SÃO JOÃO UMA DAS FESTAS MAIS POPULARES JUNINA: PARA MIM É MEMÓRIA DE PARTO

“A fogueira tá queimando

Em homenagem a São João

O forró já começou

Vamos, gente, rapa pé nesse salão…”

O dia que antecedeu o meu primeiro parto foi um dia inusitado; acordei pela manhã numa disposição incomum. Com 15 quilos a mais, enjoos durante os nove meses de gestação, pernas e pés inchados durante os dois últimos, naquele dia em especial, parecia estar esquecido. Recesso escolar, próximo ao gozo da licença-maternidade, garantida constitucionalmente, eu seguia os meus dias pensando a vida por lentes meio transgressoras, citando o termo de Bell Hooks.

Enquanto a música tocava em uma das ruas do povoado que, por sinal estava tipicamente enfeitado para tal fim, uma melodia não cessava: “Olha pro céu, meu amor/ vê como ele está lindo/ olha praquele balão multicor/ como no céu vai sumindo…” Eu estava fazendo uma faxina na casa, lavando roupa, cozinhando, tudo ao mesmo tempo; aquela disposição era realmente estranha.

Recordo que no final da tarde, eu ainda, sobre uma força sobrenatural, peguei o livro e deitei em meu divã, relia naquela semana Brás Cubas, umas das principais obras de Machado de Assis, o maior escritor da Literatura brasileira, onde no final de suas Memórias Póstumas o autor afirma: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.” Em linhas abissais eu refletia: filhos, melhor tê-los, como saber!?

Já era noite, quando olhei para o berço, uma bolsa pronta a mais de uma semana para a maternidade, e uma plaquinha com uma imagem de um menino escrita a seguinte frase: aqui mora um príncipe! Me dei conta que ainda pesava 15 quilos a mais, pernas e pés continuavam inchados, e naquela noite o corpo parecia muito mais pesado.

A noite que antecedeu o meu parto foi mágica, dormi quase sentada, bebê pulava muito, chutava, parecia mesmo que queria nascer. Dizem alguns especialistas, que a experiência do parto é um dos mais importantes eventos na vida dos seres humanos. Eu não compreendia isso até que o dia próximo acontecesse; mas antes de falar do dia próximo, dia do meu primeiro maior milagre, deixa eu falar como foi acordar de madrugada, por volta das quatro da matina, toda molhada com a bolsa rompida.

Ainda sonolenta, meio adormecida, sentindo-me incomodada pelas dores e pela molhação, passei a mão em mim e pensei: Meu Jesus, fiz xixi na cama!!! Meu esposo dormindo profundamente ao meu lado, eu toda constrangida, ainda com as luzes apagadas pensava: vou me trocar quietinha, forrar o lugar com a coberta e ele não vai nem saber, quando me dei conta que era uma quantidade relativamente grande de líquido, tinha um cheiro que lembrava água sanitária. Seria a tal ruptura prematura do amniorrexe?

Luzes acesas, esposo acordado, bolsa estourada, as dores pareciam ter cessado, apenas leves incômodos, acho que o bebê estava dormindo em berço esplêndido suas horas restantes no melhor lugar do mundo - útero materno! Meu esposo e eu estávamos tranquilos, parecia que nada de novo acontecia, esperamos amanhecer.

Chegada a partida ao tal Monsenhor Berenguer, lugar escolhido para o nascimento do príncipe, um episódio na viagem não poderia deixar de relatar: meu marido sobre o volante, numa pista meio curva, aquela última chegando em Monte Santo, me perguntava: “você se lembra que dia é hoje”?

Bem, confesso que eu ainda não tinha lembrado, mas também não tinha esquecido, pois ainda havia o dia todo pela frente e poderia recobrar a memória. Fazíamos três anos de casados, e nosso filho nasceria no mesmo dia do nosso aniversário de enlace matrimonial.

As vicissitudes daquele dia pareciam intermináveis, bolsa rompida, dores, sangramentos, trabalho de parto e nada dos 5, 8, 10 cm de dilatação. Já era por volta das 13h, apenas 3 cm e nada mais. Minha irmã que me acompanhava, mais nervosa que eu, parecia se alterar com a enfermeira, que chamou o médico e me deu a sentença que eu não gostaria de tê-la recebido. Sonhava com um parto normal, humanizado e mais acolhedor. Outrossim, para não me alongar, o milagre aconteceu em uma tarde de sábado, às 16h do dia 23 de junho de 2007, via cesariana, meio tenso, pois faltou energia no centro cirúrgico, embora a equipe tenha sido muito eficiente e acolhedora.

“Oi, sertão! Prepare aí a meladinha, ah, prepare a meladinha, que o nome do menino…”

A ciência diz que bebê chora ao nascer para abrir os pulmões e expulsar o líquido que fica dentro deles, trocando-o por oxigênio e que isso ocorre porque os bebês ficam imerso no líquido amniótico (que tem a função de protegê-lo). O choro é espontâneo e o médico não precisa dar uma palmadinha nele! Mas ocorreu que o menino não chorou, deram a palmadinha e nada do chorinho, reviraram a ponta cabeça, e só aí escutei pela primeira vez sua voz. Uma sensação nunca sentido antes me tomava com uma velocidade indescritível, não me deixaram pegá-lo, mas me permitiram um cheirinho e um toquinho rápido. Ali, eu já não era mais eu, já não sei quem eu era, compreendi minha existência no mundo, e a pergunta que outrora eu fizera a mim mesma, filhos, melhor tê-los, como saber!? Eu poderia responder sem incertezas: Melhor ter!

“Foi numa noite igual a esta

Que tu me deste o coração

O céu estava assim em festa

Pois era noite de São João

Havia balões no ar

Xote, baião no salão

E no terreiro o teu olhar

Que incendiou meu coração”.

Enquanto a fogueira queimava em homenagem a São João, enquanto o rastapé começava e Joaquim dançava com Zabé, Luiz com Yaiá, lá estava EU com a minha melhor escolha!

“Traz a cachaça, Mané! Eu quero ver, quero ver paia avoar…”

Inspirada após ler o Relato de parto de Graciele Mendes, minha amiga e Psicóloga Escolar.