JORGINHO

Jorginho era menino esperto para seus sete anos. Miúdo para a idade, corpinho franzino, fruto de uma alimentação precária.

Adorava estar na rua com os colegas soltando pipas, jogando bola e se divertindo nas vielas da comunidade.

Além da má nutrição, Jorginho ainda tinha outros problemas.

Numa casa de tapumes, moravam ele, os pais e três irmãos. Um irmão era bebê, e os outros dois, muito mais velhos, já assumiam responsabilidades de adultos, aos 12 e 13 anos de idade.

Como não podiam trabalhar com carteira assinada, devido à idade, os irmãos catavam papelão e latinhas vazias pelas ruas.

Seus pais achavam que ele também tinha obrigação de ajudar os irmãos, mas Jorginho só queria mesmo era brincar.

Vez por outra, os vizinhos ouviam seus gritos:

- Chega pai! Chega!

Apesar de mais novo, parecia que ele era o culpado por tudo o que acontecia de errado em sua casa.

Apanhava pelas notas baixas na escola, por não vir direto pra casa e ficar pelas vielas brincando e até quando os pais estavam insatisfeitos por outros problemas, qualquer motivo bastava para espancar o menino.

Certo dia, cansado de apanhar e de ser proibido de fazer o que gostava, tomou uma decisão: ia fugir de casa.

Esperou que todos dormissem, escolheu um lençol velho e amarrou com cuidado, algumas poucas mudas de roupas, juntou um pedaço de pão dormido sem manteiga, escondeu dentro de uma bacia velha junto a alguns pneus usados que o pai separou pra vender, voltou para a cama e fingiu estar adormecido.

Decidiu que só sairia quando o dia estivesse quase clareando.

Feito de caso pensado, ainda na escola, escreveu do seu jeito um bilhete para a mãe, em que dizia:

- Mãe, fui pra longe daqui. Aqui ninguém gosta de mim. bejos Jorginho.

Sem noção das horas, ainda na madrugada fria, saiu sorrateiro, pegou suas coisas e correu o mais que pode.

Julgava ser mais corajoso, porém a escuridão da noite e o abandono da estrada que escolheu como rota de fuga o atemorizavam.

Havia andado uns oito quilômetros. Esquecera de levar água e estava sedento e faminto.

Escolheu um pedaço de árvore para sentar-se e comeu com gosto o único pão que levara.

Enquanto isso, em sua casa, sua mãe despertara e foi para o fogão preparar o café fraco de sempre, para que tivessem algo quente para beber e logo foi chamar os meninos para irem à escola.

Só então percebeu que Jorginho não estava na cama improvisada em que costumavam dormir os três irmãos mais velhos.

Julgou que Jorginho, com atenção nas brincadeiras, tivesse saído mais cedo para escola para brincar um pouco antes do sinal de chamada.

De repente, na escola, na sala de aula dos outros dois irmãos, entrou a professora de Jorginho e perguntou aos meninos:

- Seu irmão adoeceu? Ele não veio à escola hoje.

Um deles respondeu prontamente:

- Deve estar fazendo gazeta professora. Deixe que eu vou falar com meus pais quando chegar em casa professora. Ele vai apanhar por causa disso.

Em casa, a mãe, envolvida com o bebê e a roupa que tinha para lavar, estava tranqüila, pensando que os outros filhos estivessem no colégio.

Quando foi organizar as roupas de cama do único cômodo que servia de quarto para todos, encontrou então, o bilhete de Jorginho.

Lia com dificuldade, porque uma de suas patroas ensinou-a a ler e escrever.

Embora tivesse certa dificuldade para a leitura, conseguiu entender as garatujas que o filho escrevera, mas ainda sem acreditar, saiu desesperada gritando pela vizinhança:

- Alguém viu o Jorginho por aí, minha gente?

Ninguém o vira.

Ainda desceu até a mercearia que ficava ao fim da rua, onde o menino gostava de ficar, mas não obteve qualquer notícia.

O pai havia saído para fazer um biscate como ajudante de obra. Era para carregar tijolos, carrinhos de areia, mas como sempre, nada de carteira assinada.

No horário costumeiro, os meninos chegaram da escola, correndo e gritando:

- Mãe, mãe! Jorginho não foi à escola hoje. A professora dele foi perguntar se ele “tava” doente.

- Procuramos no campinho, na casa dos amigos dele, mas ninguém “viu ele”, mãe!

A mãe então se lembrou do bilhete e pediu que os meninos lessem de novo.

Não, ela não tinha se enganado. Jorginho deixara mesmo um bilhete de despedida.

Vestiu-se correndo, pegou o bebê e foi até o trabalho do marido para contar o que houve.

O pai ficou furioso de ser importunado no trabalho e, não acreditando no tal bilhete, esbravejou:

- Volte pra casa mulher e vá cuidar das suas coisas. Quando eu chegar dou uma surra no moleque por estar faltando a escola. Deve estar pelo mundo soltando pipa.

Contrariada, a mãe foi para casa. Tudo o que podia fazer era esperar.

E Jorginho não apareceu atrás de comida, nem de água como era costume.

De repente, a mulher do dono do armazém veio correndo e gritando:

- Joana tem ligação pra você lá embaixo. Parece que é da polícia.

- Polícia? Surpreendeu-se.

- O que podem querer comigo?

E a mulher respondeu:

- Não sei, só queriam falar com você. Ainda me perguntaram se eu era sua parenta!

- Então vamos logo, concluiu Joana.

Ao atender ao telefone, indagaram:

- Quem é?

- Aqui é Joana.

-Senhora, aqui é da polícia, achamos um menino todo rasgado e machucado. Ele foi espancado e deixado numa estrada. Nós o encontramos quando fazíamos a ronda.

- Chegamos à senhora porque no bolso dele tinha a folha de um caderno com o nome da escola e fomos até lá para descobrir um contato. Foi a diretora do colégio quem nos deu esse telefone.

- Dê seu endereço que vamos buscá-la para levá-la ao hospital onde o garoto está internado.

Após a troca de informação, a mãe em prantos contou o ocorrido às pessoas da mercearia e foi correndo pra casa apanhar um agasalho para o bebê, que levaria com ela.

Avisou aos meninos que ficassem em casa esperando o pai, e dissessem a ele onde fora.

Chegando ao hospital, Joana ficou apavorada com o que viu.

Jorginho estava todo engessado, tinha duas costelas e uma perna quebrada. O rosto muito inchado com um hematoma no olho direito. Fora sedado e dormia.

A mãe pediu ao policial para fazer uma ligação para a mercearia, para avisar que não poderia ir para casa e que o pai fosse buscar o bebê e pedisse a sobrinha para ficar com ele.

Jorginho, podia ter tido complicações com as fraturas.

O menino ficou um mês internado em tratamento.

Contara à mãe que fora assaltado por meninos de rua, que pensavam que ele tivesse dinheiro ou alguma coisa pra vender.

Jorginho chorou muito e pediu desculpas aos pais pelo que fizera.

Para ele, ficou a lição de que mesmo que não tenha tudo o que deseja, melhor estar perto de sua família.

E para os pais, ficou a lição de que o espancamento não foi e nunca será uma forma correta de educar.

O diálogo é o caminho para a união de sua família.

OBS: Qualquer semelhança com os fatos ou nomes aqui relatados, é mera coincidência. A intenção é mostrar às crianças e pais, que violência só traz infelicidade.

A autora

Rio de Janeiro - Brasil

Maria de Fatima Delfina de Moraes
Enviado por Maria de Fatima Delfina de Moraes em 21/05/2010
Reeditado em 05/10/2011
Código do texto: T2271180
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