Homenagem às crianças

Ser criança

Ser criança é manter aquele magnetismo original do óvulo e do sêmen,

sob o efeito de uma atração tão fatal capaz de levar aquele a acolher e o segundo a travar a luta hercúlea para ser acolhido concretamente.

Ser criança é saber esperar o momento certo para que o ser se faça, se necessário, nove meses, e estar na dor de quem cria, na presteza de quem cuida e no realismo de quem dá o primeiro tapa em favor da vida real.

Ser criança é sugar forte o leite da vida e apreender intensamente aquilo que o mundo oferece, nunca deixando que a frouxidão do paladar e a negligência do aprender nos façam cooptados, vencidos, domados, nulos.

Ser criança é ter olhos puros para a pureza do existente, suportando, em nome da virgindade, os ciscos e as traves intragáveis que certos homens e certas mulheres querem inserir nos olhos que somos para estragar a gente.

Ser criança é trabalhar como se brincando, espernear em birra como que amando, sonhar a magia como realidade grave, dormir de cansaço feito corredor de milhas e acordar fora de hora na noite dos nossos sonos.

Ser criança é gostar por gosto, querer por capricho da querença, chorar por força natural, sorrir por espontaneidade, arranhar-se em desventuras

inócuas, amar somente por amor e acreditar que o mal nem chega a pesar.

Ser criança é ter toda idade, lamber doce em plena rua, sorver espuminhas de chocolate, brigar pelo maior pedaço, negar o pedaço menor, cair quando andar de bicicleta, desistir por medo cego, tremer quando o assunto é voar.

Ser criança é ir ao parque e ter pavor dos brinquedos, não ir à escola por causa da dor “de lado, aqui na barriga”, vestir a roupa que a mamãe não quer e encolher-se no escuro porque “um–não-sei-quê” pode me ofender.

Enfim, ser criança é ser espontâneo, na sinceridade e na verdade que só os corações puros reconhecem, que só as mentes lúcidas justificam, que só os corpos bons podem sentir, sempre no “si mesmo” que é essência de toda gente.

Neste Dia da Criança, deixo um beijo a todos os que estão na faixa, a todos que se intrometem na menoridade e a todos que sabem que criancice é só o jeito de existir segundo o qual amadurecer pode significar um triste modo de apodrecer.