O filho da onça

Há poucos dias a querida Margi Moss, fotógrafa de natureza, nos convidou para vermos as fotografias de sua expedição à África.

- Espero vocês à tardinha.

- Cada um leva uma coisa para lancharmos. Disseram as organizadoras do evento, Simone e Rosa.

Ficamos maravilhados com a recepção. O sorriso da Margi é contagiante. Gestos suaves, voz macia, olhos azulzinhos.

Chegamos em algazarra. Somos a turma que se encontra nos matagais atrás de passarinhos. Já tiramos cada foto linda!

Sentamos em volta da mesa, beliscamos os petiscos. Alguém levou um vinho delicioso. Silêncio! A sessão vai começar.

A primeira foto é de tirar o fôlego. Um lindo gorila de 180 kg, “negro que nem as asas da graúna”, recostado no barranco, olhando serenamente para a câmera.

- Como se faz pra chegar tão perto?

- Margi, você não ficou com medo?

- Quando será a próxima expedição?

Todos queríamos saber cada detalhe. A moça de voz mansa e olhos azuis foi explicando tudo com delicadeza e paciência de monge chinês.

- Quando a gente se aproxima da família dos gorilas, os filhotes curiosos vêm nos tocar. Mexem nas mochilas. Mas não podemos mostrar impaciência com eles. Senão o pai parte pra cima da gente... Ele pesa 180 kg. Se ele se aproximar temos que ficar humildes e parados, quietinhos feito estátua. Ele nos cheira e vai embora. Com o simples olhar, ele enquadra a gente, intimida. Mas não é agressivo a não ser que alguém faça algo que ele julgue ser ameaça para a família dele. Se corremos de um animal selvagem, ele nos vê como presa em fuga. Aí é fatal! Não temos dentes nem garras fortes.

Gostei dessa parte do ‘ficar parado, quietinho’... ‘cheira e vai embora’.

Várias teorias vieram à mesa:

- Dizem que a mulher não pode estar menstruada.

- Dizem que os macacos são mais estressados com os homens. Com as mulheres eles são tranquilos.

- Dizem que homens e macacos têm os mesmos músculos do peitoral.

Saí de lá encafifado com aquela tática da estátua. No dia seguinte vejo no jornal a notícia de que uma onça fora vista com filhote no Parque Nacional de Brasília.

Curioso, resolvi verificar. E já com a tática na minha cabeça... Se ela aparecer eu fico quietinho, ela me cheira e vai embora.

Menos de uma hora de caminhada encontro a fera. Escolhi morrer no fim de tarde do outono, sol amarelo-alaranjado, a luz mais linda das estações. Olho no olho. Sangue nos pés. Sensação de desespero... Já imaginando a manchete: - “Foi aqui que a onça devorou ele, só restou esta calça amarronzada.”

Primeiro veio o filhote. Fofura em quatro patas. Limpinho, parece que acabara de tomar banho. Gorduchinho, uma lindeza! Fiz cara de simpatia. Se aproximou sem cerimônia, cheirou meus sapatos, minha calça. Fez miau e voltou pra junto da mãe.

Lá vem ela.

Virei estátua.

Desconfiada. Pisando macio, me olhando firme. Olhei para o horizonte e imaginei que aquela seria minha última contemplação.

Que nada!

Cheirou meus sapatos, chegou o nariz até perto da braguilha. Arrodeou, me cheirou mais forte por trás e foi embora.

Não dá para descrever a sensação que sentimos quando uma onça vai embora nos deixando inteiro. Creio que nesta hora até os ateus dão graças a Deus.

Dei um mergulho na Piscina Velha da Água Mineral. E fui embora. Leve.

Fiquei tão encantado com a experiência que voltei uma semana depois.

Avistei de longe a bela cena. Filhote brincando sozinho. Rolava no chão, dava uns pulinhos, virava de cambalhotas. Quando ouviu meus passos, tensão. Parou e ficou me observando, orelhas levantadas. Cauda retesada, ensaiando os primeiros botes. Diminui a marcha. A mãe estava mais distante. Correu ligeiro pra junto dela e de longe ouvi o filho da onça:

- Mãe, lá vem aquele da semana passada. Será que ele vai se cagar de novo?

- Ahannnn!