A primeira vez
Quando se espera, os ponteiros do relógio ficam pesados e preguiçosos. Naquela hora, em que eu concentrava todos os meus medos e esforços na divina arte de esperar, os minutos caminhavam lentos. Até que ele, finalmente, chegou. Cumprimentou, encontrando-me já deitada e tensa. Sorriu afável. Aquele sorriso me desarmou. Porque o rapaz era bonito e gentil, sorria com cordialidade e até afeto, então, isso tudo seria um indício de que eu não precisaria ter medo dele. Mas eu me apavorava.
Fechei os olhos e fiquei esperando ele se preparar. Puxamos uma conversa fática, tola, enquanto ele andava pelo recinto, aprontando-se para a coisa toda que seguiria. Repeti para mim mesma que não havia motivo algum para ter medo, que se poderia, quando muito, ficar nervoso, o que era normal... Todos ficam na primeira vez e carregam um certo rubor pelo resto da vida, não é?
Ele então sentiu eu transpirar medo. Mas sorriu de novo, com a tranqüilidade de quem sabe o que está fazendo e sentou perto de mim, iluminando bem a sala.
Por meu gosto, ficava tudo uma treva só, para ser invisível, imperceptível e rápido. Por mim, nem começaria. Mas eu já estava ali, e ele tentava me acalmar. Quis bater em retirada. Pensei num jeito de fugir, porém era impossível; e, quando menos esperei, já estava deitada com as mãos dele no meu rosto, forçando-me levemente a abrir a boca. Fechei os olhos e rezei.
Pensando agora, aquele sorriso dele confirmava uma realidade que pude constatar: ele sabia muito, muito bem, o que estava fazendo. Foi rápido, indolor, profissional. Quando menos esperei, a voz segura dele já me chamava de volta ao mundo real.
- Pronto, acabei. Foi tão ruim assim?
Sorri, envergonhada do temor inútil.
- Não, foi até agradável... É que dizem que na dentina dói mais, doutor.
- Bobagem, depende do odontólogo... Uma obturaçãozinha de nada... Foi a sua primeira vez?
- Pois é...
Amenidades e despedidas.