Os que chegam e os que partem: um tributo à poetisa Lia Lopes, do grupo Coesão Poética de Sorocaba

No dia 08 de março de 2017, completei 60 anos de idade. Sou um ‘idoso’, portanto, nos termos da lei!

Como tal, sou, também, um ‘produto’ de duas épocas, ou de dois mundos, absolutamente diferentes: do antes e do pós-internet e da cada vez mais sofisticada tecnologia!

Em relação ao primeiro, lembro-me da emoção de receber uma carta pelo correio, escrita à mão ou à máquina de escrever. Ou de receber uma notícia por telefone, daqueles que eram discados. Muitas vezes, ligações de outras cidades ou Estados, quase sempre interrompidas por algum tipo de problema técnico ou do tempo.

Era um tempo que passava devagar…

Hoje, o tempo passa rápido demais! E o ‘sabor’ (bom ou ruim) das coisas é instantâneo!

Recebemos as notícias (boas ou ruins) num estalar dos dedos, ou melhor, pelo som de um celular.

Recentemente, via WhatsApp, recebi duas notícias, e com dois sabores diferentes e antagônicos.

A primeira, sobre o nascimento do filhinho de um amigo. ─ Dudu está entre nós! Do ninho de dentro para o ninho de fora ─ ele escreveu, e as letras digitadas eram mais eloquentes do que talvez fosse a própria voz dele! A alma dele ─ como a de uma criança que recebera o presente de seus sonhos ─ estava naquelas letras! E eu ri e, ao mesmo tempo, chorei com ele, diante de tanta alegria!

A segunda notícia, recebida pelo mesmo método, no entanto, foram digitadas com letras em forma de lágrimas. Lágrimas de profunda, inconsolável tristeza! E eu também chorei, abundantemente, mas, agora, só de tristeza, de consternação!

A notícia que eu e o grupo de poetas ao qual pertenço, o Coesão Poética de Sorocaba, até imaginávamos possível, mas rejeitada pelos nossos corações e nossas almas: a partida, deste plano terreno, de nossa confreira, de nossa amiga, de nossa irmã, de nossa ‘Mãe’, de nossa Luz Poética, a poetisa Eliane Lopes de Oliveira, ou, para nós, simples e carinhosamente, LIA LOPES!

Aos 48 anos de idade, ela nos deixou, pra poetar em outra dimensão. Pra se juntar a outros Coesos que nos precederam na Grande Jornada da Eternidade, no Céu de Aldebarã*: Douglas Santos Júnior, Glauco (Vaqueano) D’Elia Branco e Oswaldo Biancardi Sobrinho.

Lia Lopes era, pra nós, os Coesos, como a Estrela Dalva, a Estrela da Alvorada e, ao mesmo tempo, Vésper, a Estrela do Anoitecer, o planeta Vênus que, por ser o segundo astro mais brilhante no céu, depois da Lua, foi confundido pelos antigos como uma estrela.

Lia Lopes era a Estrela do Coesão Poética! E seu brilho nos iluminava a todos! A todos incentivava ‘a seu modo’.

Diante da dúvida em participar de um concurso de âmbito nacional, o confrade Bosco da Cruz escutou dela, com o dedo em riste: “Se você não participar, eu te arrebento!”. E Bosco, naturalmente ‘incentivado’ por essas palavras, participou do concurso e se classificou entre os 100 melhores poemas brasileiros.

Lia havia sido atleta. E, como tal, possuía uma força física superior à da média das mulheres. Por causa disso, o vigor de seu abraço, somado ao carinho com que o dava, quase nos quebrava as costelas.

Quando a internação dela, a princípio por um mal menos grave, se confirmou numa moléstia fatal, a vontade do grupo era de que a internação fosse de todos nós, por meras costelas quebradas. E, na hora das visitas, a Lia apareceria e, com aquele sorriso fácil, natural e, às vezes, maroto, nos animaria: ─ Vamos lá, pessoal! Vamos ficar bom logo, pois estou morrendo de vontade de dar um abraço em todos vocês!

Todavia, esse abraço coletivo ela vai ficar nos devendo… Ou nós, a ela!

Lia era a Luz do Coesão Poética! E era, também, a Maestrina!

E foi como uma verdadeira Maestrina da Imaginação que ela escreveu o poema Festa de Orquestra:

“Todos a postos.. cada qual em seu lugar

Registrem-se nos autos… o show vai começar!

Teremos um compasso de espera… respirem fundo

Eis a música, senhores… o maior espetáculo do mundo!!!

Frente a frente, violinos agudos, agressivos e estridentes,

contrapõem-se a violas serenas, em comportado pizzicato.

Flautas e flautins saltitantes ensaiam ciranda com oboés

sorridentes.

Severos tímpanos agitam-se, ao ressoar do par de pratos,

acompanhados de perto por sinceros, comportados clarinetes

que, em total sintonia, embalam a melodia, na mais perfeita

harmonia.

Rodopia, envolta em rapsódia, a leve e graciosa harpa.

Alegres acordem fazem o fagueiro fagote ficar todo contente.

A trompa, com toda sua pompa, tira da bolsa sapatilhas de ponta.

E, quem diria, desmancha a ‘carranca’, até o trombone

imponente.

Sombrios e ferozes, violoncelos impõem-se em crescente.

Em claves de sol… de dó ou de fá, notas finalmente soltam os cabelos.

A explosiva família percussão faz questão de se fazer presente.

Compassos se entrelaçam, como imaginou Liszt, ao descrevê-los.

Num longo acorde final, a orquestra em uníssono se agiganta

Depois, igualmente, de repente se aquieta.

Acabou-se a música: aplausos, senhores!!! Ruidosa, a plateia se

levanta;

apagam-se as luzes… silêncio… fim de festa!!!

Fim de festa! Apagam-se as luzes… porque a Maestrina partiu!

E aqui, ficamos nós, instrumentos à espera de afinação, de ensaio…

A todo o momento, na Grande Estação da vida, há aqueles que chegam. E há aqueles que partem.

Seja muito bem-vindo entre nós, pequeno e gracioso Dudu!

Seja muito bem-vinda, Poetisa-Guerreira Lia… entre os Imortais da eternidade!

* Aldebarã: palavra mística, feita de muitas outras, querendo dizer, em antigas línguas secretas: a Nova Esperança, a Alegria Amiga, o Esquecimento das Mágoas, a Alegria da Noite.