Diálogo: namoro de uma noite, poesia e cinema europeu
Primeiro round:
- Vamos assistir um filme?
- Qual?
- Tu vai gostar: diretor de esquerda.
- Uau! Quem?
- Bertolucci.
- 1900?
- Nah, 1900 é ''político demais'', sabe como é, o filme grita ''sou político''; é como alguém que conta uma piada rindo.
- Então qual? Os Sonhadores?
- Último Tango em Paris: esse sim é político. Ataca o moralismo, ataca abertamente, por um lado, e de outro, subverte tacitamente toda a sustentação popular do ideal direitista.
- O quê? Aquela romantização do estupro?
- ...
- Não, muita obrigada.
(e vocês sabem como é gelado esse ''não, muito obrigada'';
o que se segue à vírgula é a antítese da paixão)
.. .. ........... ......... ...........
Segundo round:
- Vamos ouvir uma música então.
- Vamos.
(a música começa)
...Hey Joe, where you goin' with that gun of yours?
Hey Joe...
[...Hei, João, 'onde tu vai com essa tua arma?
Hehei, Jooão...]
- Isso é o que eu to pensando que é?
- É 'Hey Joe', na versão do Jimi Hendrix. Imortal.
- Aquela ode ao feminicídio?
- ...
.......... ............. ... . .
Terceiro e último round:
- Vamos ler alguma coisa, um para o outro.
- Tá, eu começo...
''Nossa porção de noite a passar,
(...)
Cá uma estrela, acolá uma estrela,
Umas perdem-se por ora.
Cá uma bruma, acolá uma bruma
E mais tarde – aurora!'
'
- Muito bom. Foi tu quem escreveu?
- Só traduzi. É da Emily Dickinson.
- Bonito. Minha vez... Espera. O início é meio chato; vou ler a parte final
''...e eu caminhei por um corredor escuro
onde a senhoria me execrava e
me mandava para o inferno
balançando seus
gordos e suados braços e gritando,
gritando pelo aluguel,
porque...''
- Bukowski! Aquele misógino. Tá brincando, né!
(e ela se vai embora...)
''...porque o mundo falhou com nós
dois.''
- (à parte) Na próxima o melhor é sugerir um filmezinho americano bem insidioso mesmo...
(confere a estante: e acha dois DVD's ianques:
Vivendo no Abandono e Por uma Vida menos Ordinária)
É, a vida tem dessas...
diz alguém em algum lugar
FIM.
Mais um.