OS ASTROS DO RINGUE - 1000 acessos - Meu 12º texto a atingir esta marca no Recanto

Certa vez, por volta do ano de 1980, quando eu tinha quatorze anos, assistimos, eu e meu irmão, a um show de luta livre no ginásio coberto do Colégio São Luiz, em São Leopoldo. Eram os Astros do Ringue, uma grande equipe de luta livre que se apresentava na televisão nos fins de tarde de domingo, fazendo também turnês de apresentações ao vivo, como conquistavam mais publico para a televisão. Nosso pai era espectador assíduo desse espetáculo, não perdendo um programa sequer, falando sempre do Fantomas, do Múmia, do Ted Boy, do Diabo Louro, do Sheik das Arábias e muitos outros personagens. Ele mesmo é que nos levou à exibição no Colégio São Luiz, assim como os pais de centenas de meninos que assistiram ao show. Havia muito que o show dos Astros do Ringue na cidade virara tema das conversas entre os garotos. Uns diziam que era tudo marmelada, outros insistiam que era real, alguns, entretanto, afirmavam que algumas lutas eram arranjadas e outras não. Quanto a mim, criticava a todos os que gostavam e debatiam sobre elas, dizendo que era falta de inteligência as pessoas ficarem se batendo dessa forma, sendo que pessoas assim tinham curto raciocínio. Todavia, todos fomos à apresentação no Colégio São Luiz para tirar nossas teimas assistindo ao show ao vivo.

De fato, mesmo assistindo ao show ao vivo não era possível saber se as lutas eram arranjadas ou não. A verdade é que o Múmia aparecia todo enfaixado, quase imóvel, e ainda assim ganhava a maior parte das lutas. Já o Sheik das Arábias, homem pequeno e magro, aparecia finamente vestido de árabe, trazendo até o turbante à cabeça, e quase não se movia, ficando mais parado e dando, vez ou outra, uma voadora no pescoço do adversário, jogando-o ao chão com um giro do corpo. No ringue, na maioria das vezes ele ganhava os embates.

Por volta de 1999, estando um dia no atelier serigráfico do Adriano, um ex-colega de quartel, ele me convidou para tomar um café. Na cozinha, me apresentou à sua mãe, indagando a seguir se eu me lembrava do Sheik das Arábias, lutador dos Astros do Ringue. Embora sem compreender o porque da pergunta, respondi que lembrava sim e muito, recordando, inclusive que em 1980 os tínhamos visto lutando no ginásio do Colégio São Luiz. Então ele pôs o braço sobre o ombro de um senhor magro de baixa estatura, o qual eu achava que fosse seu pai, não entendendo por que interrompera as apresentações sem tê-lo apresentado,– posto o braço sobre o ombro desse senhor, que estava na cozinha juntamente com sua mãe, o apresentou dizendo que aquele era o próprio Sheik das Arábias, um dos Astros do Ringue, que eu vira lutar tantas vezes.

Embora tivesse visto algumas vezes o personagem pela TV e essa única vez ao vivo, o senhor que meu amigo me apresentou tinha exatamente a mesma estatura e porte do Sheik, lembrando nitidamente o personagem da televisão. Cumprimentei-o então com mais entusiasmo, parabenizando-o e aludindo à satisfação que sentia em apertar pessoalmente sua mão.

Passados mais alguns anos, em torno de 2004, passei a dividir com o amigo Adriano um espaço de trabalho no Centro da cidade, pelo que tive muitas oportunidades de contato com o Sheik, que com ele trabalhava. Sempre que aparecia um amigo, ou alguém mais velho, como o meu pai, levava a pessoa a recordar os Astros do Ringue, bem como o Sheik das Arábias, entre outros personagens, apresentando então o seu Alfredo (nome de registro do Sheik), esclarecendo tratar-se do próprio personagem.

Com a internet à mão, encontrei artigos sobre os velhos Astros do Ringue e o Sheik das Arábias na rede. Seu Alfredo ficou muito contente quando lhe mostrei tais descobertas.

Por esse mesmo tempo, com a ajuda de Alcoólicos Anônimos, ele vencia o alcoolismo de vinte e quatro em vinte e quatro horas, fazendo pequenas empreitadas como pedreiro para sobreviver. Contou-me que quando tinha fama não continha seus gastos. A cada luta e apresentação na TV ganhavam tanto dinheiro que nem tinha conta de quanto era, mas quase não se beneficiava dele, pois punha tudo em bebedices e orgias.

Logo de início, deixou a família, percebendo que sua vida foi retrocedendo a medida que o tempo foi passando, chegando ao ponto em que então se encontrava, sem qualquer importância, cansado e tendo que trabalhar muito para conseguir tão pouco. Agora que mantinha-se sóbrio, com imensa dificuldade é que reconquistara um pouco da afeição dos filhos, que o ajudavam pagando parte do aluguel da casa em que morava.

Mais adiante, recaiu, voltando a beber cotidianamente. Porém, após alguma pressão da parte da esposa, aceitou fazer tratamento numa fazenda terapêutica. Todavia, impaciente, interrompeu o tratamento antes do fim, mantendo-se por um tempo abstinente para provar para os outros que podia permanecer sóbrio sem tratamento.

No início do ano de 2008 caiu de cama com múltiplas complicações. A bateria de exames requerida pelo médico levou meses até que ficou pronta pelo Sistema Único da Saúde. Nesse meio tempo sua situação foi se agravando. Já passava boa parte do tempo no sanitário, com diarréia. Os remédios já não serviam para nada, pois não surtiam efeito. As dores abdominais tornaram-se rotineiras aumentando de intensidade a cada dia. Por fim, morreu pouco antes do Natal de 2008, tendo vencido centenas ou milhares de lutas nos ringues, mas tendo perdido para o alcoolismo e a cirrose sem a menor chance de revanche.

Este é o tributo que faço a um querido, saudoso e muito teimoso amigo, que venceu a muitos adversários, mas foi derrotado por seus próprios impulsos.

Embora que negativa, que essa experiência nos imprima grande lição, deixando bem claro que o que realmente importante não é o que se leva da vida, mas como se leva a vida.

Wilson do Amaral