A INDIFERENÇA HUMANA DIANTE DO SEU IRMÃO

A INDIFERENÇA HUMANA DIANTE DO SEU IRMÃO

Uma adapção do conto

de M. C. Garcia no seu livro

POVAREJO

"Conto da Indiferença"

por: Rosa Regis

Comecinho de semana

O Domingo já se foi

Levando consigo o ócio.

...

Grande e Bom Deus do Universo

Que tudo faz, tudo cria,

Me dê a capacidade

Pra que eu, com alegria,

Possa recontar em rima

Um conto de M. C. Garcia.

Um conto que está contido

No seu livro: POVAREJO,

O primeiro, cujo título

É INDIFERENÇA. E o desejo

Que tenho de prosseguir

Fará que eu possa atingir

Àquilo que tanto almejo.

...

Final de um dia de ócio

Onde o crepúsculo fenece...

E o relógio do tempo,

Pela Lucina, esclarece:

Já são mais de vinte horas.

Já foi-se a hora da prece.

Somos privilegiados

Com uma noite de verão

E a leve brisa do mar

Adentra o nosso portão

Embalando, docemente,

Nossa rede de algodão.

Sentimos um arrepio

Quando acariciados:

Eu e nosso pequenino

Filho, que está ao meu lado.

Mas é um frio gostoso!

Com gosto de mar salgado.

Com a porta entreaberta,

Facilitando a entrada

Da leve brisa marinha,

Faz que eu, numa piscada

De olhos, veja uma coisa,

Para mim, inusitada:

Um vulto... uma coisa estranha,

Velozmente, vi passar.

- Aquilo não era o vento!

Vi-me, assim, a matutar.

- Seria algum animal

Buscando a fome matar?

Aconteceu bem ali!

Debaixo do meu nariz

E do da mãe do pequeno,

Que, bastante aflita, diz:

- Querido, viu o que eu vi?

E um sim com a cabeça, fiz.

E, intuitivamente,

Sem hesitar, respondi:

- Foi um gato, minha filha!

Porém, no íntimo, senti

Que não era o que eu pensava

Daquela coisa que eu vi.

Porém, Yrla, que é o nome

Da mãe do nosso filhinho,

Resolveu passar a limpo

Aquilo, e, de fininho...

Aproximou-se da porta...

E, aí, ouvi um gritinho:

-Meu Deus, um homem! Gritou.

Já meio desesperada.

Pois que o “bendito homem”

Já havia dado entrada

À nossa casa, e no alpendre

Fitava-a, sem dizer nada.

Embasbacado, fiquei,

Vendo tal ser, matutando:

Aquilo seria um homem?...

Deus meu! Que estou pensando?

O bípede andava de quatro,

À parede se escorando.

Era mesmo feito um bicho!

Lembrou-me Manoel Bandeira!

Foi em direção ao lixo

Como coisa corriqueira.

Para ele parecendo

Não ser essa a vez primeira.

E enquanto escavucava

O latão lá no quintal,

Cheio de lixo, eu ficava,

Com a mente em salto mortal,

Buscando entender aquilo

Para mim, fenomenal.

Eu observo o tal “bicho”

Cheio de admiração

E imagino o quanto ele

Encolhera-se, então,

Para conseguir passar

Entre o portão e o chão.

O larápio esfomeado,

Pele e osso, um quase nada,

Induzido pela fome

Venceu fácil a empreitada

Na penumbra da noitinha

Buscando o lixo e mais nada.

Infinda era a sua fome!

O seu corpo deixa ver

Inanição esquelética

Que me faz emudecer.

Como um ser naquele estado

Consegue sobreviver?!

Na rede estava deitado.

Na rede permaneci.

Brincando com o meu filhinho,

Recolhido... refleti:

- Minha nossa!... “A fome cega”!

E a frase repeti.

Enquanto eu pensava, Yrla,

Desesperada, assustada,

Com aflição me chamava

Pra resolver a empreitada

Pegando a pobre criatura

Que ali estava acuada.

Pois é que, àquela altura,

Já tinha sido expulsada

Por outra que não deixara

Que ela, pobre coitada,

Se alimentasse dos restos

Dos quais já estava apossada.

Pois o dono do latão,

Um inato predador,

Em sua essência antropófago,

Parece que algum fator

Modificou-o e, dos restos,

Tornou-se um consumidor.

Na sua forma de ser

Teria que procurar

Sua própria presa/alimento:

O com que se alimentar.

Porém, algo em si mudou:

Ele parou de caçar.

E agora, insatisfeito

Com a presença do invasor,

Do esquelético alienígena,

Com as entranhas, com ardor,

O dono do lixão luta

Como um auto-defensor.

Ali está sua vida,

Ou o seu sobreviver.

Não precisa procurar.

E vê, pois, aparecer

Um estranho. E poderia

A situação torcer.

Mas, eis que, de chofre, surge

Alguém que o muro saltou!

E, ao intruso faminto,

Sem qualquer dó, enxotou:

Mandando-o de volta à rua,

Lugar que o originou.

E aí, mais uma vez,

O homem vê-se obrigado

A encolher-se em nicles,

Sem ter a fome matado,

Passando sob o portão.

Triste. Decepcionado.

Com a barriga vazia

E vazio o coração,

Até a alma... faminto

De paz e alimentação.

Falta-lhe tudo na vida:

A paz, o amor, o pão.

E eu... na rede... a pensar...

“O lixo também é pão...”

Enquanto aquele coitado,

De volta, sob o portão

Passa com a velocidade

Tal qual a sombra, então.

Só que, agora, demonstra

Um desespero sem par:

O alimento almejado

Não conseguiu alcançar.

E, com as forças que lhe restam,

Demonstra isso, a gritar.

E o seu grito estridente

É de cortar coração!

Até dos mais insensíveis,

Que acham que bem estão

“Alem do Bem e do Mal”,

Além da Fé e da Razão.

Eu, inerte em minha rede,

Com meu filho a balançar.

Yrla, na porta, parada!

Parece ainda esperar

Que eu saia do meu marasmo

Para o invasor expulsar.

Mas sequer movi um dedo

Para sair de onde estava!

E, ainda a balançar-me,

Vi o homem, que passava,

Quase que a chorar, correndo

Do outro que o rebocava.

Pois estava sendo expulso

Pelo “dono” do lixão,

Um seu igual que, também,

Tinha o lixo como “o pão

de cada dia”. E não dava

Pra dividir pra dois, não.

E, eu, particularmente,

Comigo mesmo a pensar:

Ficara muito contente

Em não ter ido pegar

Aquele pobre coitado.

Mas algo pôs-me a intrigar.

Pois, mesmo me parecendo

Ser insignificante,

Aquele vulto chamou-me

A atenção no instante

Em que o vejo passar.

É algo mesmo intrigante.

É que eu tive a impressão...

Forte impressão! De ter visto,

Tanto num como no outro,

E eu não esqueço disto:

Rabos longos – longas caudas.

Seriam, pois, o anti-Cristo?!

Isto foi a única coisa

Que eu pude observar,

De soslaio, nos tais seres,

Que me pareceram estar

Fora da realidade.

N’outro plano se encontrar.

...

“Mas quanta indiferença”!

Disse Yrla, ao se voltar

Para mim, com um sorriso

Que me pôs a duvidar:

- Será mesmo que dormi?!

E tudo isso que vi

E ouvi, foi a sonhar?

Natal-RN – 2007

Poetisa: RECANTO DAS LETRAS; DEL MUNDO; GOLOBOONLINERS; ORKUT; SPVA/RN-Socied. dos Poetas e Afins do RN; AEPP/RN-Associação Estadual de Poetas Populares do RN; UNICODERN-União dos Cordelistas do RN-Casa do Cordel...

Rosa Regis
Enviado por Rosa Regis em 17/11/2008
Reeditado em 03/06/2010
Código do texto: T1287511
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