Incomodando...sem incomodar!

Dia desses estávamos diante do túmulo de meu pai, no dia em que seria comemorado o aniversário dele, caso estivesse vivo, e minha mãe fez o seguinte comentário:

- Seu pai foi uma pessoa muito boa, não tinha inimigos...também, não fazia mal a ninguém, nem incomodava...

Meu pai faleceu há 20 anos, e acho que se fosse nos dias atuais, meu pai teria inimigos, mesmo sem fazer mal ou incomodar as pessoas. Bastaria que ele fosse como era mesmo, uma boa pessoa!

Costumo observar e ouvir as pessoas ao meu redor. Fico em silêncio ouvindo e prestando a atenção a cada detalhe. Escuto pessoas falando de alguém que é feio, de alguém que é bonito. De pessoas bem arrumadas, mal arrumadas. Pessoas ricas, pessoas pobres. Magras, gordas, e outras coisas mais. Quase sempre os comentários são ruins, seja lá quais forem as qualidades ou defeitos. Percebi que hoje as pessoas incomodam as outras pelo simples fato de existirem! Não importam como sejam!

Comecei a observar isso, de uns 10 anos para cá. Minhas amizades foram ficando escassas, e parecia coisa de minha cabeça, mas as poucas amizades que restaram, eram de pessoas que estavam sempre me pedindo algo e que sumiam sempre que tinham suas necessidades supridas, ou quando eu estavam precisando de alguma coisa. Por um tempo achei que o problema estava em mim, que eu poderia estar sendo subserviente e por isso atraindo pessoas que me viam apenas como serviçal. Então tentei melhorar minha imagem, para ver se atraía pessoas que quisessem minha companhia por me acharem boa de papo, boa companhia, as coisas pioraram...muita gente se afastou e começaram a me achar esnobe, chata, arrogante. Então, comecei a notar pessoas a minha volta incomodadas com minha presença nos locais. Comecei a ser alvo de competições e ataques gratuitos de pessoas que sentiam-se ameaçadas de alguma maneira. Então me isolei um pouco mais. Acho que foi bem pior...chegou ao ponto de algumas pessoas não desejarem minha presença nos locais. E comecei a receber muitas críticas por qualquer coisa. Algumas críticas claramente tentavam diminuir minha imagem, moral, auto-estima. Comentários levianos e outras coisas mais.

Fazendo uma auto-análise, observei que atualmente não tenho amigos. Tenhos colegas, conhecidos, mas não tenho amigos. Sempre que aparece alguém tentando ser amigo, a pessoa tenta ditar as regras, eu reajo e a pessoa some. Parecem se enganar com minha aparência de fragilidade, e quando percebem que tenho opinião própria, elas se afastam.

Fazendo uma análise das amizades a minha volta, observei que a maioria gira em torno de interesses, um tem algo que é interessante, outros se aproximam e ficam por ali como se numa relação de parasitismo. Não vejo amizades como as que eu tinha na adolescência, quando éramos quase da mesma idade, não tínhamos bens ou dinheiro, os conceitos de beleza já existiam, mas nem sempre tinham importância, exceto quando se tratava de paquera. As amizades eram por afinidade. Gostávamos do outro apenas pela companhia, parceria, pelo papo. As pessoas hoje nem querem ouvir as outras. Não se emocionam com as outras, não se alegram pelas outras. Não valorizam as outras.

Um dia, uma colega de trabalho começou um papo de hidratação em cabelo. Falava bastante de uma marca, cara, porém muito boa. Ela enfatizou tanto esse assunto, mas eu alheia, apenas ouvia enquanto executava meu serviço. Até que a colega comentou que se eu usasse aquele produto no meu cabelo, meu cabelo ficaria bem melhor e se desenvolveria. Então entendi...ela achava que eu não cuidava dos cabelos e por isso meu cabelo estava com aspecto de descuidado. Então interrompi o serviço para explicar-lhe, que o aspecto descuidado do cabelo, era devido aos mais de 20 anos usando química, que resultaram em uma quebra nos fios, perda de cor e elasticidade, além de uma severa alergia no couro cabeludo e proibição médica de uso de qualquer substância química, além de shampoo e condicionador manipulados de acordo com a receita médica. Tive que explicar, que tinha em casa vários tipos de hidratações, sendo que a última adquirida, custava 5 vezes mais que a hidratação citada pela referida colega. Que meu caso portanto, não era desleixo ou avareza. Me irritei com aquilo, mas silenciei a colega.

Meses depois, por conta do problema dermatológico, optei por cortar todo o cabelo quimicamente tratado e adotar o visual natural, cheio de cachos. Recebi muitos elogios, estava empolgada com o resultado, até aparecer umas novas colegas de trabalho, que não haviam me conhecido com o cabelo abaixo do ombro e liso...Percebi que me olhavam de um jeito diferente. Algumas vezes tocavam no meu cabelo. Até que após uns meses e já mais próximas de mim resolveram emitir suas opiniões sobre meu cabelo: sugeriram o uso de mega, alisar o cabelo, e fizeram suposições a respeito de minha sexualidade, pois eu mantinha meu corte sempre curtinho cacheado e estava achando o máximo. Pronto, um dia, tive que explicar todo o processo de alergia, da opção de cortar, da necessidade de não usar nada até me recuperar da crise alérgica...E até mostrar fotos do cabelo antes, para que se convencessem que já tive cabelos grandes. Dia desses, uma delas estava fazendo uma estimativa de quanto o meu cabelo cresceu de quando me conheceu até hoje...pode uma coisa dessas!

Isso sem contar as vezes em que quiseram me arrastar para lojas de roupas, maquiagem, perfumes, sapatos. Como se eu não tivesse o hábito de comprar nada disso e não tivesse bastante lá em casa. Uma delas espantou-se ao descobrir que possuo mais de 50 cores de esmaltes! Falou que nunca havia me visto e unhas pintadas...ou seja, sequer observou como sou e como ando, apenas traçou no seu imaginário o meu perfil e usa suas opiniões próprias para criticar ou atacar.

Isso não me preocuparia se eu não tivesse uma filha, na fase da adolescência. Ela tem relatado comportamento semelhante de suas colegas de escola. E noto nela uma certa fragilidade em lidar com as críticas alheias. Lembro que nessa fase eu não passava por isso, e por esse motivo, concluo que ela está tendo que lidar com problemas pelos quais passo hoje com minha geração, já nessa tenra idade! Quando ela estiver na minha fase, já terá vivido boa parte dos problemas que tenho hoje, e provavelmente terá outros problemas pelos quais nem passei ainda ou nem faço ideia.

Talvez por isso que hoje, o suicídio, palavra mais frequente entre adultos e jovens no meu tempo, hoje é mais comum entre adolescentes e talvez até crianças.

Enfim, percebi que o ato de incomodar as pessoas, atualmente, se dá mesmo quando não estamos querendo incomodar. Basta que sejamos como somos, diferentes dos outros, basta existir.

Estrelinhaester

Estrelinhaester
Enviado por Estrelinhaester em 25/12/2017
Código do texto: T6207799
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