PRÓLOGO

A tarde parecia igual a todas as outras. A neve cobria toda a planície do pequeno povoado Inuit. Havia panelas no fogo, preparando a comida dos moradores do vilarejo. Cerca de trinta pessoas viviam ali.

Mas a aparente normalidade logo foi rompida. Algo estava fora do lugar. Não era o latido insistente dos cães nos cercados. Responsáveis por puxar os trenós, eles permaneciam presos e bem alimentados enquanto não eram chamados para uma nova viagem. Naquele dia, contudo, latiam aterrorizados.

A neve branca se estendia até onde os olhos podiam enxergar. Todos os botes estavam na beira do lago. Aparentemente, ninguém havia saído da comunidade. Mas algo ainda estava fora do lugar.

No meio da paisagem predominantemente branca, havia apenas um som que se sobressaía aos latidos caninos. Era um choro. O choro de uma criança. Por sinal, o único ser humano no local.

As lágrimas quentes do menino, que aparentava cerca de seis anos, faziam pequenos buracos no gelo frio. O pranto desconsolado podia ser ouvido de longe, mas não havia ninguém por perto. A comunidade era isolada. Ninguém poderia ajudá-lo.

Ele caminhava a passos lentos, como se não tivesse forças para continuar. Como se não soubesse e não tivesse para onde ir. Como se carregasse a culpa por uma tragédia. Seu pranto penoso e solitário se misturava ao latido aterrorizado dos cães. Por toda parte havia ferramentas de trabalho abandonadas, roupas a serem lavadas que foram deixadas pelas lavadeiras, tarefas diárias incompletas.

Em meio ao cenário, um pequeno menino Inuit, agasalhado como de costume, chora copiosamente, carregando em sua mão esquerda um caderno de capa preta e, na direita, um pequeno lápis, com borracha na outra ponta. Por diversas vezes, tentou apagar o que estava escrito no caderno, mas nada acontecia. Suas lágrimas haviam molhado algumas folhas no processo. Sua dor era imensa. Um enorme pesar recaia sobre seus ombros.

O menino olhou mais uma vez para os cachorros. Lembrou-se de sua mãe, quando os alimentava. Lembrou-se de seu pai, quando os atava aos trenós. Lembrou-se de seu irmão mais novo, tentando montá-los, como se fossem cavalos. Agora, tudo aquilo estava no passado. Não havia ninguém ali. O garoto sabia qual seria o destino dos animais sem ter quem os alimentasse.

O pesar e a culpa o cercavam. Ainda não entendia o que havia acontecido. Ainda assim, sentia-se culpado.

O menino abriu o caderno. Preparou seu lápis na mão direita. Os soluços do choro o atrapalhavam de escrever, mas ele já havia decidido o que fazer.

Controlou o choro o máximo que pôde e, então, rabiscou algo no caderno. De repente, lápis e caderno caem na neve fofa. O choro do menino silenciou. O lugar está deserto.

*Prólogo da Obra "O Livro dos Mortos".

Denis_Oliveira
Enviado por Denis_Oliveira em 25/03/2018
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