O beija-flor visionário

Augusto Ruschi

Antes que termos como ecologia, desenvolvimento sustentável, biodiversidade e aquecimento global fossem temas obrigatórios em círculos acadêmicos e conversas de bar, um homem já se batia pela defesa da vida em todas suas formas, pelo respeito à natureza em toda sua grandeza e por um mundo mais harmônico. Esse homem, pautado pela visão ética do mundo foi o cientista humanista, o agrônomo racional, o advogado da natureza, o naturalista filósofo, o ecologista que sonhava com os pés no chão, Augusto Ruschi.

Ruschi buscava a preservação do homem através de uma integração holística com a natureza. Desbravador que foi, enfrentou preconceitos, visões imediatistas e preconceituosas, poderes econômicos e políticos rasteiros.

Nos dias atuais, uma vez que a catástrofe já bate à nossas portas, o tema do desenvolvimento sustentável saiu das esferas acadêmicas e da intangibilidade das pautas futuristas e chegou ao homem comum através dos meios de comunicação, das salas de aula, do cotidiano que vivemos. No entanto, há décadas atrás, Ruschi já entregava sua vida de corpo e alma pela defesa do que somos, buscando por suas ações um norte para o que deveríamos ser.

Lutou contra o ceticismo, contra paradigmas naquela época irremovíveis e provou que suas palavras e ações não eram devaneios de um Dom Quixote tropical, eram previsões que evitariam este futuro sombrio que se avizinha a cada dia.

Antes que o manejo sustentável se tornasse matéria obrigatória em gestão ambiental, Ruschi já pautava seu trabalho nesta forma racional de convívio com a natureza. Foi pioneiro da agroecologia, do controle biológico de zoonoses e doenças tropicais. E, já em sua época, foi o homem que teve a coragem de denunciar o que muitos outros cientistas já sabiam: o perigo do uso indiscriminado de agrotóxico. Uma ação ousada em um país essencialmente agrícola cuja política econômica preferia a realidade de resultados rápidos ao invés de resultados racionais e de longo prazo. Seu chamamento não foi em vão, mas ainda hoje cai em ouvidos moucos.

Com todas as dificuldades de se fazer ouvir ainda assim sua voz ecoou em espíritos solidários e ecoa até hoje, mais pela necessidade de evitar a extinção da raça humana do que pela racionalidade de se preservar as espécies para que tenhamos um mundo onde habitar.

Este homem de visão sabia do que estava falando e não era um cientista de laboratórios e salas de aula, não era dado a política e nem se contentava em ser um teórico. Ruschi vivenciou o que pregava. Para ser o homem que foi, para obter o conhecimento que o levou a ser um dos maiores preservacionistas mundiais, e uma das maiores, se não a maior autoridade em ecologia. Ruschi viveu e estudou durante meio século embrenhando-se nas florestas que tanto amava, tornando-se parte delas, tornando-se raiz de convicções inabaláveis, tronco de sustentação intelectual e frondosa copa onde se abrigam os que lutam e crêem que não somos donos do mundo, mas uma pequena e frágil parcela em dívida com o ambiente.

Foi esta entrega total de sua vida pela vida da humanidade que debilitou a frágil saúde deste humanista de espírito forte e aguerrido. Seu destemor e desprendimento, sua necessidade de levar sua vida em meio ao ambiente que amava que levou-o a contrair diversas doenças tropicais viróticas, inclusive a que causou sua morte, a Hepatite B e C.

O beija-flor intelectual agonizava. A medicina do homem branco nada foi capaz de fazer e a sabedoria de seus irmãos índios, a pajelança em que este homem de ciência confiava e respeitava também foi em vão, sua alma foi liberta das limitações da carne. Em 1986, Ruschi integrou-se em definitivo à natureza.

Hoje sua ciência e sabedoria paira sobre todos nós, ilumina as ações de crianças em idade pré-escolar e de grandes gênios da humanidade. Sua voz é ouvida em cada canto do planeta e cada pedaço de floresta agredida e violentada carrega suas lágrimas, cada bioma preservado conserva uma célula de seu conhecimento e o seu agradecimento implícito na multiplicação da consciência e educação ambiental.

Somos, cada um de nós, sobreviventes de um mundo hostil, devedores de suas inúmeras obras e pesquisas. Carregamos na visão de um novo mundo harmônico e sustentável o olhar aprovador do beija-flor visionário.