Memória de um Maranhense (História de Cicero Soares dos Santos)

MEMÓRIAS DE UM MARANHENSE

O ano era 1932

Quando houve uma seca no Nordeste

Incluindo o estado de Pernambuco

Principalmente no Agreste

Deixando os habitantes pensando que estavam

Esquecidos pelo Pai Celeste.

Minha avó paterna chamada Gertrudes

Sentiu-se obrigada a sair do Estado

Após ter separada do seu marido

Deixando seu coração despedaçado

Não sabia o que fazer

Para mudar aquele quadro.

A pobreza era grande

Para não dizer que minha avó não tinha nada

Ela tinha 8 filhos

Lá faltava até água

E agora sem marido

Ela ficou desesperada

Vovó ficou sabendo

De um lugar chamado Maranhão

Lá chovia todo dia

Ninguém passava sede não

Ela pensou meu Senhor

Me ajude a tomar uma decisão.

Então ela teve a ideia

De migrar para o Maranhão

Mas não tinha como levar

Os oito filhos com ela não

Não tinha como sustentá-los

Era de partir o coração.

E quando chegou à noite

Minha avó colocou os 4 filhos mais novos

Para dormirem. E disse para si mesma

Não tem como eu ficar aqui

Agora só tem um jeito

Pegar os filhos mais velhos e fugir.

Não tinha como levar

Todos os filhos de uma vez

Ela disse vou levar 4

Deus vai cuidar de meus bebês

Amanhã alguém aparece

E acaba de criar vocês.

Depois de chorar muito

E arrumar a trouxa de seus meninos

Ela pegou seus 4 filhos mais velhos

E saiu sem destino

Foi para o Estado do Maranhão

E seguiu seu caminho.

Os filhos que vieram com ela foram:

Alcides e Maria

Severino e Joaquina

Eles eram sua alegria

Pediam comida por onde passavam

E sempre agradeciam.

Com muita dificuldade

Após meses de caminhada

Vovó chegou ao Maranhão

E disse meu Deus muito obrigada

De chegar em uma terra que chove

Aqui farei minha morada.

Foi em Parnarama Maranhão

Que minha avó Gertrudes foi morar

Deus usou muitas pessoas

Para ajudá-la a levantar

Gertrudes criou seus filhos

Trabalhando sem parar.

Um dos filhos de minha avó (Severino)

Com o senhor Augustinho foi trabalhar

Lá conheceu Maria Madalena

E pediu a mão dela para namorar

Seu Augustinho e sua esposa disseram:

Já está na hora de casar.

Então Severino e Maria Madalena casaram

E tiveram 3 herdeiros

Francisco, eu e Sebastião

O Francisco nasceu primeiro

Depois nasceu Cícero, que sou eu

E Sebastião nasceu derradeiro.

Nasci em 1943

No dia 25 de janeiro

Em Parnarama-Maranhão

Sou o segundo herdeiro

Meu nome é Cicero por minha mãe ser devota

De padre Cícero do Juazeiro.

Meu nome completo é Cícero Soares dos Santos

Desde que eu era menino

Minha vida sempre foi marcada

Por desafios do destino

Comecei a trabalhar muito cedo

Ainda bem pequenino.

Com apenas 5 anos de idade

Eu trabalhava nos engenhos de meu avô

Mexia com cana-de-açúcar

Conduzindo os bois na moagem da cana com amor

Mas depois da morte de meu avô

O patrimônio acabou.

Fomos para outro município

Por nome de Buriti Bravo

Cresci sob disciplina

Com trabalho forte e pesado

Fui criado nas terras de patrões

Lá eu vivia muito humilhado.

Meu pai, Severino Farias

Sempre elogiava e me chamava de Cicinho

“Fobava” muito quando se falava o meu nome

Eu ainda era novinho

Com apenas 10 anos de idade

Ganhava a diária de um homenzinho.

Cambitando cana-de-açúcar em cima dos muares

Para a moagem nos engenhos da região

Eu trabalhava muito

Não tinha medo de nada não

Era ágil e organizado

Cumpria bem minha função.

Agora vou falar

Como era a casa que eu morava

Era uma casinha muito simples

Coberta e tampada de palha

Mas eu e minha família trabalhávamos todos os dias

Para vencer as batalhas.

Um certo dia teve o casamento

Do filho do dono do casarão

Todos os moradores daquele vilarejo

Tinham por obrigação

Se organizarem

E fazer a casa do filho do patrão.

Então fizeram a casa

E eu achei muito bonita

A casa era coberta de palha e tampada de barro

Atualmente ninguém acredita

Mas de primeiro uma casa de taipa era chique

Hoje o povo acha esquisita.

Então disse para meu pai

Vamos fazer nossa casa de barro também

Meu pai me repreendeu dizendo

Esse direito a gente não tem

Se fizermos nossa casa igual à do filho do patrão

Vão mandar nós irmos embora sem um vintém.

Então eu disse: papai,

Nem que mandem a gente ir embora

Vamos fazer nossa casa

De barro por dentro e por fora

Nós trabalhamos todos os dias

Não precisamos de esmola.

Meu pai disse: meu bichim

Você é um menino muito esperto

Vou aceitar seu conselho

E seguir seu trajeto

Vamos fazer nossa casinha

E acreditar que vai dar certo.

Então eu e meu pai Severino

Fizemos nossa casinha

Com as paredes de taipa

E ficou tão bonitinha

Minha família ficou feliz

E comemoramos com o que tinha

E quando o patrão viu

A casa de taipa dos agregados

Achou um absurdo

E ficou muito zangado

Mandou chamar meu pai Severino

E disse vocês estão desagregados.

Deus sabe o que faz

Fomos mandados embora

E as coisas foram mudando aos poucos

Tivemos até uma melhora

Aprendemos que tudo passa

E que a vida é uma escola.

Com o passar do tempo

Houve a separação

Dos meus pais Madalena e Severino

Deixando eu e meus irmãos sem chão

Na época eu tinha apenas 16 anos

Mas tive coragem e determinação.

Então eu disse para minha mãe

Não se preocupe, mãezinha

Vou fazer o possível

A senhora não vai ficar sozinha

E quando eu casar

Levo você minha rainha.

E assim aconteceu

Eu casei com 17 anos

Levei minha mãezinha para morar comigo

Provando que eu a amo

Tive duas filhas

E segui meus planos.

Após três anos

De casado no papel

Começaram as brigas

O relacionamento virou fel

Meu casamento acabou

Joguei fora meu anel

Fui morar em Fortuna Maranhão

Com meus parentes

Aristides e Zeca do Alcides

Toquei minha vida para frente

Lá continuei trabalhando na roça

Capinando e plantando semente.

No dia 21 de abril de 1968

Casei novamente

Dessa vez com Maria do Amparo

Uma mulher muito decente

Em Gonçalves Dias, povoado Japãozinho

Foi uma festa com pouca gente.

Em 1969 fui morar no povoado Centro dos Carlos

Município de João Lisboa Maranhão

Em uma casinha bem simples

Não tinha energia nem televisão

Mas graça a Deus não faltava

Arroz, carne e feijão.

Em 10 de dezembro 1974 veio uma grande tristeza

Perdi meu pai Severino, um homem acolhedor

Nossa vida sempre fora marcada por laços

De amizade, confiança e valor

Meu pai deixou uma pedra de amolar e um facão como herança

Até hoje guardo com muito amor.

Em 1984, outro acontecimento triste

Faleceu minha mãe, Maria Madalena

Ela tinha 72 anos de idade

Nunca vou esquecer aquela cena

Ela deixou bons ensinamentos

Era uma mulher trabalhadora e serena

O tempo passou e se mudei com minha família

Para Capemba D’água outro povoado

Lá pude trabalhar mais ainda

Lutando para mudar meu estado

Coloquei meus filhos para estudar dizendo:

Vai apanhar quem ficar reprovado.

.

No Centro dos Carlos e Capemba D’água

Eu trabalhava como vaqueiro de Chico Selvino, meu irmão

Após 15 anos de trabalho

Não deu mais certo não

Fui trabalhar por conta própria

Sou um homem de opinião.

Continuei trabalhando

Junto com minha esposa e meus filhos na roça

Brocando, plantando, limpado e colhendo

Principalmente nas lavouras de arroz e mandioca

Sempre trabalhei com fé

Entre o intervalo uma prosa.

Os meus filhos desde criança

Trabalhavam todos os dias

Vendendo nas ruas do povoado

Para não faltar o pão de cada dia

Com uma bacia sobre a cabeça

Contendo tomate, feijão e melancia.

Após anos de trabalho na roça

Eu e minha esposa compramos uma humilde casinha

Na cidade de João Lisboa

As Condições eram fraquinhas

Mas fizemos um esforço para nossos filhos estudarem

E serem felizes com o que tinham.

Em 2014, mais um fato triste

Meu irmão Chico Selvino faleceu

Deus levou mais um membro da família

Um homem que trabalhou e venceu

Agora meu irmãozinho que eu tanto amava

Estava indo morar com Deus.

Vou dar uma paradinha para falar da minha esposa

Uma mulher muito guerreira

Mesmo com problemas de saúde

Já superou muitas barreiras

Trabalhou muito para criar nossos filhos

Foi comerciante e até vaqueira.

Tenho doze netos, oito bisnetos e um tataraneto

Sempre fui um homem honesto e muito trabalhador

Consegui meu gadinho e minha terrinha

Porque Deus me ajudou

Minha caneta era a foice

Sou persistente e lutador.

Sempre pedi para Deus

Para conseguir criar meus filhos na escola

Eu queria o melhor para eles

Sabia que o estudo era a mola

Porque eu só tinha estudado 40 dias

Mas aprendi fazer conta na escola.

Eu sempre soube plantar a semente

Regar, cuidar e disseminar

Tive muita persistência

Determinado a minha vida mudar

Sou um homem de atitude e coragem

Lutei para minha prole estudar.

Essa é minha história

Sou um maranhense que sempre agradeço ao Senhor

De agregado e servo passei a ser patrão

De lavrador e vaqueiro passei a ser criador

Sou feirante e semianalfabeto

Mas hoje tenho filho doutor.

Eva Soares
Enviado por Eva Soares em 15/08/2022
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