeditado em 12/05/2006
Código do texto: T154474