André Guimarães (1932-2019)

O obituário do diário carioca O Globo registra hoje, nesta véspera de Reis, o passamento do Embaixador André Guimarães, com quem trabalhei na Embaixada do Brasil em Jacarta, Indonésia, de 1988 a 1990, em minha segunda passagem por aquele país. Aposentado, vivia na Marquês de São Vicente, no Jardim Botânico, onde o visitei um par de vezes, ou a metade disso...

Na minha primeira estada na Indonésia, em missão transitória, servira com o Embaixador Jorge de Sá Almeida, por um período mais curto, entre março de 1979 a junho de 1980, tempo suficiente para casar-me com uma moça local, de etnia chinesa, Beatriz Lina, pianista e linguista espontânea, que me deu a filha très Jolie, e que viria a nos deixar em 2011. Desnecessário dizer que de minha experiência em Jacarta aprendi a choferar na mão inglesa, vi meninos tangendo búfalos nos alagados ainda disponíveis na ainda bucólica Batávia. E aprendi um pouco, sempre menos do que o suficiente, da língua local. Terremotos ou tsunamis eu não peguei.

Nosso retorno a Jacarta deu-se a partir de Ottawa, Canadá, a convite do André Guimarães, a quem eu visitara na Embaixada uns meses antes, quando passava férias com a família e o contra-parentes locais. Aparentemente, André viu em mim a re-encarnação do Homem que falava javanês, personagem de Lima Barreto. Não o contestei.

E juntos trabalhamos por dois anos e meio, período em que estive encarregado da promoção comercial na Embaixada. André era um grande patriota, entusiasta do serviço exterior nacional e da promoção do Brasil nos seus mais diversos domínios. E um golfista esforçado, quiçá um tanto desajeitado na metamorfose que se vira constrangido a passar, do tênis para o golfe, que, afinal, era o esporte quase compulsório dos chefes de Missão, inobstante a bolinha ser bem menor e de bem mais difíceis acerto e mira.

E André não era um neófito em matéria de exterioridade, pois nascera nos Países-Baixos, a Holanda, pra nós, filho de agente diplomático, e já tinha longa folha de serviços antes de estrear, com zelo e competência, a chefia de Missão Diplomática na Indonésia. Muito bem casado com Maria Lúcia que até no golfe o acompanhava - e talvez até tivesse um hadicap mais baixo do que o seu..., tinham dois filhos já adultos, Carlos Manuel e Marília, ambos também casados e já vivendo fora do país.

A correção de André andava de par com a sua devoção religiosa, contudo ele se eximia de fazer proselitismo cristão num país predominantemente islâmico. Até buscava evitar exposições que lhe pareciam indevidas e dois exemplos pude testemunhar: como a Holanda havia colonizado a Indonésia por mais de três séculos, e não deixara uma imagem maternal, ou pelo menos fraterna, de seu domínio André achou por bem eximir de seu currículo a referência ao seu local de nascimento, assim como quando da apresentação da novela A Escrava Isaura na tevê indonésia achou também prudente recomendar à TV Globo, produtora do seriado, que buscasse uma forma de escoimar o crucifixo que ornava o nívio colo de Lucéila Santos, sob o pretexto de não melindrar, com o símbolo, a população muçulmana do país que, por sinal, acompanhou com relativo interesse o desenrolar da trama.

Uma outra lembrança que me vem de André, esta para arrematar esse relato que já se estende além duma nota de reverência é que quando convidava alguma personalidade eminente da sociedade local para um almoço executivo sempre me segredava a fórmula que encontrara para não constranger seus convivas locais, todos muçulmanos: optaria por um vinho leve, branco, para acompanhar a refeição e, infalivelmente comandava um Liebfraumilch (o leite da mulher amada, dulcíssimo, by the way), que terminava por degustar a sós...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 05/01/2019
Reeditado em 06/01/2019
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