BRILHA OUTRA LUZ EM PIRAPETINGA

De Paris, a Cidade-Luz por excelência, ao mais simples burgo na face da Terra, toda urbe possui brilho próprio e emblemático. Algumas cidades brilham, entre outros aspectos, por suas belezas naturais, como Capetown, Vancouver e Rio de Janeiro. Há aquelas que se iluminam com monumentos históricos, tais quais Cartago, Jerusalém e Roma, ou com arrojadas construções modernas, a exemplo de Dubai.

Vários centros urbanos resplandecem por meio de seus filhos ilustres. Para não fugir à Zona da Mata mineira, na qual se centra a presente crônica, é o caso de Volta Grande, berço do renomado cineasta Humberto Mauro.

Nessa mesma região das Gerais, Pirapetinga vê nova luz brilhar em seu firmamento. Luz com maiúscula, diga-se de passagem. Nessa simpática cidade, que o rio de nome idêntico separa do vizinho estado do Rio de Janeiro, Amélia Luz estendeu suas atividades do magistério à arte literária. Compôs poemas e aldravias de grande criatividade, bem como crônicas e outros textos em prosa de aprazível leitura.

Amelinha, como é conhecida por seus familiares e amigos, acendeu seu sobrenome com a energia do talento. Antes mesmo de aventurar-se pelo campo literário, já dava mostras de sua inteligência e saber nas rodas de conversa. Não ficava restrita ao mundinho típico do interior brasileiro. Ia além, trazia aprendizados e conhecimentos adquiridos em suas leituras e mostrava-se atenta ao que ocorria por todo esse Brasil e mundo afora.

Veio a casar-se com um querido e saudoso primo do narrador, tornando-se sua prima por imediata afinidade, a qual vale bem mais do que os elos de sangue restritivamente definidos pela frieza das leis. O prefácio que elaborou para o livro “Ibitinema”*, ademais do conteúdo primoroso, demonstra o carinho com que ela desde logo se integrou à nova família. Da mesma forma, o texto que escreveu sobre o velho engenho existente na então propriedade da sogra exala sensibilidade na apreensão e interpretação de tantas histórias ali passadas.

Escapa ao propósito desta crônica eleger as melhores criações literárias da nossa escritora e poetisa. Afigura-se mais realista refletir que cada um dos afortunados leitores da Amelinha terá sua preferência própria e certamente justificável.

Não se pode furtar, porém, de citar mais alguns exemplos da obra da artista em questão. Seu conto de fantasia infantil, “A Menina que Queria Voar”, na revista eisFluências, não só cria uma fábula tocante sobre o desfecho dos sonhos da personagem, mas também sugere relativa cumplicidade entre a criatura e sua criadora. Assim como a menininha, Amélia desejou alçar voo desde cedo em sua existência. À diferença de sua personagem, no entanto, e para felicidade de quantos a conhecem, logrou fazê-lo por aqui mesmo, sem precisar voar até dimensões mais etéreas e inacessíveis à ampla maioria da plateia terrena. Transformou suas bem traçadas linhas em sucessivas pistas de decolagem.

Entre tantas belas poesias que escreveu, cabe recordar duas, a juízo do cronista. “Canção de um Tempo” foi merecidamente selecionada como uma das melhores do ano de 2019, publicadas na Revista LiteraLivre. Nesse poema, Amélia reflete que, em sua vida, tudo se mostrou passageiro e que nada do que a cercou lhe pertenceu de fato. Sem dúvida, uma reflexão extensiva a todos os seres conscientes de sua mortalidade e imunes às reluzentes ilusões da realidade. Por outro lado, como numa antítese, os versos revelam a eternidade da arte e geram a convicção de que o talento pertence a quem o possui (desde que não seja enterrado, como na parábola bíblica, e sim multiplicado e dividido em operação mais do que simplesmente matemática).

Outra interessante poesia da autora, publicada no Portal CEN, leva-nos à longínqua Planície de Gizé, cujos encantos ela saboreia em seu lirismo e convida o leitor a igualmente saborear. Viagem poética emblemática da trajetória da artista, quem ultrapassou as fronteiras de Minas e do Brasil, ampliando seu horizonte cultural e conquistando numerosos prêmios literários, inclusive internacionais.

Quem quiser saber mais, fica a sugestão do livro “Luz e Versos” (ed. Becalete, SP, 2017), no qual a escritora erige imaginativas construções líricas em torno de “linhas”, “pontos”, brinquedos e jogos de infância, amores, Marias mil e uma infinidade de temas enfocados com graça, argúcia e o particular poder da palavra.

Aproxima-se a festa de Sant’Anna, padroeira de Pirapetinga. Embora as comemorações devam ser contidas em função da triste pandemia deste 2020, esperemos que não falte a tradicional animação. Que haja muita luz a iluminar os caminhos de todos, rumo à superação de tempos tão difíceis e ao reencontro da alegria! E que uma Luz, particularmente, continue a brilhar nesse e em outros firmamentos!

Como não poderia faltar em texto de narrador carioca: valeu, prima!

* JAX, Ibitinema e Outras Histórias, ed. Lamparina Luminosa, SP, 2016.

Julho 2020.