VIDA NA ROÇA E TROFEU ABACAXI PARA O VENDEDOR DE ABACAXI.

Mas de seis décadas já se foram do dia em que meu pai deixou o Ceará e partiu em uma viagem de barco para o Amazonas.

Ao chegar foi acolhido por uma irmã de sua mãe que era casada com com seu tio que hoje, como muitos dos pioneiros empresta seu nome a ruas e avenidas do municipio que antes era apenas uma vila rural. Seus tios já moravam há alguns anos por ali quando ele chegou. Viviam uma vida não tão confortável se comparadas aos padrões atuais, onde a fila de postes conduzindo energia elétrica chega acompanhando o asfalta das estradas. Naquele tempo o rádio era a conexão de mão única entre a capital, outros Brasis e o interior. Plantavam e criavam animais doméstico, e quanto ao que hoje chamamos de proteína animal ou mistura no popular e que é o item mais pesado no orçamento, era o mais barato e o mais fácil de se adquirir, uma vez que do quintal vinha a galinha caipira e o porco e da floresta os animais silvestres como paca, tatu, cutia, veado, caititu, e outros, mas o mais tradicional era o peixe que no amazonas é como diz os ribeirinhos; “É só buscar”. pirarucu, pacu, jaraqui, matrinchã, tambaqui, curimatã, etc... Tinha até o peixe-boi, que hoje está quase em extinção.

Plantavam roças, de milho, abacaxi, melancia, mandioca, mas era o abacaxi o principal cultivo e que depois de colhido eram comercializados na capital, onde podiam obter recursos para a compra de outros bens de consumo, complementava esse mercado a macaxeira e a mandioca, sendo a mandioca a principal matéria prima para fabricação do produto que não pode faltar na mesa de um nortista, a farinha.

A farinha estava presente na caldeirada de peixe em forma de escaldado que era preparado com o caldo do peixe, no beiju do café da manhã, e na melhor iguaria regional conhecida como paçoca de carne de sol, onde a farinha é misturada com a carne de sol frita e socadas no pilão.

Assim viveu seu Valdemar por alguns anos, de vez em quando uma volta na capital onde passava a ser visita de um outro tio que optou pela cidade e o comercio em vez do interior e a roça.

Seu Valdemar recebia uma parte da venda dos abacaxis, era jovem e solteiro e não tinha tantas despesas já que vivia com seus tios, é como diz o ditado “um pouco é o dobro pra quem não tem nada. ”

Quando me contou essa história, não me disse qual a origem da ideia ou quem lhe aconselhou a receber sua parte em abacaxi. Pois assim receberia o fruto mais barato e venderia na cidade e ganharia quase o dobro. Acredito que essa ideia partiu de seu tio que era comerciante na capital.

Segundo ele, depois de decidir que deixaria de ser apenas um agregado e passaria a ser quase um sócio, foi até seu tio e lhe pediu que em vez de receber sua parte em dinheiro, gostaria de receber em abacaxi. Seu tio ao ouvi-lo resolveu lhe fazer uma outra proposta, sabendo das intenções de seu sobrinho, lhe disse:

- Vou fazer melhor do que você me pediu; você continuará trabalhando pra mim e vou lhe pagar o que sempre lhe paguei, o que mudará é que vou lhe dar um pedaço de terra pra você plantar e o que você produzir é seu e ainda lhe darei as mudas de abacaxi.

Seu Valdemar jamais esperava que seu tio fosse ser tão generoso; foi aí que sua vida se transformou, quer dizer sua vida não, ele, segundo me contou ele se transformou em um burro de carga, trabalhava em dobro, na sua roça e na do tio, mas em momento algum pensou em desistir.

Passados mais de um ano e quatro meses, e o plantio com belos frutos está no ponto de colheita, é chegada a hora de seu Valdemar conhecer o outro lado, passando de produtor para vendedor.

Ao chegar na cidade onde funcionava a grande feira quase que toda a céu aberto, descrevendo em outras palavras o que viu, seria como um arquipélago formado por várias ilhas de melancia, aboboras, girimuns, e muito, mas muito mesmo, abacaxis; com cuidado descarregou seus frutos e fez sua própria ilha. Depois de ver os frutos de seus concorrentes e ficar sabendo o preço que praticavam, sem demora tirou a conclusão que; Por seus frutos serem maiores e mais vistosos que os oferecidos ali, ele deveria vender por um valor maior.

Passados quase duas horas, ele havia vendido poucos frutos e seus concorrentes tinham melhor desempenho, ele achou que os compradores achavam que deveriam comprar os menores e mais baratos do que os maiores e mais caro, e resolveu alinhar seu preço ao dos outros. Houve uma melhora nas vendas, mas nada que se pudesse comparar com a dos outros feirantes. A tarde já chegando, foi aí que meio ao desespero seu Valdemar resolve baixar o preço de seus abacaxis, ficando quase pela metade do preço. Infelizmente a estratégia se mostrou pior, depois de mais de uma hora e vendo as ilhas de abacaxi se derreterem, exeto a sua, tirou a conclusão que os fregueses não compravam seus frutos porque acreditavam que seria de péssima qualidade apesar do tamanho, uma vez que o preço era inferior aos abacaxis menores.

Até ali, eu ouvia atentamente e imaginando a sena, já com um sentimento de dó de meu pai por ouvir tanta peleja sem resultados, mas o pior ainda viria, e foi quando ele tirou a conclusão que poderia ser até um bom agricultor, mas vendedor, sem chance.

Passou a andar ou vagar por entre aqueles montes de frutos da feira, todos já bem reduzidos, disse-me ele:

- Meu filho, eu já estava a uma certa distância de meus abacaxis, e quando voltei a vista, parecia que só existia ali os meus, a minha serra se destacava, foi aí que resolvi sair de fininho e abandonei toda minha produção.

Nesse tempo a capital não era tão grande e em pouco tempo consegui chegar à casa de meu tio, o comerciante, que ao me ver já foi perguntando como tinha sido a feira, e por me ver cabisbaixo prescentia que algo não havia dado certo.

Seu tio ao ouvir toda a história dos abacaxis, lhe disse:

- Você é um vendedor muito fuleiro!

Seu Valdemar ouviu calado sem imaginar que algo de bom ainda estava para acontecer, e que iria recompensar todo seu trabalho de mais de um ano. Foi quando seu tio lhe disse, vamos pegar meu Jeep, vamos na feira buscar todos os abacaxis, não vamos deixar nenhum, isso se ainda tiverem lá.

Ao chegar na feita seu Valdemar teve a impressão de que tinham colocado mais abacaxis em seu monte. Os feirantes lhe perguntavam por onde andava pois havia muita gente querendo comprar os abacaxis, mas não encontravam o vendedor.

Seu tio com a categoria de comerciante e depois de voltar o valor do abacaxi para o preço justo, já pega uma faca e corta um abacaxi ao meio e coloca em cima do monte as duas bandas, seria o cartão de visita, é bem aí que começa a fuzarca, depois de uns gritos de feirante como se anunciando a xepa, começa a despachar abacaxi pelo lado do vento que nem diz o caboclo.

Já bem abalada a serra de abacaxi e com a feira acabando, seu tio resolve carregar no jeep o resto que havia sobrado, quase uma carga. Antes de voltarem seu tio lhe entregou o apurado e disse:

- Meu sobrim não quero um centavo do seu dinheiro porque sei o trabalho que dá pra você colher um abacaxi desses, vou parar ali no posto e só quero que você pague a gasolina.

Aquelas alturas meu pai disse que por ele daria o dinheiro todo para o seu tio.

Ao parar no posto e ao responder ao frentista que aqueles abacaxis eram para vender, a bagunça foi feia, conta o pai:

- Filho, apareceu gente de todo lugar para comprar abacaxi, em pouco tempo já não havia mais, quase dá confusão. Me lembro só quando esse meu tio disse; - Se eu não escondo esses dois aqui embaixo do banco, teria ficado sem abacaxi.

Depois dessa tentativa meu pai nunca mais quis ser feirante.

Ao terminar de contar essa história, confesso que o que mais me doeu foi ouvi-lo falar bem baixinho, devagar e com passado:

- Quem nasceu pra ser prego jamais vai ser martelo...

Elton Portela
Enviado por Elton Portela em 26/09/2021
Reeditado em 15/07/2023
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