O JULGAMENTO DE PÁRIS

O JULGAMENTO DE PARIS

(Compilação da mitologia grega, particularmente de Hesíodo, Pindaro e da escola

dos aedos que se intitulavam Os Filhos de Homero. )

(Adaptação e versão poética de William Lagos, 26 FEV 15)

O JULGAMENTO DE PÁRIS I

Dentre as Nereidas era Thetys a mais bela

e dominava sobre as demais cinquenta,

gráceis filhas de Nereu, o soberano

do Oceano, por herança de seu pai,

Okeanos, o regente da procela

e de sua mãe, também Thetys, que se atenta

filha de Uranos e de Gaia, sem engano,

o Céu e a Terra, como Hesíodo narrar vai.

É bem comum que se faça confusão

entre a avó titanesa e a linda neta,

cobiçada por Posêidon e por Zeus,

que os mares cruzava num golfinho,

a despertar entre os deuses a paixão,

até um oráculo proclamar frase indiscreta

de que seu filho, mesmo sendo o pai um deus,

seria ainda maior em seu caminho.

Zeus e Posêidon logo se arrepiaram;

caso a tivessem, a engravidariam

e nos seus tronos seriam substituídos;

não queria Posêidon entregar-lhe o mar;

reuniu-se a Zeus e ambos conspiraram:

marido humano então lhe arranjariam,

para que o filho por ela concebido

a nenhum dos dois pudesse destronar...

De fato, possuía Zeus heroico neto,

conhecido como Pélion ou Peleus,

filho de Éaco e de Endeis, sua esposa,

gerado pelo deus com a ninfa Egina;

Com seu irmão Telamon sincero afeto

reunia Peleus; mas outro irmão, Foqueus,

morreu no treinamento de luta vigorosa

com Telamon, como Píndaro nos ensina.

O JULGAMENTO DE PÁRIS II

Mas foi Peleus pelo seu pai banido,

por ser achar implicado nessa morte

e não ter impedido esse acidente

e assim os dois Egina abandonaram,

real amor entre os irmãos nutrido,

quando ambos afirmaram, de igual sorte

terem sido o culpado e inocente

o seu irmão; e o julgamento atrapalharam.

Assim o pai decretou o banimento

de ambos filhos, comovido ao extremo;

que só voltassem após se purificarem

do fratricídio cometido por acaso;

Telamon foi buscar o acolhimento

do rei Cicreu, sentindo amor supremo

pela princesa Peribeia e, após casarem,

geraram Ajax o Grande e Teucro o Bravo.

Já Peleus foi em Fítia refugiar-se:

com o rei Eurítion alcançou favor,

que não somente o purificou,

mas igual lhe deu a filha em casamento,

a bela Antígona, que após casar-se,

deu à luz Polidora, em grande amor;

mas o Destino novamente o assaltou:

numa caçada matou o sogro, em desalento!

Ambos buscavam atingir um javali,

aproximando-se de lados diferentes:

Eurítion com longa lança armado

e Peleus rápidas flechas a lançar;

mas veio o vento para soprar ali

e uma flecha desviou, por inclementes

disposições das Moiras e transpassado (*)

foi o sogro, após a fera derrubar!...

(*) Moiras ou Parcas eram as três deusas do Destino.

O JULGAMENTO DE PÁRIS III

Outros presentes presenciaram o ocorrido

e claramente era morte acidental,

mas foi banido por oito anos, novamente

e junto ao rei Acastos foi-se refugiar;

o deus Éolo foi por Zeus absolvido,

culpa das Moiras tal desvio mortal

e Acastos purificou-o, incontinenti,

as próprias tropas lhe dando a comandar. (*)

(*) Os reis podiam purificar os culpados mediante rituais e sacrifícios.

Éolo era o deus do Vento.

Mas a rainha, chamada Astidomeia,

movida por ciúmes ou despeito,

a Antígona enviou um mensageiro,

dizendo que Peleus a iria repudiar...

Assim querem os aedos a epopeia

justificar, cada um ao próprio jeito;

pois Antígona, acreditando bem ligeiro,

em um carvalho acabou por se enforcar!

Porém Peleus, a notícia recebendo,

não quis casar com a filha do outro rei

e então partiu, solitário em seu vagar;

tornou-se amigo de Hércules, o semideus

a seu lado nos trabalhos combatendo;

queria das Moiras escapar da lei:

que javali feroz o viesse a estripar,

pois não queria matar outro dos seus!

E juntamente com seu amado irmão,

Telamon, foi reunir-se aos Argonautas,

na heroica busca pelo Tosão de Ouro,

que da Cólquida finalmente foi roubado;

anos depois, participou da expedição

contra Tróia, já descrita nas mil pautas

da Ilíada, em que buscou reunir tesouro,

sem ter a Fítia finalmente retornado...

O JULGAMENTO DE PÁRIS IV

Mas isso foi depois. O seu mentor,

Quíron, o Centauro, o veio aconselhar

a Fítia retornar, onde achou agonizante

o Rei Acastos, que o nomeou herdeiro;

Astimodeia, a viúva, em vasto amor,

o queria, finalmente, desposar,

em garantia do trono, nesse instante,

mas uma febre a fez morrer primeiro.

Zeus o escolhera, porém, já de antemão,

para marido de Thetys, a formosa

e por Quíron enviou o sua mensagem:

que a buscasse em gruta à beira-mar;

deu-lhe Quíron, com cuidado, a instrução

e lhe entregou uma erva poderosa

que o protegeria, caso agisse com coragem,

sem se deixar pela Nereida derrotar...

Porém da vez primeira que a encontrou,

Peleus nem conseguiu aproximar-se:

Thetys lançou-se, velozmente, ao mar

e cavalgou para longe em seu golfinho.

Mas do desânimo Quíron o consolou,

pois a Zeus nada era possível recusar-se

e como alga a disfarçar-se lhe indicar

qual monte seco de folhas no caminho...

Como Posêidon também queria o casamento,

não permitiu ao golfinho se afastar,

pois ele era, afinal, o deus do Oceano,

o velho Nereu em uma ilha aprisionado;

e assim de Thetys turbou o entendimento,

sem que das algas conseguisse desvendar

o encantamento que escondia o ser humano,

pelo poder de dois deuses amparado...

O JULGAMENTO DE PÁRIS V

Destarte Thetys de sua gruta se acercou,

novamente desejando descansar;

acreditando então estar sozinha,

foi depressa deitar-se e adormeceu...

Então Peleus devagar se aproximou,

sua cobertura de algas a abandonar,

pé ante pé, em marcha bem mansinha,

e a doce Thetys sequer o percebeu...

Então Peleus abraçou-a, firmemente,

e a pobre Thetys se acordou num sobressalto,

buscando dela afastar seu agressor,

pedindo embora Peleus que se acalmasse;

não lhe faria qualquer mal, mas tão somente

queria levá-la a seu castelo alto,

como esposa, a quem daria todo o amor

que em coração humano se encontrasse...

Mas apesar das palavras de paixão,

Thetys se transformou em uma serpente;

ele a abraçou com a maior firmeza,

mas ela pôs-se o homem a picar...

Contudo, a erva santa o coração

fez-lhe bater bem mais rapidamente,

o veneno a expulsar por tal proeza

e assim Thetys não se pôde libertar!...

Transformou-se, então, numa leoa,

dos braços fortes do herói para escapar,

mas novamente ele manteve o abraço

e Thetys o quis morder, para matá-lo!

Ele falou: “Sei, senhora, que sois boa

e a carne humana não consegues devorar!”

A erva santa a proteger seu braço,

suas feridas a fechar no mesmo embalo!

O JULGAMENTO DE PÁRIS VI

Enfim, Thetys virou numa fogueira,

ao agressor buscando calcinar,

porém Peleus, pela erva protegido,

nunca a largou, mesmo em terríveis dores

e finalmente, ela aceitou, faceira,

aquele homem que não podia expulsar,

um certo amor por ele já nutrido,

tanto quanto uma deusa sente amores!

Zeus e Posêidon finalmente respiraram:

tinha Thetys agora o seu marido,

com o qual os seus filhos geraria,

um ser humano, que não os poderia suplantar.

Todos os Olímpicos então se apresentaram,

a derradeira vez que se haviam reunido

com humanos comuns em confraria,

nobres presentes a trazer para ofertar!...

Na maior pompa celebrou-se o casamento,

o epitalâmio cantado pelas musas, (*)

o próprio Apolo apresentando-se a oficiar;

Perséfone e Hades como seus padrinhos;

ricos presentes a marcar um tal momento;

quem os esquecesse não teria escusas;

Zeus armadura inexpugnável a doar

que a Peleus protegesse em seus caminhos...

(*) Canto nupcial.

De Quíron recebeu lança poderosa,

que quase nunca seu alvo perderia;

e Posêidon, pela vez primeira,

trouxe cavalos para andar em terra,

pois criara, com sua força portentosa,

tais animais para as águas que seguia:

Xanto e Bália, de cuja equina esteira

tais animais cobriram vale e serra...

O JULGAMENTO DE PÁRIS VII

Pallas Athena lhes deu sabedoria

e de Ceres veio o dom da longa vida;

Hera felicidade no lar a garantir;

de Afrodite amor e beleza permanente;

Ártemis visão perfeita lhes trazia,

para na caça levar sempre de vencida

os animais, para seu bom nutrir;

deu-lhes Hermes rapidez continuamente.

Veio de Ares toda a força no combate,

mais outros dons tangíveis e intangíveis;

Hades riquezas em grande quantidade,

enquanto seu amor fosse durar,

que a vida humana, no final, se abate,

mas são os anos das Nereidas incognoscíveis.

Só não lhes deram foi a felicidade,

que o ser humano por si deve conquistar.

Eventualmente, tiveram sete filhos,

que a Nereida tentou purificar,

para serem imortais, igual que ela,

a parte humana a extinguir buscando;

numa fogueira, em seus ardentes trilhos,

cada menino ela acabou por calcinar,

entre seus braços, permanecendo bela,

até que Peleus a fosse um dia desafiando...

Vestindo a armadura por Zeus dada,

ele entrou na fogueira e arrebatou

o sétimo menino, ainda com vida,

da mãe alucinada se livrando...

Thetys do fogo saiu, sem sofrer nada

e as queimaduras dos dois ela curou;

eventualmente, em uma fonte hoje esquecida,

invulnerável seu filho então tornando...

O JULGAMENTO DE PÁRIS VIII

Como se sabe, o calcanhar lhe segurou,

pois não queria que ele se afogasse,

permanecendo só essa parte vulnerável:

foi este Aquiles, o grande herói famoso,

que um dia Heitor, em combate, derrubou,

embora bem longo período se passasse,

antes da guerra quase inevitável,

que um exército pôs em campo, poderoso.

Mas isto foi depois, que ao casamento,

compareceu a deusa Éris, despeitada,

nenhum convite à Discórdia transmitido,

filha de Nyx, a Noite mais Escura

e de Érebo, da Escuridão o assento,

ambos do Caos a prole amargurada,

irmãos de Éter, em Luz Celeste havido

e de Hemera, do Dia a deusa pura...

Segundo alguns, Éris veículo possuía,

puxado por abutres violentos;

para outros, tinha pés e quatro asas

como as de abutres, em um corpo de mulher.

A felicidade da paz a repelia

e causou consternação nesses momentos.

Interpelou-a Zeus: “Em que te embasas,

comparecendo sem um convite receber?...”

“O meu presente eu ofertar queria...”

Disse-lhe Zeus: “Aos noivos eu protejo

e não precisam de qualquer outro presente,

portanto eu te proíbo oferecê-lo!...”

“Mas não é para os noivos que o trazia.”

E tirou de sob o manto, nesse ensejo,

Uma esfera de ouro reluzente,

que ao solo arrojou, em feroz zelo...

O JULGAMENTO DE PÁRIS IX

“Não é para os noivos, meu senhor!

É para a deusa mais bela aqui presente...”

E se afastou, soltando gargalhadas,

no pomo a inscrição: PARA A MAIS BELA!

“É para mim!” – disse Afrodite, com ardor.

“Só em mim toda a beleza se acha assente...”

Ficaram as demais deusas enciumadas.

“Antes a mim,” disse Athena, “sou donzela!”

“A minha beleza escondo na armadura!”

“Por isso, não!” – falou a deusa Hera.

“Eu sou a mãe dos deuses e a beleza

é o apanágio de meu corpo inteiro.

Ártemis tinha de real virgem formosura,

mas desdenhou a rútila quimera;

e Ceres, deusa antiga, com certeza,

percebeu ser tal presente trapaceiro...

Também Anfitrite tinha a sua vaidade,

porém Posêidon contemplou-a, carrancudo;

Hades a Perséfone coibiu também

e Zeus queria repreender a Hera,

que lhe prestava integral fidelidade,

mas certamente não o obedecia em tudo...

Assim a disputa entre três deusas se mantém:

Hera, Afrodite e Athena, em tal espera...

As três deusas se voltaram para Zeus:

“Qual de nós é a mais bela, santo Pai?”

deixando Júpiter em grande confusão.

“Ora, eu não posso realizar tal julgamento,

nem acredito que o possa qualquer deus;

Hera é minha esposa e a sábia Athena sai

de minha própria cabeça; e, com razão,

da deusa do amor recebo um grande alento...

O JULGAMENTO DE PÁRIS X

“Então, que possa o noivo decidir!”

exclamou Hera – “já que humano é!”

Porém Peleus impotente declarou-se:

“Das três respeito a imortal beleza,

mas o amor que por Thetys vim nutrir,

me impede de louvar estranha fé...”

E com ela para o leito retirou-se,

na festa ainda um clima de incerteza...

Disse Athena: “Porém Thetys é excluída:

a Discórdia fez bem clara afirmação

que não era para os noivos seu presente;

quem sabe Quíron então nos julgará...”

Mas o centauro, em sua longa vida,

adquirira experiência e decisão:

“Não está em mim a decisão assente;

minha parte equina não o permitirá...” (*)

(*) Os centauros eram humanos até a cintura, com corpo e 4 patas de cavalos.

“Todos conhecem a sua sabedoria,”

insistiu Hera, “e bem sei que aconselhou

Peleus a como o amor de Thetys alcançar...”

“Ah, senhora, só dei o conselho requerido,

igual que a qualquer discípulo daria:

e a bela noiva firmemente ele abraçou;

toda mulher pode morder ou ferroar

ou até queimar quem lhe for dado por marido...”

“Mas um abraço real e absoluto,

em que demonstre todo o seu amor,

qualquer esposa acabará por conquistar;

é só experiência, não sabedoria...

Mas não seria um juiz bom e impoluto

para escolher pura beleza de valor;

somente as éguas eu sei bem avaliar,

qual de vós três, jamais me atreveria!”

O JULGAMENTO DE PÁRIS XI

As três, então, retornaram para Zeus:

“Santidade, deve ser sua a decisão...”

Três olhares claramente a ameaçar...

Então Posêidon lhe falou ao ouvido,

vasto sorriso nas feições do deus...

“Mas é claro! A Discórdia, sem razão,

costuma apenas aos humanos dominar:

portanto seja um juiz humano o escolhido!”

“Eu tenho um filho de grande beleza,

que sobre o monte Ida pastoreia.

Pensam ser filho de Príamo de Troia,

mas disfarcei-me com sua aparência;

que Hécuba concebeu de mim tenho certeza;

mas de profecia tremenda se arreceia

esse rei... Cassandra, a mais bela joia

dentre suas filhas, profetiza com frequência...”

“E Apolo transmitiu-lhe uma visão

de que um incêndio a cidade queimaria,

provocado pela ação de tal rapaz...

Se houver discórdia, que fique por ali!”

Tomando a esfera, colocou-a sobre a mão

de Hermes, o mensageiro que o servia:

“Ao meu filho essa esfera chegar faz:

no Monte Ida ainda há pouco o vi!...”

No monte Gárgaros, superior topo do Ida,

o jovem Páris seus rebanhos pastoreava,

quando não estava as pastoras namorando.

Prostrou-se ao solo, em pura maravilha,

ao receber companhia assim garrida

das três deusas que o mensageiro acompanhava,

seu novo encargo Hermes lhe comunicando,

perplexo ante o dever que agora o encilha...

O JULGAMENTO DE PÁRIS XII

Tomou Páris a esfera sobre a mão:

“Mas como pode um simples pastorzinho

ser o juiz quanto à beleza divinal?”

E quis o pomo ao deus Hermes devolver.

“Não te podes furtar à decisão:

nosso pai Zeus recordou-te com carinho;

muitas mulheres conheces, afinal,

usa a experiência que o amor te concedeu!”

“E se coloco esse pomo no crisol

e três menores faço, após o derreter?”

“Isso não podes. Deves dá-lo por inteiro

à mais bela das estrelas no presente.”

“Que assim seja... Mas beleza desse escol

eu não consigo facilmente compreender.

As três perfeitas!... O julgamento derradeiro

pode um mal me causar bem facilmente!...”

Mas as três deusas afirmaram aceitar

a sua decisão, sem extorquir vingança,

represália ou qualquer tipo de castigo.

“Mas entendam, senhoras, sou humano

e como tal, é muito fácil me enganar,

se a decisão tomar, sem mais tardança...

De todas três só desejo ser amigo,

mas tal escolha me traz grande temor!”

Então, ele se pôs a examiná-las,

andando com cuidado a seu redor,

aos poucos se sentindo mais ousado;

pediu então que as três se separassem

e finalmente, atreveu-se a convidá-las:

“Queiram tirar as roupas, por favor...

Corpos humanos só tenho examinado,

aos de mulheres talvez se comparassem...?”

O JULGAMENTO DE PÁRIS XIII

Afrodite prontamente se despiu,

muito orgulhosa de sua beleza nua;

mas disse Athena que seu cinto invisível

também tirasse e foi logo insistindo,

pois se apaixona por ela quem o viu;

ela o lançou sobre as vestes, como a Lua

ainda mais bela e que o Sol bem mais terrível:

para Páris o espetáculo bem vindo!...

Chegou a vez de Hera, a majestosa,

mas Athena insistiu: “Retire o manto

que entre os homens atrai fidelidade...”

(Outro adereço invisível aos mortais.)

E ela exibiu-se ante Páris, portentosa,

mais graciosa que qualquer humano encanto,

na sua nudez a refletir feminilidade:

da esposa e mãe os encantos naturais...

Chegou a vez de Athena, a virginal,

sua nudez a recobrir com seu escudo;

as outras duas insistiram que o largasse

e mais o elmo de sua castidade;

ficou assim mais vulnerável, afinal

e a Páris encantou o corpo desnudo,

não menos belo que a razão lhe dominasse,

sem conseguir decidir-se, na verdade...

Pediu-lhes então tempo para pensar:

tal decisão exigia discernimento

e afastou-se, a observá-las à distância;

porém Hera falou: “Só quer gozar,

nossa beleza nua a desfrutar,

sob o pretexto de fazer um julgamento?”

“Não, minhas senhoras, já conheço a relevância,

seus corpos perfeitos já pude examinar...”

O JULGAMENTO DE PÁRIS XIV

“Podeis vestir-vos. Mas preciso meditar.

Para as deusas o tempo é irrelevante,

porém não o é assim para um pastor;

deem-me três horas para tomar a decisão...”

Mas em breve, foi Hera o procurar:

“Se me concedes o prêmio interessante,

eu te farei da Ásia inteira o grão senhor,

o homem mais próspero de toda a geração!...”

“Senhora, agradeço a sua oferta,

mas vou julgá-la pela sua beleza,

que realmente encheu-me todo o olhar;

mas são as outras também merecedoras;

preciso conservar a mente aberta,

cruzo meandros da mais pura incerteza...

Jure, porém que não irá se despeitar

caso eu escolha outra das senhoras...”

Hera afastou-se, já um tanto despeitada,

mas Athena achegou-se a ele, em breve,

“Meu rapaz, veja bem o que fará!

Se me escolher, eu lhe darei sabedoria

e a vitória alcançará, incontestada

sobre qualquer que a se lhe opor se atreve...”

“Se não a escolho, não se despeitará?”

“Jamais mesquinha você me encontraria!”

Ficou Páris pensando: Podem as duas

me oferecer uma bênção semelhante,

mas a derrotada não a anulará...?

E nesse instante, Vênus aproximou-se:

“Agora que nos viste as três já nuas,

qual conclusão atingiste neste instante?”

“Ah, senhora, mas como um homem julgará?

Minha razão já totalmente desfocou-se!”

O JULGAMENTO DE PÁRIS XV

E Vênus Afrodite então lhe disse:

“Riqueza e glória... E que me diz do amor?

Sei que você já amou várias donzelas

e que não tem dificuldade em conquistá-las...

Mas se eu acaso o amor lhe oferecesse

da mais bela mulher e o seu favor?

A sua beleza sobrepassa a das estrelas

e com você repartirá todas suas galas...”

“Mas quem é essa mulher, minha senhora?

Certamente não é uma deusa, como sois?

O seu amor seria tão somente temporário...”

“Jovem vaidoso! Eu lhe propus uma mulher,

que é a mais linda do mundo nesta hora!”

“Perdoe, deusa, eu só ando com meus bois,

Cavalheiro não sou, só um pobre agrário,

que nem possui educação sequer!...”

“Isso se pode perceber, perfeitamente...

Mas me refiro à três vezes bela Helena,

rainha de Esparta e mulher de Menelau;

embora já seja mãe, é delicada,

de louras tranças e de olhar potente,

igual que o céu, em sua primeira cena,

antes que o calor do sol o torne mau:

essa a mulher que por você será amada!”

“Mas se é casada, então irá se divorciar?”

“Como você, ela é filha de um deus,

sem compromisso com as leis humanas...”

Vênus girou o mágico cinto na cintura,

uma imagem em pleno ar a desenhar,

coberta apenas por transparentes véus,

fisionomia e porte soberanos,

em seu semblante a expressão mais pura...

O JULGAMENTO DE PÁRIS XVI

“Mas de que modo um pastor poderá tê-la?”

“Seguirás a Troia para a competição;

como seu filho, Príamo te aceitará

e irás a Esparta para ser embaixador;

a Helena amarás tão só de vê-la

e se abrirá para ti seu coração;

como obtê-la tua razão te ensinará:

em teu navio serás o único senhor!...”

E deste modo, ela a Páris convenceu;

findo seu prazo, com as deusas foi falar,

entregando a Afrodite o contestado...

Hera e Athena saíram de mãos dadas:

belo castigo, segundo elas, mereceu;

Afrodite também partiu sem o beijar:

o presunçoso jovem queria castigado,

mas suas promessas seriam realizadas...

E foi assim que Hermes o aconselhou

para ir a Troia e ao rei se apresentar

e como um filho perdido foi aceito...

Eventualmente, se tornou embaixador

e Helena a Menelau então roubou,

a grande guerra de Troia a provocar,

na qual lutou igualmente, sem defeito,

combatendo por dez anos com ardor...

Quis o Destino que também fossem para lá

o rei Peleus e Aquiles tão famoso,

que eventualmente foi matar Heitor,

mas foi por flecha de Páris derrubado;

Athena desatou-lhe a sandália e já

a flecha, com acerto portentoso,

feriu o herói no calcanhar; e a dor

no solo o fez cair, desamparado...

EPÍLOGO

Páris correu para decapitá-lo,

pois deixara de ser invulnerável;

pouco depois, foi também morto em combate.

Também Peleus nessa guerra pereceu

E a Neoptólemo, seu neto, sem abalo,

cedeu a armadura e a lança inconquistável.

Logo depois, sofreu Troia inteiro abate

e Neoptólemo foi ocupar o trono seu.

Mas sendo homem de paz, sua armadura

guardou segura, junto à lança sagrada,

que exerceria outros papéis na história...

Para castigar de Páris a pretensão,

Afrodite não agira com lisura

e a longa guerra foi por ela provocada.

Do Pomo da Discórdia não há memória...

Será que os deuses ainda habitam sua mansão?

Segundo os gregos, o Destino é soberano

e suas filhas, as Moiras, nos controlam

e os próprios deuses se lhes submetem,

dominando seus desejos e paixões...

Que restaria a Páris, ser humano,

senão o cutelo com que nos esfolam

os deuses que em nossas vidas se intrometem,

sem dar valor a nossas dores e emoções?

William Lagos

Tradutor e Poeta

Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com