O DIAMANTE NEGRO

Ainda sobre Augusto (dos Anjos, é claro.)


     Lê-lo é oscilar entre o paradoxo e a antítese, passando pela ironia de que herdara o próprio nome: Augusto (respeitável,venerável ),Anjo ( ser espiritual, mensageiro entre Deus e os homens). E tudo que se vê na obra do poeta é o oposto. Mas o todo do que é composta induz e eleva, repugna e fascina pelos mesmos caminhos que distanciam leitores e os atrai as releituras.

     Curioso é o trágico no cômico que não pretende ser. Mas é tão contundente a temática da morbidez, da funérea obsessão pela matéria decomposta, da obstinação pela morte, que é inevitável o hilariante e bizarro prazer de boas risadas que o seu vocabulário provoca. Não é de todo “macabro” o EU de Augusto. Escapam-lhe sentimentos igualmente ternos, beirando ao ultra-romantismo. É lê-lo e comprová-lo.
     Não pretendo aqui explorar o que biógrafos e críticos já o fizeram. Talvez o fascínio me tenha atraído por afinidades ainda não totalmente descobertas. Mas o que não me deixa parar de pensar é a genialidade desse moço que aos 29 anos assombrou e encantou o Brasil com Seu estilo único, personalíssimo, que por assim o ser, foi tão amado quanto incompreendido. Talvez até a Paraíba tardiamente (ou nunca) lhe tenha dado o merecido valor. Mas a arte tem dessas coisas e muitas vezes alguém só é bom depois que morre. E o poeta mais que ninguém sabia disso. E sabia do próprio talento tanto quanto às vezes lhe era sofrida a inspiração.
     Escapa-me um incontrolável desejo de reportar-me ao que expressou Alexei Bueno, ao que aqui transcrevo:
     
    
“Esse sentimento de onipotência, esse êxtase do absoluto que é a parte inseparável do espírito de Augusto dos Anjos, é que deu origem à contradição trágica que é a base mesma de toda a sua poética. Materialista, acreditando racionalmente em um evolucionismo panteísta onde só a generalidade das formas universais progredia e sobrevivia, o poeta era obrigado a conscientemente se tomar por efêmero, aleatório e ínfimo acidente genético na grande cadeia das espécies, condenado sem apelação à desaparição total enquanto especificidade individual. O que lhe era no entanto convicção racional, não lhe podia ser vivência subjetiva.”



O MATÍRIO DO ARTISTA

A arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasgar o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
É como o paralítico que, à mingua
Da própria voz e na que ardente o lavra

Febre em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!




AS CINZAS DO DESTINO
( Fragmentos )..


Morte, ponto final da última cena,
Forma difusa da matéria imbele,
Minha filosofia te repele,
Meu raciocino enorme te condena.

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Um dia comparado com o milênio
Seja, pois, o teu último Evangelho...
É a evolução do novo para o velho
E do homogêneo para o heterogêneo.

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CONTRASTES

A antítese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!

O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina,
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!

Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
Junta-se um hemisfério a outro hemisfério,

Às alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também o caixão do cem itério.



VERSOS ÍNTIMOS

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


BUDISMO MODERNO

Tome, Dr. esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!









QUEIXAS NOTURNAS

Melancolia! Estende-me a tua asa!
És a árvore em que devo reclinar-me...
Se algum dia o Prazer vier procurar-me
Diz a este monstro que eu fugi de casa!



A UM CARNEIRO MORTO

Misericordiosíssímo carneiro
Esquartejado, a maldição de Pio
Décimo caia em teu algoz sombrio
E em todo aquele que for seu herdeiro!

Maldito seja o mercador vadio
Que te vender as carnes por dinheiro,
Pois, tua lã aquece o mundo inteiro
E guarda as carnes dos que estão com frio!


Quando a faca rangeu no teu pescoço,
Ao monstro que espremeu teu sangue grosso
Teus olhos — fontes de perdão — perdoaram!


Oh! tu que no Perdão eu simbolizo,
Se fosses Deus, no Dia do juízo,
Talvez perdoasse.








VOZES  DE UM TÚMULO

Morri! E a Terra — a mãe comum — o brilho
Destes meus olhos apagou!... Assim
Tântalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu próprio filho!


Por que para este cemitério vim?!
Por quê?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque não tem fim!


No ardor do sonho que o fronema exalta
Construí de orgulho ênea pirâmide alta,
Hoje, porém, que se desmoronou


A pirâmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciência de que nada sou!



PS. Curiosa e coincidentemente, a Bandeira do Estado da Paraíba traz dois detalhes: A cor preta de que era a pele do poeta e a palavra NEGO... ( Alude a João Pessoa ).  Mas... e Augusto dos Anjos? Nego do verbo negar, do que resultou o seu negativimo. 
LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 13/05/2009
Reeditado em 15/05/2009
Código do texto: T1591450
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