Treze anos - Primeiro Beijo

Ele subia a rua ofegante, não por estar cansado, mas por puro nervosismo. Não se cansaria por subir aquele morro leve depois de jogar futebol todas as tardes e correr tanto. Não, para ele aquilo era pouco. Poderia subir o morro a toda velocidade quantas vezes quisesse e ainda voltaria para casa como um raio. O que o deixava ofegante, com o peito arfando por preocupação e ansiedade, era seu objetivo naquele dia. Era um dos momentos mais importantes de sua vida, uma das atitudes mais maduras que tomaria. Passaria uma grande fase de sua vida depois disso e os colegas nem poderiam rir dele mais.

Foi subindo enquanto sentia as mãos suando e as esfregava com tanta constância que parecia uma criatura obcecada ou talvez um louco próximo de um ataque de histeria. E ele estava próximo de um colapso, afinal, não sabia se ela realmente estaria o esperando. E se ela fosse embora antes que ele chegasse. Mais do que depressa, olhou para o relógio para verificar as horas. Chegaria a tempo. Com certeza chegaria a tempo, pois estava adiantado meia hora.

Foi então que outro pensamento passou por sua cabeça. E se estivesse chegando cedo demais? Ela poderia achar que ele estava indo com muita sede ao pote. Só poderia ser. Talvez fosse melhor se atrasar. Nervoso, parou e mordeu os lábios enquanto apertava as mãos e esfregava os dedos. Estalou um por um começando pelo indicador enquanto imaginava qual seria a decisão correta. Olhou para frente e viu as árvores da praça começando a aparecer. Meus Deus! Ele estava muito perto. E se alguém o visse ali e contasse para ela o quanto ele chegara cedo? Olhou para os lados procurando alguém mas não achou nenhum conhecido. Ao menos nenhum conhecido dele.

Mas o problema foi quando olhou para a esquerda. Ficou ainda mais branco quando viu um cachorro do tamanho de um bezerro encostado no muro baixo. Quando a boca dele se abriu para latir, o garoto já havia saltado com tanta rapidez e força que quase entrou em órbita. Ficou com raiva do animal e gostou, pois era uma distração. Pararia de pensar tanto nela e conseguiria raciocinar. Mas, segundo seu irmão mais velho, garotos da idade dele não sabiam o que significava raciocinar, apesar de alguns saberem pronunciar a palavra. O primogênito dizia que havia uns tais hormônios que não o deixariam pensar por um bom tempo.

Ele olhou para o cachorro enquanto tentava decifrar o que eram os hormônios. Será que eram aqueles idiotas que sentavam no fundo da sala e ficavam jogando bolinhas de papel e não deixavam prestar atenção na aula? Já era ruim na matemática e ainda tinha que agüentar os hormônios. Mas talvez eles fossem outra coisa. Talvez os hormônios fossem o desejo que tinha de olhar a cada segundo para elas... ou melhor, para ela, pois só queria ela. Adorava quando passava perto e sentia seu cheiro ou via seus cabelos brilhantes. Aquilo era melhor do que jogar futebol no domingo à tarde. Seu coração quase explodia no peito quando ela o olhava e dava vontade de gritar para os quatro ventos que se a tivesse, não precisaria de mais nada, nem do futebol. E tudo por causa desses tais hormônios. Será que os hormônios eram aqueles garotos com asa e arco e flecha que deixavam as pessoas apaixonadas?

Esqueceu do cachorro enquanto pensava nela. Esqueceu do encontro enquanto a via em sua mente, andando pela sala junto com as amigas. Estas eram apenas outras, apenas figurantes que desapareciam quando ele a via. Era como ver o sol e perceber que se as estrelas não apareciam durante o dia, era porque a luz dele não deixava. Essas garotas eram assim. Só existiam para ele quando ela não estava lá. Só quando a luz de sua vida não aparecia.

Não foi à toa que ele escreveu um poema e deixou debaixo da carteira dela há algum tempo. O problema é que ela não leu, pois o papel ficou preso em um chiclete e continuaria lá se ele não tirasse. Pensou em entregar para ela, mas ficou tudo rasgado o que o fez desistir. Acabou indo jogar futebol, pois não havia hormônio que o fizesse caprichar tanto na letra de novo e pensar em um poema mais uma vez.

Isso o fez se lembrar que deveria ter pensado em algo para falar com ela ou que deveria ter levado um presente. Tentou improvisar, mas o cachorro estava latindo muito e parecia até os hormônios, pois ele não conseguia pensar com aqueles latidos raivosos na cabeça. Nervoso, ele foi até o portão e o chutou com força, para ver se o cachorro parava. O cão emudeceu-se por alguns segundos e ele ficou feliz, pois poderia pensar em outras coisas.

Sua felicidade durou pouco tempo. Cometera um erro grave, pois ao chutar o portão, acabara o abrindo. Ele viu isso quando notou o focinho preto daquele cachorro começando a passar pela fresta. Ficou gelado de medo e suas pernas começaram a se mexer antes que ele pudesse pensar no que estava acontecendo. Sua cabeça quase ficou para trás enquanto os pés se adiantavam na fuga.

Os latidos que o perseguiam aumentava seu embalo, fazendo as pernas correrem como se estivesse com a bola nos pés e tentasse passar pela zaga e chegar ao gol. O problema é que aquele zagueiro que o perseguia estava a fim de ganhar um cartão vermelho. E esse vermelho viria de dentro dele. Isso se o amarelo, feito pelo medo, não se espalhasse por suas calças antes. Chegou a praça antes do que imaginava, sem pensar nos seus planos, mas preocupado com a situação humilhante. Ao menos não havia ninguém na rua observando.

Para fugir do cachorro, ele pulou a cerca que separava os jardins e começou a correr no meio das plantas, preocupado mais com sua segurança do que com o bem estar das flores. Tropeçou de susto quando ouviu mais um latido. Olhou para trás e viu o cachorro latindo, saltando a cerca. Ele estava caído e sentiu que era seu fim. Um fim trágico para um dia tão cheio de expectativas.

Começou a pegar o que aparecia em suas mãos, desde flores até pedras e arremessou tudo o que podia. O cão foi avançando mais devagar e quando ele viu, só tinha na mão um monte de flores que colhera de qualquer maneira. Fechou os olhos e rezou como rezava para seu time não perder nos clássicos. Então, quando abriu os olhos, o cachorro havia ido embora. Ele se perguntou por que isso não funcionava durante os jogos enquanto se levantava irritado.

Não adiantara tomar aquele banho caprichado, o mesmo banho para ir à missa. Agora suas roupas estavam sujas, o cabelo revolto e espetado. Até suas mãos e face estavam cheias de terra. Isso sem contar o fedor de suor. Como se não bastassem as mãos suadas pelo nervosismo, agora fedia mais do que sua meia depois do futebol. Desanimado, sentou-se em um banco e ficou pensando até ter coragem para levantar a cabeça e ver os cabelos dela.

Sentiu-se minúsculo apenas por vê-la de costas, apenas por ver que ela estava ali o esperando com mais ninguém por perto. Olhou para sua própria sujeira, enquanto um vazio tragava todo o calor de seu corpo. Havia um gelo no estômago que o deixava nauseado. Tremia só de pensar no quão perto estava de ficar sozinho com ela. Mas havia um problema... fracassara em tudo naquele dia. Fora pior do que seu time de futebol no final do campeonato. Correra, ficara suado e fedido para, no fim, sair derrotado daquele jogo difícil.

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Ela não sabia se deveria chegar cedo. Se chegasse muito cedo, ele poderia pensar que estava com uma garota fácil, que não seria problema conseguir alguma coisa com ela. As amigas haviam alertado para se fazer de difícil e não deixar que ele a tocasse até que visse seus olhos brilhando de vontade. Na verdade, ela nem sabia para que isso, já que o tempo todo os olhos dele pareciam dois faróis apontando para ela. Eram quase como câmeras registrando tudo o que fazia. E ela não poderia dizer que achava aquilo ruim. Sentia-se bem com aquela admiração.

O modo como ele a observava a fizera passar as últimas duas horas escolhendo a roupa e se arrumando, pensando que ele notaria todos os detalhes. Estava errada, pois tudo o que ele veria seria sua pele, inclusive a que estava debaixo da roupa, pois essa ele imaginaria. Depois de se arrumar, ela saiu de casa nervosa, preocupada com o cabelo que poderia atrapalhar e estragar todo o encontro. Cabelo atrapalhado era uma das coisas mais terríveis do mundo. Era capaz de acabar com a fama de uma mulher da idade dela.

Chegou cinco minutos atrasada e ele não estava lá. Sua face ficou enrubescida pela raiva, pois ele não estava se preocupando tanto com o encontro. Ou isso ou acontecera algo de muito ruim. Talvez houvesse desistido e não a quisesse mais. Será? Quase desabou pensando em como seria terrível ser rejeitada daquele modo. Principalmente por ele, que sempre a tratara com tanto carinho. Ao contrário dos outros garotos, nunca dissera nenhuma besteira ou palavrão para ela. Na verdade, nunca falara nada assim porque mal conseguia abrir a boca ou pensar em uma frase coerente quando ela estava próxima demais e seu cheiro chegava a suas narinas.

Esperou mais um pouco e, de repente, começou a chover, o que a deixou ainda mais nervosa e a fez prometer que nunca mais olharia na cara dele. Pelo menos não até a próxima aula de biologia em que eles fariam um trabalho em grupo. Nervosa, virou-se para ir embora. Tinha vontade de gritar, pois agora sua roupa nova e seu cabelo estavam acabados. Aquela fora a maior humilhação de sua vida. Precisaria encontrar uma boa desculpa para as amigas no outro dia ou todo o futuro de sua vida social estaria comprometido. Pensando no que escreveria em seu diário, ela começou a ir embora, mas parou quando ouviu seu nome no meio da chuva. Seu corpo parou e todos os pensamentos desapareceram de sua cabeça enquanto virou-se para vê-lo correndo no meio daquela tempestade. Ele tinha um buquê na mão e adiantava-se sem se preocupar em estar molhado, estendendo a mão para ela e a observando com aquele típico olhar apaixonado. Sua aproximação foi linda e tão romântica que a fez se esquecer de todas as promessas e toda a raiva.

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Ele a viu indo embora e seu coração quase parou quando notou que a perderia, mas imaginou que seria pior aproximar-se dela com naquele estado. Então, para sua sorte, começou a chover. E choveu muito! Nem precisou rezar para aquele milagre, mas necessitou de muita coragem para se levantar do banco e pensar em correr até ela. Talvez tenham sido os hormônios ou os latidos do cão, mas mais tarde ele acreditaria que fora seu amor que o fizera correr como um louco para senti-la ao menos um pouco mais perto. Ele ainda estava segurando os restos das flores do jardim e até se esquecera de jogar fora.

Quando percebeu que estava com aquilo na mão, não havia mais tempo de jogar fora e nem de pensar em qualquer outra coisa, pois ela parara ao ouvir seu chamado. Então tudo o que existia no mundo era aquela forma perfeita no meio da chuva, que o faria correr de um cachorro e perder o jogo de futebol. Era ela que o deixaria com as mãos suadas e a boca seca todos os dias, não importando o quanto a visse.

Diminuiu a velocidade e quase caiu, adiantando-se e colocando as mãos para frente para se equilibrar. Ela riu quando ele assim o fez e estendeu os braços, retirando as flores de sua mão. Ele sentiu as faces quentes ao notar o sorriso naquele rosto iluminado que o fazia crer que nascera para conhecê-la.

A garota abraçou o buquê e se aproximou mais um pouco. Então ele começou a tremer como nunca. Quando ficasse mais velho, poderia pensar que era por causa do medo do cão que agora vinha cobrar o esforço da corrida ou por causa do frio da chuva, mas naquele dia, se tremia era por amor, era por querê-la e ter medo de ser rejeitado. Foi com um movimento vacilante que pegou na mão livre dela e viu outro sorriso, um sinal para que pudesse se aproximar ainda mais. Tentou falar alguma coisa, que ela era bonita ou o que sentia ou do jogo de futebol que estava perdendo, mas não conseguiu que a voz saísse naquela chuva.

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Ela adorou as flores, ainda que estivessem molhadas e um pouco surradas. Mas aquela cena parecia de filme. Nada poderia dar errado. Ela sentiu isso quando a mão dele a tocou. Não percebeu o quanto o garoto estava trêmulo porque ela também tremia.

A boca dele se abriu para falar algo. Os lábios tremeram como sempre acontecia quando ficavam frente a frente, só que agora eles continuaram se abrindo para soltar algumas palavras enroladas. A chuva não a deixava entender direito, mas ela juraria mais tarde que aquela fora a primeira vez que ouvira alguém falando que a amava. E ninguém mudaria essa sua história, pois seria a primeira marca de sua vida.

Foi então que entregou seus lábios para serem tocados no primeiro e esperado beijo. Sentiu-o se aproximar molhado. A água escorria por seus rostos enquanto se tocavam e seus corações se pronunciavam em seus peitos como se também quisessem se tocar. Braços hesitantes fecharam-se sobre o corpo dela e a puxaram para mais perto. As flores machucaram os dois, mas eles não se importaram e com esse detalhe que desaparecia de suas histórias. O que importava era apenas o primeiro e apaixonado de beijo, uma jura de amor silenciosa que eles não sabiam se cumpririam mais tarde, mas que, naquele dia, era o que havia de mais importante em suas vidas.