Ana Luz Conhece A Morte

Ana Luz Conhece A Morte

O passa-tempo preferido de Ana Luz aos finais de semana era passear pelas ruas da cidade em companhia de seu cachorrinho – um pequeno vira-lata de cor preta que atendia pelo nome de Farolete.

Farolete apareceu na casa de Ana Luz quando ela ainda era bem pequena, foi logo acolhido pela família da menina e, dentro de pouco tempo, tornou-se um grande amigo dela.

Os dois eram tão amigos que Ana Luz até conversava com Farolete e, muitas vezes, chegava a jurar que ele também conversava com ela.

Todos os dias, assim que acordava, a primeira coisa que Ana Luz fazia – Depois de ver o Sol, é claro! – Era dar “Bom dia!” ao Farolete, que retribuía alegremente a saudação da menina que, para ele, era bem mais do que uma dona.

Conforme já foi dito no começo desta história, Ana Luz gostava muito de passear com Farolete pelas ruas da cidade nos finais de semana.

A menina esperava ansiosamente pela chegada do sábado, apenas, para poder dar uma volta pela cidade em companhia do seu querido amigo de quatro patas.

Os dois sempre faziam o mesmo trajeto.

Passavam pela casa do Sr. Clarêncio, iam até a residência do Sr. Clarindo, davam uma paradinha na mercearia de Seu Rosalino, seguiam rumo à farmácia do Dito e concluíam seu percurso na sorveteria do Denner, de onde voltavam, sorridentes, para casa.

Quem visse Ana Luz e farolete em seu semanal passeio matinal pelas ruas da pequena cidade que habitavam saberia, imediatamente, tratar-se de uma dupla formada por amigos inseparáveis.

Houve um dia, porém, em que as coisas se passaram de um modo bem diferente de como têm sido narradas até aqui.

Era sábado. Ana Luz havia acordado bem cedo, como sempre fazia.

Alegre, ela chamou por Farolete. Mas, ele não foi recebê-la como de costume.

A menina ficou bastante preocupada. Alguma coisa estava acontecendo com seu amigo e ela precisava descobrir o quanto antes.

Ana Luz andou por toda a casa à procura do seu companheiro canino. Buscou-o em cada cômodo da residência. Vasculhou cada canto do imóvel. Mas, só conseguiu encontrá-lo após quarenta e cinco minutos de incessante busca.

Farolete estava mal. Parecia triste e desanimado. Jazia fraco e debilitado, encostado à porta da despensa.

Desesperada, Ana Luz tomou o amigo nos braços e foi correndo chamar os seus pais.

Atentos ao desespero da filha e à grave situação em que Farolete parecia se encontrar, Dona Clarice e Sr. Lúcio, acompanhados por sua filha e, obviamente, por Farolete, dirigiram-se rapidamente ao veterinário que, depois de examinar atentamente o cãozinho e dizer uma porção de palavras incompreensíveis para Ana Luz, decidiu que o melhor que se tinha a fazer era manter Farolete internado por tempo indeterminado.

A tristeza tomou conta do coração de Ana Luz, que chorou sentida e copiosamente assim que soube que teria de deixar seu amigo na clínica e que não poderia fazer-lhe companhia em um momento tão difícil da sua vida.

Ana Luz havia aprendido que amigos eram aqueles seres que permaneciam juntos até nas horas difíceis. Sendo assim, ela não compreendia as razões que a impediam de permanecer junto do amigo até que ele ficasse bom.

Depois de ouvir com atenção as explicações dadas por seu pai sobre a importância de se manter Farolete internado, Ana Luz voltou para casa um pouco mais conformada.

Os dias foram se passando. Todos muito tristes para Ana Luz.

Ana Luz sabia que não estava sozinha. Tinha, ao seu lado, seus pais e seu irmãozinho Luciano. Porém, a ausência de Farolete fazia com que ela se sentisse uma menina bastante solitária.

Sem o costumeiro “Bom dia!” que sempre dava ao cãozinho, as manhãs pareciam ter perdido o sentido para ela. Nem ver o Sol Ana Luz queria mais.

O amigo aparecia em todos os sonhos da menina. Em todas as orações da menina, seu nome figurava.

Com o pensamento sempre em Farolete, Ana Luz sequer conseguia prestar atenção aos deveres da escola.

Em todos os desenhos que fazia, estava Farolete. Em todas as redações que produzia, Farolete lá estava.

Ana Luz temia que Farolete morresse. E foi, justamente, o que veio a acontecer.

A notícia da morte de Farolete deixou a menina chocada.

“O que será de mim sem o meu amigo de quatro patas? – perguntava-se a menina, tentando esconder um grosso nó que se formava em sua garganta. Nó que, pouco tempo depois, explodiu em sua alma e escorreu por seus olhos, sob a forma de grossas lágrimas.

“O que será de mim? – insistiu.

“Quem é que vai passear comigo pelas ruas da cidade, agora, quando o sábado chegar? Quem? A quem é que eu vou dar “Bom dia!” assim que eu acordar? A quem? Que droga de vida é essa que leva embora aqueles de quem a gente gosta? – esbravejou.

Dona Clarice, que, de longe, ouvia o desabafo da filha, aproximou-se dela lentamente e, com muito cuidado, a abraçou, envolvendo-a em suaves ondas de ternura, carinho e amor.

“Não fale mal da vida, minha filha! – disse Dona Clarice – Ela é um presente que Deus nos dá. Se o Farolete morreu, foi porque chegou a hora dele. Todos nós morremos um dia. O Farolete pode não estar presente aqui, com você, mas ficará vivo em todas as suas lembranças. Todas as vezes que você se lembrar dos passeios que dava com o Farolete, será como se ele estivesse ao seu lado.

A vida na Terra é muito curta, minha filha. Todos nós passamos por ela, apenas, por algum tempo. Depois, o nosso corpo pára de funcionar e nós a deixamos, com destino a outro plano.”

“Então foi isso que aconteceu com o Farolete? O corpo dele parou de funcionar e ele partiu para outro plano?” – indagou Ana Luz.

“Sim, minha filha. Foi exatamente isso que aconteceu.” – respondeu Dona Clarice.

“E a gente pode se visitar, o Farolete e eu?” – questionou a menina.

“Talvez, sim. Através dos sonhos.” – falou a mãe.

“Nossa! Que legal! Vou pedir, em minhas orações, que Deus me deixe sonhar com o Farolete de vez em quando.” – disse Ana Luz.

“Peça sim! Tenho certeza de que Ele atenderá o seu pedido! Só não faça isso todos os dias! Porque Deus é muito ocupado! Tem de atender aos pedidos das outras crianças! E dos adultos também!” – recomendou Dona Clarice.

“Tudo bem, mamãe! A senhora tem razão! Eu só vou pedir de vez em quando! Só nas horas em que eu não puder mais agüentar a saudade!” – concordou Ana Luz.

A conversa com a mãe fez muito bem à menina, em cujos lábios, passados alguns minutos, assistiu-se ao renascer de um lindo sorriso. Sorriso de aceitação que semeou felicidade no sono e nos sonhos de Ana Luz que, no dia seguinte, já havia recobrado sua habitual alegria de viver. Alegria que só aumentou, no dia em que seu avô Clarêncio lhe deu de presente um novo cachorrinho, ao qual ela deu o nome de Solar.

E foi assim que, aos oito anos de idade, a menina Ana Luz foi apresentada à morte e compreendeu que ela não passa de uma simples conseqüência da vida.

Hebane Lucácius