A “coisa” na versão Baiana e Mineira.

“Eu baiano”, um dia encontrou um tabaréu vendedor de bugigangas numa cidadezinha do norte de Minas Gerais. Formado pelas “dificulidades” das estradas da vida e pelas palavras do vento, portador de uma sabedoria que dava inveja a qualquer doutor.

O nome? Nem ele sabe direito, nunca fez a coisa da identidade, mas dizia que era Chicaldo – a mãe era Chicória e o pai era Teobaldo. O povo o chamava de Chico. Casado, mas só chamava a esposa de “coisinha”, pois segundo ele, nunca perguntou o nome dela mesmo.

Sentamos embaixo de um pé de ingazeira, o cabra era calado e tinha a cara de monge e corpo de Spectreman, força do Homem de seis milhões de cocadas e mais mentiroso que He-man.

Como todo baiano conversador, “eu baiano” puxou uma conversa:

- Para você, quais são as coisas mais engraçadas que existem no mundo?

- Engraçadas eu não sei se são, mas é coisa que ninguém sabe, ninguém sabe. Por exemplo, quem plantou a primeira árvore? Não foi coisa de um lenhador. Que coisa nasceu primeiro, o pombo ou o ovo? Por que Santo Antônio é casamenteiro e nunca se casou? Entende?

As respostas eram sempre cosmorrocistas, ou seja, cosmopolitas da roça. Uma mistura de caetanês com tiririquês. Era uma tal de coisa isso, coisa aquilo etc. Continuou.

- O que você gosta mais de fazer na vida?

Ele pensou, passou os dedos indicador e médio nos lábios e disse:

- Oxente, homem! É coisar. É o mais mió bom.

- Não sei o que é coisar, mas com quem gosta de coisar, normalmente?

- Com dona coisinha. Com ela, aquela coisa é boa de coisar. E sabe de uma coisa? Vou ter de ir conversar ali com um amigo mineirinho que vai viajar com a esposa para a capital agora. Thau!

Caminhou até a estação de trem para se despedir. Encontrou o amigo tranquilo sentado olhando um jornal, enquanto a esposa comia um sanduíche. Ele começou:

- Oi amigo Tim, claro que vocês vão viajar agora mesmo.

- Uai, vou sim sô.

- Tá bão. Rapaz, estava conversando com um coisa baiano ali, e a coisa só fala oxente, uai. Que absurdo, um atraso.

- Não gosto de conversar com esse tipo de gente. Por falar nisso seu "coisinha", você já "coisou" aquela coisa que eu mandei você "coisar"?

- Coisei não cumpadi. Cheguei lá em Pernambuco, quando falei da coisa me disseram que lá a "coisa" é cigarro de maconha.

- Vixe seu coisinha, ainda bem que lá nem fui. Por "coisa nenhuma" dizem que no Rio de Janeiro a "coisa" era uma garota de uma praia.

- Ouvi dizer também cumpadi. O coisa-ruim que se afaste de nós.

O baiano que estava ouvindo a conversa de longe foi se aproximando e disse:

- Olha esse papo de vocês já tá qualquer "coisa" dentro da minha cabeça. Lê lê lê ô.

- Cuma assim?

- Já qualquer "coisa" doida dentro mexe, quete quete chiclete. Precisamos colocar cada coisa no devido lugar, afinal, uma coisa é uma coisa ...outra coisa é outra coisa.

- Será que esse baiano ficou mais doido cumpadi?

A coisa ficou feia. Interessante que em Minas Gerais todas as coisas são chamadas de trem, menos o trem, que é chamado de "coisa". A esposa estava perto, calada e comendo um sanduíche.

O cumpadi se despediu de seu coisa quando viu o trem aparecendo numa curva perto da estação. Preocupado gritou duro com a mulher:

- Mulé, come logo esse trem que lá vem a "coisa" chegando.

O baiano, foi saindo de mansinho, mansinho e deu uma grande risada. Ká ká ká.

- Depois quer falar dos baianos!

Não era para menos.