"Último Poeta do Tempo"

"Último Poeta do Tempo"

Sentado à beira do tempo, o velho não chora. Apenas pensa... ou talvez nem pense — apenas cansa. As rugas em sua testa são como livros abandonados numa estante esquecida, sem leitores. Seus olhos cerrados guardam mundos que ninguém mais deseja decifrar. A cabeça repousa nas mãos, não em desespero, mas como quem busca abrigo dentro de si. Os próprios dedos são porto seguro para ideias naufragadas que o tempo, silencioso, afogou. Quantas palavras não ditas adormecem em sua nuca? Quantos silêncios ele acolheu, como quem abraça a última esperança de ainda ser?

O homem velho não pede mais: ele recorda. Mas o que recorda já não importa. O passado, para ele, é apenas um espelho sem reflexo. Quem passa o observa e pensa: “Ali está um fardo, uma sombra, um fim.” Mas ele sabe: é o início. O começo de um repouso eterno, de um pensamento que, enfim, não precisa ser pensado. O tempo o transformou em barco ancorado no vazio, corpo cansado que carrega o peso de todas as almas que foi. Quantos eus couberam naquele peito? Quantas vidas paralelas ele sonhou ser, e nenhuma o salvou?

Com a cabeça entre as mãos, sustenta o mundo — e já não tenta erguê-lo. Deixa estar... Porque às vezes, só às vezes, descansar é mais sábio do que resistir. O corpo pesa mais do que a gravidade permite, mas não é só a carne que dói: é a lembrança. É o peso dos dias que não voltam, das escolhas que envelheceram antes mesmo do corpo, dos rostos que a memória apagou, mas cujos nomes ainda resistem.

Ele se senta como quem reza sem fé, com a cabeça entre as mãos como quem tenta segurar um mundo que escorre por entre os dedos. Entre a palma e o crânio, talvez se esconda Deus. Ou talvez Deus tenha partido junto com a juventude. Os pés já não querem ir. E os olhos... já foram. O mundo continua a girar, mas ele não gira com ele. Está parado, não em paz, mas em suspensão. Inteiro e ausente — como uma estrela morta que ainda brilha.

Na solidão que existe entre seus pensamentos, ele escuta ecos antigos: a voz da mãe chamando para dentro, o som de um amor que não vingou, o riso de um filho, a lágrima que derramou quando ainda chorava. Naquela cabeça apoiada em mãos fatigadas, não há delírio, mas vigília. Ele pensa com o coração silenciado e sente com um pensamento que dói. Sabe que a alma não tem idade, mas também sabe: o tempo a entorpece. É como um deus caído, tentando lembrar o nome da eternidade.

Com os olhos fechados, ele vê melhor. O que resta a ser visto no mundo senão o invisível? Só o que não se pode mais tocar é capaz de tocá-lo. E então, silêncio. Não um fim — uma revelação. O velho entende, enfim, que o sentido mora não nas palavras, mas no intervalo entre elas. E ali, com a cabeça ainda entre as mãos, ele solta o mundo. Liberta os nomes, os fatos, os rostos. E torna-se apenas sopro. Vento leve num campo onde o tempo já não conta mais.

Talvez esteja morrendo. Ou talvez esteja, enfim, nascendo. Há paz naquele gesto imóvel, divindade naquela rendição. O homem velho, com a cabeça em suas mãos, é o último filósofo da vida que viveu. O último poeta de uma existência que, mesmo inútil, foi sentida. Ele dorme. E, dormindo, canta — sem voz — o hino silencioso de todos os que um dia também se cansarão de ser.

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Rô Montano__________ ✍

Rô Montano
Enviado por Rô Montano em 21/04/2025
Código do texto: T8314638
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