O casamento da Inocência com o pretendente inesperado

Cena 01 - A aposta (na rua)

Zé valente: Pois vamos apostar.

Zé cobra: Só se for agora...

Zé valente: (colocando o dinheiro em um chapéu) escolha uma cor.

Zé cobra: tá escolhido. Verde, da cor dos olhos da minha Inocência...

Zé valente: Tudo que eu disser, você diz a coisa que eu disse e a cor que você escolheu... Assim, colher... Colher verde...

Zé cobra: Certo, isso é fácil.

Zé valente: Passei pelo mato...

Zé cobra: Mato verde.

Zé valente: Passei por uma cova...

Zé cobra: Cova verde...

Zé valente: Passei por um cágado...

Zé cobra: Cágado verde...

Zé valente: Passei por um morro...

Zé cobra: Morro verde...

Zé valente: Se morreu, não precisa de dinheiro, perdeu.

Zé cobra: Assim não vale, você trapasseou...

Zé valente: Vale sim, agora é sua vez.

Zé cobra: (colocando o dinheiro no chapéu para nova aposta) Já que você é valentão, não tem medo de nada, tudo que eu disser, você vai dizer - Me atrepei nela, ou nele!.

Zé valente: Que é isso, Zé cobra, que coisa mais feia.

Zé cobra: Vai amarelar, Valentim?! Se desistir, perde (vai pegando o dinheiro)

Zé valente: Nada disso, vou até o fim...

Zé cobra: Pé de coco...

Zé valente: Me atrepei nele, no pé de coco

Zé cobra: Escada...

Zé valente: Me atrepei nela, na escada...

Zé cobra: Jumento...

Zé valente:... Assim já é demais...

Zé cobra: Desistiu?

Zé valente: Me atrepei nele, no jumento...

Zé cobra: (nessa hora, de um lado vai passando Inocência, a filha do coronel; do outro, vai passando uma beata e escuta a aposta) A filha do coronel...

Zé valente: Como?!

Zé cobra: Inocência, minha Inocência, a filha do coronel ( olha para a beata) Sabia que você é um mela cueca, na hora certa, ia brochar!

Zé valente: A melhor parte! Me atrepei nela, na filha do coronel!

Zé cobra: Não ouvi nada...

Zé valente (gritando) Me atrepei na filha do coronel...

Cena 02 - A fofoca

A beata escuta, se benze e sai correndo. Cansada, encontra-se com outra varrendo o terceiro...

Beata 01: Me valha, Deus, minha nossa senhora e um balaio de santo...

Beata 02: O que foi, cumade, tais tão pálida, parece que viu o capeta...

Beata 01: coisa muito pior, cumade, muito pior. Uma coisa comprida e cabeluda...

Beata: Pois que a cumade é sortuda, desde que meu finado se foi que eu num vejo uma coisa dessas...

Beata 01: Figa, pé de pote, cumade, não entenda mal... O que eu vi foi Zé Valente gritando para todo mundo ouvir que buliu cá filha do coroné, em cima de uma escada, atrás do pé de coco e ela ainda chamou ele de jumento...

Beata: Ai, minha santa consoladora das viúvas no cio, você ouviu tudo isso, cumade?Pois trate de voltar lá e escutar mais coisas que vou pastorar meu arroz que está queimando... ( Vai uma beata para um lado e a outra para o outro lado)

Na igreja

Padre: Porque Jesus nos ensina a não reparar a vida alheia porque pecado é ...

Beata 02: Padre, padre, padre, preciso confessar porque pequei...

Padre: De novo? Você já confessou umas dez vezes essa semana...

Beata: Mas padre, tenho culpa se tenho bons ouvidos e o que escuto me faz ter maus pensamentos?

Padre: Diga o que houve, diacho, ande logo, antes que eu infante.

Beata 02: Cumade me disse, que ouviu Zé Valente gritar que ele é um jumento, que buliu com a filha do coronel, em cima de uma escada e que ela parecia um coco de tão...

Padre: Chega, chega, chega beata fogosa... Porque pecado é o que sai, não o que entra no ser humano. Para abaixar seu fogo, reze 100 pai-nossos, trezentas ave-marias, no pingo da mei-dia, de pés descalços, em cima de uma pedra de fogo, chupando uma manga verde com bastante sal, sem beber nenhum pingo de água por um mês! Vá...

Cena 03 - O engano

Inocência: Bem-me-quer, mal-me-quer... Vida triste essa de mulher! Nada pode, nada deve, tudo é proibido. Um dia, um dia ainda fujo daqui pra ser a dona do meu nariz. Nossa, que cheiro enjoada dessa rosa...

Sinhá: Aqui ela não estava, na cozinha também não! Onde diacho se meteu essa menina?(gritando) Inocência, Inocência, minha filha..

Inocência: ( aparece na sala)Oi, mainha, tou aqui. Estava no quarto separando umas roupas para doar para a quermesse do São João.

Sinhá: (aflita) Outra saia e mais três vestidos que você não quer, minha filha? O que foi com estas roupas?

Inocência: Estão apertadas, mainha, fico sufocada quando me arrocha a cintura.

Sinhá: Você está engordando demais. Nem vejo você comendo tanto assim...

Inocência: (desconfiada) Já tou fazendo dieta, mainha, tou só na água de coco...

Padre ( vai chegando) Coco? Foi isso que eu escutei?

Sinhá: Foi sim.

Padre: Então você já sabe, minha filha.

Sinhá: Sei sim, padre.

Padre: E quem lhe disse?

Sinhá: Inocência, minha filha.

Padre: Ela quem disse? Como?Deu detalhes?

Sinhá: Não, padre, ela só disse que...

Padre: Não precisa dizer, posso imaginar o quanto deve ser doloroso para uma mãe saber que uma filha...

Sinhá: Que é isso, padre, nada de doloroso, eu acho é bom, até eu...

Padre: Não diga isso...

Coronel: Não diga o quê, padre?

Inocência: Painho, que bom que o senhor chegou . Sua benção.

Coronel: Deus te dê juízo.

Inocência: O senhor pode me dá dinheiro para comprar vestido novo?

Coronel: Dinheiro? De novo? Tá me achando com cara de caixa eletrônico? Vestido? Outro? Para que tanto vestido?

Sinhá: Ela engordou, meu amor, precisa de vestido novo.

Padre: É um bucho?

Coronel e Sinhá: O que, padre?

Beata 01- (chegando): Eu quem ouvi, coronel, com esses ouvidos que a terra há de comer, ouvi bem na hora...

Beata 02: Aí ela me disse e eu contei para o padre...

Padre: Calma, tudo vai se resolver...

Coronel: Ouviu o que?

Beata 01 e 02:(ao mesmo tempo, cada uma contando do seu jeito)

1. Que o Zé Valente buliu com a filha do coronel, em cima de uma escada, atrás do pé de coco e que ele era um jumento.

2. Que o Zé Valente era um jumento, tinha bulido com a filha do coronel, em cima de uma escada e que ela era um coco e ...

Inocência: Chega, chega, ele não pode ter feito isso comigo. Ele me ama, não iria colocar nossa intimidade assim....

Besta 01: Falou, falou que eu ouvi. E num foi bulir não, foi coisa mais cabeluda, ele falou trep...

Coronel: Eu mato esse desgraçado, eu mato, eu mato esse fela de uma gata seca esturricada... Capataz, capataz, vá até os quintos dos infernos, se for possível, mas traga o cão tinhoso do Zé Valente até aqui...

Cena 04 - A prisão

Zé cobra: Pois você é um grandississimo mentiroso. Quem mente, perde.

Zé Valente: E eu lá sou homem de mentir? Eu só disse o que você queria ouvir, pois o dinheiro é meu.

Zé cobra: Não, nanim, não não! O dinheiro é meu, com ele eu vou comprar dois filós, um ki-suco de morando, chamar Inocência para fazer um piquenique na beira do açude...

Zé Valente: Pois com a minha parte, eu vou é comprar dois ingressos e convidar ela para ir ao matinê assistir Dio come ti amo... ( Nessa hora vai chegando dois capatazes, coloca um saco na cabeça do Zé Valente, amarram as mãos para levá-lo preso)

Zé cobra: O que é isso? Quem mandou fazer isso?

Capataz: Foi o coronel, ele ficou sabendo pelas beatas e pelo padre que esse valentão é um jumento que buliu com a filha dele, em cima de uma escada debaixo de um pé de coco, que ela está gorda e a sinhá pensa que a filha está de bucho!

Capataz 02: Não, homem, num foi assim não! A filha do coronel lascou o coco...

Zé cobra: Chega, é tanta informação que meu juízo deu um nó. Espere (vai ao bolso do Zé Valente e tira dinheiro) Já que eu ajudei a você dar o golpe no coronel, eu fico com esse dinheiro para comprar o presente do casório. Pode levar o estraga coco, ou, o jumento...

Cena 05 - O casório

Coronel: Canalha de uma figa, você desonrou a inocência de minha Inocência!

Sinhá: Um jumento, isso sim.

Inocência: Mainha!

Beata 01: Eu fico verde...

Beata 02: Eu toda me trepando! Que dizer, tremendo.

Zé Valente: Mas o que foi que eu fiz?

Inocência: Acabou com minha honra, dizendo que era um jumento, eu uma quenga e que tinha bulido comigo em cima de uma escada, debaixo de uma mangueira...

Zé Valente: Eu?!( Cai no riso exagerado)

Padre e Beatas: Tem outro jumento aqui?

Zé Valente: Inocência, coronel, Sinhá, escutem. Tudo não passou de uma brincadeira de mal gosto, um mal entendido!

Coronel: Que história é esse, tinhoso?

Zé Valente: Foi uma aposta...

Inocência: Aposta?

Zé Valente: Eu e o danado do Zé cobra estava brincando de apostar, até que essa Maria fofoca escutou mal e espalhou o boato. Eu disse que Me atrepei num pé de coco, me atrepei em um escada, me atrepei na filha do coro...

Sinhá: E agora, como fica a honra da minha filha?

Coronel: E o boi que mandei matar? E o povo que convidei para a festa do casamento de Inocência?

Zé cobra: Eu caso, coronel! Se Inocência quiser, eu reparo o erro da brincadeira, caso agora mesmo. Já comprei inté as alianças...

Zé Valente: Nada disso, quem fez o estrago fui eu, sou muito macho para refazer o mal que fiz a Inocência...Eu caso, nunca que eu queria fazer mal a tão formosa dama.

Padre: E agora, Inocência, quem você escolhe?

Inocência: Bem-me-quer, mal-me-quer...Era uma vez um coração desolado, triste, magoado, por amar sem ser amado. Ele foi pisado e jogado na lama. Não posso escolher entre dois Zés que nunca me fizeram mal. Para que tudo se esclareça e o filho que carrego no bucho não nasça sem pai, é você, padre, que deve assumir o mal que me fez, para euzinha não virá mula-sem-cabeça...

Sinhá:(desmaia)

Coronel: (sai correndo feito louco)

Beata 01: (consola o capataz 01)

Beata 02: (consola o capataz 02)

Zé cobra: (Tira um baralho do bolso e passa a preparar um jogo para ele e Zé Valente).

Zé Valente: (tira lenço do bolso e assoa o nariz)

Padre: (pega Inocência nos braços e sai de cena)

Fim

Marcus Vinicius