Eu tenho tanto pra te falar...



Recebi muitas mensagens dos dias das mães, mas confesso que me senti uma fraude. Sou uma mãe comum, sem nada de especial. Não abri mão de nada para ser mãe, foi uma escolha. Não adotei nenhuma criança ou fiquei nove meses sem poder levantar da cama, como muitas.

Eu tiraria o chapéu para minha mãe. Não vou lhes contar a história de uma heroína que venceu na vida e envelheceu ao lado dos filhos. É a história de uma mulher que lutou e morreu jovem, deixando seis filhos, ainda crianças e adolescentes. Mas para mim foi a maior heroína do mundo.

Maria Rita Lustosa de Carvalho, minha mãe, era baiana, de família paupérrima; minha avó, Natália Lustosa era voltada para a escrita. Como se sabe, escrever não dá dinheiro algum; minha avó, se não bastasse, casou-se com um músico. Isso mesmo, nada é tão ruim que não possa piorar rs. Minha mãe, não conformada com a pobreza da família, casou-se com um “metido a artista” - meu pai era artesão - que também não ganhava dinheiro com sua arte. Mas, tirando as dificuldades financeiras não lembro de tristeza em minha casa.

Se por um lado tinham uma arte que não dava dinheiro, por outro, desenvolveram a arte de fazer menino, que só consome. Fizeram doze filhos, dois quais sobreviveram só seis. Meu pai teve um AVC com 33 anos de idade, o que fez com que minha assumisse as despesas da casa. Bem… não vou contar a história de uma vida neste texto, foi apenas uma breve introdução para situar o enredo.

Poi bem... quero apenas realçar que ser mãe quando tudo estar a favor é fácil; como quando se tem um companheiro, que ajuda na criação e sustento do rebento; ou ainda, quando se tem um teto e comida garantida todos os dias.

Minha mãe não tinha nada disso. Lembro-me de um dia, em que eu faria uma prova de desenho na escola e não tinha a coleção de lápis de cor. minha  situação não era exceção em sala de aula, naquele tempo, o governo não fornecia material escolar nas escolas públicas nem bolsa família. Minha mãe comprava o material escolar quando não tinha mais jeito. Esse era um dos dias, mas ela não tinha dinheiro.

No entanto, de última hora ela conseguiu comprar e foi levá-lo até a escola. Nunca me esqueci daquele dia, pois ela entrou toda encabulada para entregar o material à professora, que precisou parar a aula para receber a caixa de coleção Faber Castel.

Assim que ela saiu a professora perguntou se todos da turma tinham copiado a tarefa do quadro, pois iria apagar a lousa. Um colega, metido a gaiato, virou pra professora e disse: professora, eu não copiei porque aquela senhora que entrou causou eclipse no quadro, pois ela só tinha de branco os dentes.

Bem...não vou contar o que houve porque, à época, eu não levava desaforo pra casa, mas eu sou de Paz#.

Outro episódio que também me marcou foi quando passamos por uma situação muito difícil em que faltava o mínimo essencial para sobreviver. Lembro que a comida era pouca e minha mãe, por muitas vezes, dizia que não estava com fome. Somente tempos depois pude entender que ela dizia aquilo para que sobrasse mais comida para mim e meus irmãos.

Sei que nunca pude ou poderei agradecê-la, pois ela partiu cedo, também não sei se tenho o grau de desprendimento e abnegação da minha mãe. Talvez, meu filho o tenha, pois percebo o desapego dele por quase tudo. Se for preciso dá a última sandália para o próximo ele o fará.

Ainda me lembro do nosso último dia das mães. Ela disse que gostaria de ganhar uma sandália da Piccadilly, um tipo de sandália confortável. Eu prometi que lhe daria assim que pudesse, mas ela morreu dois meses depois.

Creio que por tudo que viveu neste mundo, ela evoluiu no mundo espiritual, e, com certeza, é um espírito de luz iluminando outros caminhos, enquanto eu tento trilhar o meu com os ensinamentos que ela me deixou. 

Entretanto, eu não sou digna de homenagens… sou uma mãe comum. Mas sei de muitas mães que, neste momento, abriram mão do conforto de seus lares para ajudar outras pessoas.

Assim, minha homenagem é para essas mulheres: Valmira, que não está com a filha parar poder atender num hospital de São Luis do Maranhão como fisioterapeuta; Cíntia, que continua firme cuidando dos idosos num abrigo em Teresina como enfermeira, Maura Rejane, que criou  um garoto de princípios sozinha, e continua a cuidar dos pais com zelo sem igual; Francisca Moura, que não abandonou o tratamento da filha com deficiência motora; Lúcia que criou três filhas maravilhosas; ivonete que criou uma filha sozinha; Katlhelen, juíza super- dedicada, que continua a buscar abrigo para as inúmeras crianças abandonadas de sua jurisdição, Hallana Duarte, que concilia ser mãe de Maria com todos os seus afazeres em busca de um mundo mais justo. E, especialmente para Vera Ruth, que criou seus filhos naturais e os que a vida lhes deu com o mesmo grau de amor e dedicação; e ainda, a todas as mães do Recanto, pois não é fácil ser mãe e poetisa/escritora/cronista/contistas/mulher/filha, etc.
Lena Lustosa
Enviado por Lena Lustosa em 10/05/2020
Reeditado em 10/05/2020
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