Ana Luz Deseja O Mundo

Ana Luz Deseja O Mundo

Ana Luz é uma menina de atitudes muito interessantes.

Já quis ter um raio de Sol somente para si.

Já percorreu toda a cidade à procura do endereço da Inspiração.

Mas, a primeira dessas atitudes, a que, talvez, tenha sido a mais interessante delas, ocorreu quando a menina ainda estava prestes a completar seus 4 anos de idade.

Na semana anterior ao quarto aniversário de Ana Luz, seus pais lhe perguntaram que presente ela gostaria de ganhar em comemoração à festiva data que se aproximava.

Ela, sem pestanejar, lhes respondeu:

“Eu quero ganhar o mundo de presente de aniversário!”

Assustados pela resposta que haviam acabado de ouvir, Dona Clarice e Seu Lúcio repetiram a pergunta, que, para o mais completo espanto do casal, tornou a ser respondida com a mesma tranqüilidade e com as mesmas palavras de antes.

“Eu quero ganhar o mundo de presente de aniversário!”

“Você tem certeza de que é esse mesmo o presente que você quer ganhar no seu aniversário?” – questionou Dona Clarice, impressionada pelas palavras da filha.

“Sim. É isso mesmo o que eu quero ganhar de presente no meu aniversário!” – respondeu Ana Luz, com um misto de firmeza e doçura que apenas as crianças são capazes de exibir na voz.

“E, se não tiver como lhe dar esse presente , o que você gostaria de ganhar no lugar dele?” – interrogou Seu Lúcio, buscando tornar mais fácil a questão.

“Se eu não puder ganhar o mundo, prefiro não ganhar nada!” – afirmou a menina, lançando, sobre as expectativas de seus pais, um tremendo balde de água fria.

A insistência de Ana Luz em querer ganhar o mundo como presente de aniversário pôs seus pais em um profundo estado de confusão. Pois, se, por um lado, eles sabiam ser impossível ofertar-se a alguém o mundo de presente, por outro, eles compreendiam ser necessário que se desse à menina algo que, aos olhos dela, pudesse, ao menos, se parecer com o mundo, ou, pelo menos, lembrá-lo.

Dona Clarice e Seu Lúcio puseram-se a pensar bastante. E, depois de muito pensarem, tomaram uma importante decisão. Decidiram recorrer ao homem mais sábio que conheciam, o Sr. Clarêncio, e agir de acordo com a opinião que ele lhes apresentasse sobre a questão.

“Se existe alguém que saberá nos ajudar a resolver esse problema do presente de aniversário da Ana Luz, esse alguém é ele. Se ele não conseguir, ninguém mais consegue. – pensaram, ao mesmo tempo, os dois, referindo-se, sem sombra de dúvida, ao Sr. Clarêncio.

Assim que tiveram a oportunidade, os pais de Ana Luz se encaminharam, mais do que depressa, à casa do Sr. Clarêncio, que, após recebê-los com um sorriso largo e luminoso, desses que parecem abraçar o mundo todo, acompanhado por algumas palavras amáveis e um abraço caloroso em cada um dos integrantes do casal, os fez sentarem-se ao seu lado e os ouviu atentamente.

Dona Clarice e Seu Lúcio contaram ao Sr. Clarêncio o estranho desejo da filha. Falaram-lhe também da insistência da menina em só aceitar o mundo como presente de aniversário.

O Sr. Clarêncio fixou sua atenção em cada uma das palavras ditas pelos pais de Ana Luz e, após fazer um curto instante de silêncio, moveu seu olhar em direção a Dona Clarisse e lhe disse, em tom calmo, porém, desafiador:

“Mais estranho do que o desejo insistente da Ana Luz me parece o fato de vocês não conseguirem realizá-lo! Você, Clarice, oferece, todos os dias, o mundo aos seus alunos e não consegue oferecê-lo à sua própria filha? Isso eu realmente não entendo! No entanto, fiquem descansados! Vocês podem voltar para casa despreocupados que eu me encarregarei de dar à menina Ana Luz, em seu aniversário, exatamente, o presente que ela quer ganhar!”

Confuso, porém, mais calmo, confiando firmemente na inquestionável sabedoria do Sr. Clarêncio, o casal retornou à sua casa.

Como sempre acontece, o tempo passou.

O dia do aniversário de Ana Luz chegou e, com ele, logo pela manhã, o avô da menina, trazendo nas mãos um grande e pesado embrulho.

Vendo, nas mãos do avô, um embrulho tão pesado e grande, Ana Luz encheu-se de curiosidade, aproximou-se do Sr. Clarêncio e, entre os dois, deu-se a seguinte conversa:

“O que é isso que o senhor trouxe? É presente pra mim? É, vovô Clarêncio?”

“Sim, minha netinha querida! É isso mesmo! Um presente para você!”

“É o mundo, vovô? O senhor trouxe o mundo pra mim?”

“É o mundo sim, Ana Luz! Sua mãe, seu pai e eu trouxemos o mundo para você, como você pediu!”

As últimas palavras do Sr. Clarêncio fizeram brilhar de felicidade os olhos da menina que, apressada, contando com a ajuda dos seus pais, abriu o pacote, o qual, para a surpresa de Dona Clarice e Seu Lúcio, e, para a irritação de Ana Luz, continha uma porção de livros. Livros pequenos, médios e grandes. Livros grossos e finos. Livros cheios de histórias e de figuras.

“Mas, isso não é o mundo! É só um monte de livros! Não foi esse o presente de aniversário que eu pedi! Eu pedi o mundo! Eu quero o mundo! – falou Ana Luz, aos gritos.

O Sr. Clarêncio esperou pacientemente pelo silêncio da neta e, logo que tal silêncio se fez, disse ele as frases que se seguem:

“Você está errada, Ana Luz! O que há neste pacote não é só um monte de livros! É o mundo! Porque os livros, com suas histórias e imagens, nos fazem conhecer o mundo inteiro! Cidades próximas, países distantes e até lugares que a gente pensa não existirem, tudo isso nós podemos conhecer pelos livros! Eles nos levam a vários destinos sem que a gente precise sair do lugar. É como se alguém pusesse o mundo todo em nossas mãos! Você me entendeu, querida netinha!”

Ana Luz entendeu perfeitamente o que seu avô havia acabado de lhe dizer e, daquele dia em diante, passou a valorizar os livros e a tratá-los como um tesouro.

Em princípio, a menina pedia todos os dias a seus pais que lessem para ela. Depois, ela aprendeu a ler. E nunca mais parou.

Em seguida, começou a escrever suas próprias histórias. E, com o passar dos anos, transformou-se em uma grande Escritora, a exemplo de seu avô Clarêncio.

Hebane Lucácius