SAPATINHO DE LÃ

Outro dia encontrei um sapatinho de lã caminhando sozinho (geralmente eles andam aos pares). Não sei se era um sapatinho de menino ou menina. Não era rosa, nem azul, o que talvez já desse uma pista sobre o seu gênero. Era um sapatinho verde, de lã macia, mas estava gelado, não havia nele calor humano ainda.

Tinha o laço desfeito. Talvez nem tivesse recebido, ainda, um laço, quem dera sentira um cheiro, um afago, um abraço. Sapatinhos de lã inspiram tudo isto, mas este estava perdido. Tinhas pelos desfiando e havia nele uma gota (de chuva ou lágrima, eu não saberia dizer). Pensei: - será que a vovó que o tricotou gotejara lágrimas emocionadas de amor? Será que já se passara muito tempo, desde que ele se perdera? Caíra de alguma bolsa ou de algum pezinho infantil e se soltara por estar desamarrado? Em todos estes fatos, eu pensei, quando o vi.

Não resisti e recolhi o pobrezinho levando-o para casa. Sei que ficará eternamente órfão dentro de uma gaveta, porém não estará mais ao relento perdido. Vez ou outra eu posso acariciá-lo pensando em meus filhos crescidos que foram construir seus ninhos e nos meus netos (alguns também já crescidos).

Quem poderá dizer qual o pé ele iria agasalhar. Qual o bebê ficou com um pé descalço e gelado quando o sopro de uma brisa tocar seu corpo?

Eu sinto arrepios toda vez que sinto o vento na janela e percebo que o sapatinho verde de lã não serve em meu pé...

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14.03.19

MÁRIO FEIJÓ
Enviado por MÁRIO FEIJÓ em 15/03/2019
Reeditado em 14/06/2019
Código do texto: T6598760
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