MENINA MALCRIADA

MENINA MALCRIADA

Uma menina malcriada vivia falando para sua mãe:

- Quando eu crescer vou embora trabalhar na cidade grande.

A mãe ficava triste ao ver a única filha falar daquele jeito.

- Filha, só tenho você e mais ninguém. Não pode me deixar sozinha aqui nesta fazenda.

Contudo, a mãe resolveu não dar muita importância ao que a filha dizia. Afinal, era só uma menina cheia de sonhos. Pensava que, mais tarde, iria descobrir que as coisas não eram assim. Que não poderia deixa-la e ir para a cidade. A mãe sabia que todas as meninas sonham com esta idade.

- Quando ela crescer vai voltar ao normal, esquecer-se de tudo. Nós vivemos da fazenda, se Lidia for embora, quem vai cuidar de tudo? E ainda mais, já estou com a idade avançada e não tenho mais forças como quando era jovem. Hoje, quem me dá forças é a Lidia. Se ela partir não haverá mais nada para fazer nessa vida.

Anos se passaram e Lidia se tornou uma bela moça. A mãe encontrava se num tempo de muita felicidade, como nunca havia estado em sua vida. Havia se esquecido das palavras da filha.

Ela não imaginava que, num belo dia, durante o jantar, teria uma surpresa daquelas. Nem que ouviria novamente da filha que amava mais que a própria vida, a notícia de que tinha decidido ir embora. Não teve palavras, ficou muda.

- Mãe, fala comigo! Gritava Lidia. – A senhora está me assustando!

- Lidia, novamente este assunto? Achei que você já tinha se esquecido desta bobagem.

A filha, disfarçando... – Mãe, o que a senhora achou do jantar? Eu mesma fiz.

- Tudo que você faz é importante para mim. Hoje fiquei muito feliz neste jantar porque eu lembrei de um jantar com minha família, onde estávamos todos juntos. Foi quando seu pai me pediu em casamento.

- Vamos para sala, sente-se ao meu lado. Tenho algo muito importante e difícil para falar com a senhora. É sobre meu sonho, esse sonho que tenho desde criança e que até hoje não deixei de sonhar. Não paro de pensar nisso e não via a hora desse dia chegar.

-Lidia, você é só uma menina!

-Mãe, eu já tenho 21 anos.

-Filha, você só é uma menina! Repetia.

- Me perdoa, mas tenho de ir para a cidade. Tenta me entender.

-Não consigo entender você indo embora e me deixando aqui sozinha nesta fazenda enorme. Esta fazenda é a sua herança. Não poderei cuidar dela sem você.

- Não se preocupe, já resolvi tudo. A Lourdes e o Mário vão ajudar com tudo aqui na fazenda até que eu volte para te buscar.

-Você sabe que não é a mesma coisa.

- Vou voltar logo, a senhora nem vai sentir a minha falta, vai ser como se eu estivesse por ai pela fazenda. Vai dar tudo certo, e enquanto isso, vou escrevendo para saber como está tudo. O que a senhora acha?

- O que eu posso falar? Vejo que já está com tudo resolvido. Sobre a fazenda, depois a gente vê o que fazer com ela. Se você quer assim não vou falar mais nada, a não ser te desejar toda a felicidade do mundo e te dar a minha bênção, minha pequena menina.

-Eu tinha certeza de que a senhora iria entender. Nunca vou esquecer. Eu te amo. Muito obrigada.

-Também te amo, filha.

-Então vou arrumar as minhas malas. Já comprei as passagens. Viajo amanhã cedo.

-Já Lidia? Você não me falou nada.

- Não quis te preocupar, deixei para falar na hora certa.

- Por isso você estava tão feliz...

-Sim mãe, estou feliz porque vou realizar meu sonho de criança.

- Eu estava adivinhando. Era muita felicidade.

No dia seguinte, ao acordar, Lidia estava inquieta.

- Já amanheceu, está na hora de partir, não sei se devo me despedir da minha mãe. Melhor não. Melhor sim.

A mãe estava nervosa. – Minha única filha indo embora, Não sei se quero vê-la partir. Sinto um vazio, uma tristeza como nunca senti, nem mesmo quando perdi todos da minha família.

-Mãe, até breve. Chegou a hora de partir.

-Lidia, espere. Não posso deixar de falar. Por favor, não vá embora. Não me deixe sozinha aqui.

-Mãe, por favor, eu já decidi. Não posso voltar atrás, porque se fizer isto nunca serei feliz. Perdoa-me.

-Então, se é mesmo isso que quer fazer, eu tenho de te entregar um presente. São as alianças da sua tia Luiza, eu ia te dar quando se casasse.

- São lindas, obrigada. Te amo muito. Tchau mãe.

-Adeus Lidia. Não vou revê-la. Estou pressentindo.

-Lourdes e Mário, tchau, cuidem bem da minha mãe.

- Pode ir tranquila que nós cuidaremos dela. Tchau.

-Dona Alice, não fica triste. Logo ela tá de volta, além do mais, não é tão longe assim.

-Não Lourdes, ela não vai voltar. Não vou revê-la.

-Vai revê-la sim. E breve. Vamos entrar, tomar uma xícara de chá e conversar um pouco. Logo vai se sentir melhor.

Lidia encanta-se com a cidade. -Nossa, como é linda e como tem tanta gente! Isso sim é morar bem.

-Olá, eu sou a Ana e ela é a Flor, muito prazer.

Lidia, prazer.

-Estamos hospedadas na Vila do Campo e você?

-Vou me hospedar na Cidade de São Nunca.

-Nossa, é muito longe. Fica com a gente, preciso de uma colega de quarto. Vai adorar o lugar. Então, o que acha?

-Aceito, vamos.

-É só pegar um ônibus e já chegamos. Lidia, o lugar é muito legal e é lindo.

-Verdade, é lindo mesmo.

-Eu disse. Vamos entrar em casa. Essa é a Dona Deise.

O tempo passou e Lidia se esqueceu de tudo que havia deixado para trás. Fez muitos amigos e começou a namorar um rapaz chamado Paulo. Estava muito feliz, só não imaginava que o tempo passaria tão depressa.

- Sabe Lidia, desde o dia em que te conheci me apaixonei por você.

-Eu também, Paulo.

-Nós já estamos namorando há tanto tempo. Que tal ficarmos noivos?

-Ótimo. Quer marcar a data?

- Sim. Que tal na quarta-feira?

-Está marcado.

-Agora posso conhecer sua família.

-Paulo, só tenho a minha mãe, que mora longe.

-E quando posso conhecer a Dona Alice?

- Na hora em que você quiser.

-Vamos na semana que vem. Está combinado. Além do mais, já faz muito tempo que não a vejo.

-Lidia, como você veio parar aqui, tão longe da sua casa e da sua mãe?

- Fui pulando de lugar em lugar e quando fui ver já estava muito longe de casa. O dinheiro era sempre pouco e não dava para voltar. Sinto muitas saudades dela.

- Então, temos de nos apressar para essa viagem. Não podemos perder nem mais um minuto. Vá logo arrumar suas malas. E enquanto a gente espera o dia da viagem, eu vou aproveitar e levar você para conhecer a minha mãe, Dona Aparecida, pois ela está louca de vontade de te ver.

- Está bem Paulo, vamos sim. Quero muito conhecer sua mãe. Podemos ir agora mesmo. Espere só um pouco, vou me arrumar.

Paulo e Lidia chegam frente à casa da mãe de Paulo e ela se emociona lembrando-se de sua mãe que está longe. Olha o jardim e é como se lhe fosse familiar. Sua casa ficava numa enorme fazenda, rodeada de canteiros e flores.

-Paulo, estou muito feliz por estar aqui, esse jardim é lindo. Faz-me lembrar da minha casa e da minha mãezinha. Ela é a coisa mais importante da minha vida e agora você também.

-Nossas mães são muito importantes porque só temos a elas, mas não fique triste, logo você vai rever a Dona Alice, e vamos trazê-la para morar conosco e ficaremos juntos para sempre.

-Sim Paulo, juntos para sempre.

-Aqui estamos Lidia, minha mãe vai adorar a surpresa.

-Mãe é o Paulo, trouxe lhe uma surpresa.

-Meu querido estou aqui na sala.

-Querida, não é a toa que Paulo apaixonou se por você, realmente você e linda!

-Prazer dona Parecida.

- Igualmente minha filha, como vai?

- Bem obrigada.

-Sentem meus filhos ao meu lado.

-Obrigada!

-Por que você está chorando, meu amor?

-Me desculpe Paulo, fiquei me lembrando da minha mãe, de como ela me tratava, sempre com tanto carinho e com tanta preocupação, e eu deixei que ela ficasse lá, sozinha durante todos esses anos, sem noticias minhas.

-Não chore, vamos vigiar no domingo e logo a verá. Tudo ficará bem.

-Paulo, a Lidia está muito nervosa, pegue um copo de água com açúcar para ela.

-Obrigada. Me desculpe, estou mesmo muito nervosa.

-Beba a água. Quer me contar o que houve?

-Há muitos anos não vejo minha mãe.

-E por que isso aconteceu?

-Ela mora longe e eu fui me distanciando, as coisas foram acontecendo quando fui me dar conta já era tarde. Queria poder voltar atrás.

-Não se preocupe minha querida, logo estará com sua mãezinha e tudo vai ficar bem.

-Tomara que a senhora tenha razão.

-Venha, vamos para a cozinha tomar um café.

Os dias se passaram e chega então a hora de Paulo e Lidia viajarem.

- Paulo, chegou o dia da nossa viagem. Estou muito assustada, nervosa e feliz ao mesmo tempo. Não vejo a hora de encontrar minha mãe e abraçar, dar muitos beijos e entregar todos os presentes que venho comprando para ela.

- Estou muito feliz por estar compartilhando esse dia de tanta alegria com você. Não fique assim tão nervosa, breve chegaremos.

-Olha querido, é aqui, onde eu morava, a nossa fazenda.

-Tem certeza? Não vejo nada além da cidade. Acho que você se enganou.

-Não posso ter me enganado, eu nasci aqui. Não posso ter me esquecido do lugar onde fui criada, do que plantava e colhia, dos animais que criava e vendia. Produzia muitas coisas aqui até o dia em que fui para a cidade grande. Todas as coisas que fiz não podem se apagar assim do nada.

-Você está certa, não podem se apagar assim. Realmente do modo como me contou é aqui mesmo. Venha, vamos ver o que aconteceu, vamos falar com alguém que você conheça.

- Pelo tempo que passou fica difícil me lembrar de alguém. Parece que passou um furacão por aqui. Está tudo tão diferente, não consigo entender o que houve.

-Olá, você é a Lidia, filha de Dona Alice ?

-Sim. E você é Mara, irmã da Vera?

-Sim. Você se lembra dela?

-Me lembro. Como poderia esquecer? Nós éramos grandes amigas.

-Nossa! Como você cresceu e ficou bonita. Já se passaram vinte anos. Quando você partiu eu tinha oito anos e minha irmã a sua idade, quinze anos. Me lembro da sua festa, por isso não esqueci a idade. Além do mais, todo ano temos de lembrar do seu aniversário que é junto com o da Vera.

-Eu tenho trinta e cinco anos.

-Eu sei. Vera também.

-Mara, como você tem tanta certeza?

-Não se lembra dos seus quinze anos? Ficou na história. Um mês depois você partiu.

-Sim, me lembro. E a Vera onde está?

-Casou-se e mora longe daqui. Ela me pediu que conversasse com você, mas não pensei que fosse demorar tanto. Na verdade, pensei até que não fosse voltar mais.

-Como poderia não voltar, se minha mãe mora aqui? E por falar nisso, onde está minha mãe e a fazenda?

-A fazenda foi a leilão há mui tempo, sua mãe não aguentou de saudades de você e ficou muito doente. Lidia,sei que está ansiosa para ver tudo mas preciso falar com você, vamos entrar um pouco. É só um instante, eu prometo.

-Está bem Mara, você sempre essa pessoa linda.

-Você também está linda. Se casou?

-Não, estou noiva.

-E você se casou, tem filhos.

-Não, eu não tive filhos e agora estou divorciada.

-Sinto muito.

-Desculpe, estou tão nervosa que nem apresentei: -Este é o Paulo.

-Eu sei que você está nervosa. Olha Lidia, com eu já disse sua mãe não suportou sua ausência, ficou muito doente e há um tempo atrás ela finalmente descansou em paz. Foi uma pena você ter chegado tão tarde e não poder mais vê-la.

-Meu Deus! Minha mãe!

-Todos nós a amávamos muito.

-Eu sei e agradeço pelo bem que fizeram tomando conta dela.

-Lidia, Vera me deu uma coisa da sua mãe para te entregar, disse que era um segredo muito importante.

-Mas o que é que tem nessa carta?

-Não sei , a Vera nunca me contou, mas queria falar algo porque sempre escrevia para aquele endereço que você deixou mas nunca vinha resposta, as cartas eram sempre devolvidas.Um dia ela foi te procurar nesse endereço, mas disseram que você nunca esteve lá. Durante muitos anos tentamos enganar sua mãe, mas ela chorava noite e dia e então no dia do seu ultimo suspiro disse apenas para que Vera lhe entregasse esta carta.

-Eu causei muito sofrimento. Não podia tê-la deixado sozinha assim tanto tempo. Eu a perdi e agora não tenho nem como pedir perdão.

-Leia as cartas. São uma forma de você saber sobre todos esses anos. Tenho certeza de que vai se sentir melhor, sua mãe sempre dizia que você era a coisa mais importante da vida dela e que queria que fosse feliz onde estivesse.

-Obrigada. Eu já vou embora então.

-Volte logo para nos rever.

-Voltaremos sim.

-Lidia não deixa de abrir a caixinha que sua mãe deixou.

-Lidia, você não vai ler a carta da sua mãe¿

-Paulo, não quero remexer no passado, ela sofreu muito por minha causa.

-Leia para que fique em paz, afinal a carta é da sua mãe.

-Não entendo como pude fazer isso, me envolver com tantas coisas e esquecer da minha mãe. Agora entendo o motivo dela repetir sempre que eu era só um menina, eu achava que já tinha vinte e um anos, mas na verdade só tinha quinze.

-Leia a carta e veja a caixinha que esta junto.

-Vou ler: -Querida Lidia, não deixe de abrir a caixinha, sua mãe disse que é uma coisa muito importante. Desejo toda felicidade do mundo.

-Abra logo e assim vamos descobrir qual é esse segredo.

-Tem uma carta.

- Querida filha, estou escrevendo porque sei que não vou vê-la mais. Tem um segredo que preciso te contar. Tudo começou assim: Os meus pais tinham uma empregada na fazenda e ela tinha uma filha da minha idade, a Luzia, nós crescemos juntas e éramos muito amigas. Na fazenda havia o José que também conhecia desde criança e um dia eu e José nos apaixonamos, nos casamos e fomos morar na fazenda dos pais de José. Quando os pais de José morreram, minha mãe não queria que eu ficasse sozinha e mandou que a Luzia fosse morar comigo. O que eu jamais poderia pensar é no fato de que ela e José virariam amantes. Naquele tempo não podia me separar para não magoar meus pais e fiquei casada assim mesmo durante muito tempo. No entanto, aconteceu algo inesperado, eu não podia ter filhos, mas Luzia acabou ficando grávida. Fiquei muito triste e preocupada, isso seria um escândalo e um desgosto muito grande para minha família, então José e Luzia me fizeram a proposta de criar você como se fosse minha filha, fiquei horrorizada, mas o sonho da minha mãe era ter um netinho e ai acabei aceitando. Nós viajamos para uma cidade desconhecida e ficamos lá até tudo se resolver. Luzia deu a luz a você e me entregou nos braços. Nós voltamos e eu apresentei você com minha filha, te dei o nome da minha avó paterna.

Essa, minha filha, é a sua história. Nunca contei a verdade para ninguém, o seu pai fugiu com a Luzia e me deixou sozinha na fazenda com você. Você deve se lembrar de um dia quando sua tia Luzia chegou, ela tinha ficado sozinha e me contou que seu pai havia morrido num acidente. Na verdade eu só tenho a agradecer a Luzia, ela me deu você e nunca contou nada para ninguém. Eu agradeço e perdoo. Fim.