JAC (Reminiscências)

Da sua infância e juventude a imaginação se encarrega de tecer imagens, lugares, atitudes.

O cerrado e a caatinga das Gerais dominam o ambiente, onde competem em força e resistência, a natureza e o homem.

É desse contexto uma das lembranças de infância: um homem rachando uma grande tora de madeira, num só golpe de machado, emitindo um som como se fosse um bicho dominando sua presa, ou à maneira dos lutadores de artes marciais, quando desfecham seu golpe certeiro.

Das histórias contadas à beira de fogueiras, ou no quintal de uma das muitas casas, para onde a vida levou, de migração em migração, surge o cenário de cavalos selvagens sendo domados com força e saber, próprios de quem já nasce pronto para lutar num ambiente inóspito.

A frase de Graciliano Ramos “O sertanejo é antes de tudo um forte” é uma referência para alguém que imagino criado sem mimos, carinhos, delicadezas.

Que brinquedos poderia ter uma criança, sempre alerta para o perigo de uma onça, uma cobra, uma aranha, a seca... e em cujo destino só existe um imperativo: o trabalho pesado.

Uma frase exemplifica bem a filosofia de vida de quem nasce e muito cedo adquire a consciência da necessidade de sobreviver:

- “Homem tem que trabalhar até morrer; mulher tem que trabalhar até cair”.

Hoje a frase é motivo de riso, mas, na época, causava um misto de estranheza, revolta e incompreensão, para o nosso entendimento ainda incipiente, sensível e feminino.

Ironia do destino, dos cinco filhos que teve, quatro são mulheres. Dá para imaginar o sentimento daquele pai a cada nascimento de “filha muié”... O único filho homem é o caçula, já nascido em São Paulo. Como não poderia deixar de ser, o explicitamente preferido de minha mãe: “Meu único filho homem caçula”.

São muitas histórias e lembranças............................................

O tempo passa, e o relógio biológico não para. Seu andar foi ficando claudicante, e o homem, que se gabava de nunca ter tido uma doença, começou a apresentar catarata, da qual operou, dor na coluna, hérnia... Já não podia pegar peso, como estava acostumado. No rosto jovem e belo, capaz de encantar minha mãe, quando em plena juventude, surgiu lá na fazenda, montado no seu cavalo branco, na festa do Divino, o correr dos dias desenhou o retrato de alguém exposto de sol a sol, marcado de lutas, vícios, vida. Uma certa resiliência, serenidade e humildade foi envolvendo seu ser, e quando perguntado de algum ato mau que cometera, dizia que não se lembrava de nada.

Se for verdade que uma travessia serena só acontece aos escolhidos, ele ficou de bem com Deus, porque simplesmente não morreu – ele passarinhou. Morreu como morrem os passarinhos, dando um suspiro, tranqüilo, satisfeito, sentado no sofá da sala, após o café da manhã.

Nos seus derradeiros dias, a sua imagem, outrora valente, forte, destemida, mais parecia com a figura de Carlitos, no meio fio da vida, observando a ribalta, à espera do apagar das luzes.

19/10/2013

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Inspirado na foto de Fernando Ferrari (homem sentado na calçada, segurando um guarda-chuva) - Curso Além da Fotografia - Oficinas Mazzaropi.

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