Estações_A primavera

Entrou no provador da loja, duas calças, duas bermudas, duas camisas. Não era nada daquilo. Do lado de fora sua mãe, Sônia, lhe alertou: - Meu filho, pode levar todas se quiser!

Olhou- se no espelho da cabeça aos pés. Sua mão tocou o espelho analisando minunciosamente sua face, tudo tão próximo e tão distante. Como aquele ser com quem convivera desde que nasceu poderia lhe ser tão estranho? Definitivamente a cada dia que passava menos conhecia aquele menino e mais descobria aquela nova pessoa. A pessoa que ao entra na loja se encantou pelos vestidos expostos, pelos sapatos, maquiagens, acessórios e tudo aquilo que aquela outra pessoa gostava. Aquela outra pessoa era aquela que vivia ali, do lado de dentro. Não sabia como se chamava nem ao menos sua verdadeira face, mas sabia que ela ali vivia e era tão real e tão presente quanto o ar. Podia senti-la mas não podia vê-la. Não porque ela lhe era uma estranha, mas porque ela havia sido destinada a viver na obscuridade do desejo de apenas ser.

-Fernando, já provou, coube?- gritou Sônia.

-Sim vou ficar com todas- disse ele abrindo a porta com as roupas penduradas no antebraço - mas só vou levar porque a senhora insistiu!

-Não é insistência, você está precisando de roupas. Anda só com a mesma calça e esse casaco imundo. E vou te pedir de novo, meu filho, não coloque capuz, as pessoas vão acabar te confundindo com um marginal.

-Marginal é quem mora em mim.

-Como?- Sônia arregalou os olhos.

-Nada não, dona Sônia,nada não.

Pagaram as compras e saíram pelos corredores do shopping. Nas vitrines, manequins vestiam as roupas que realmente gostaria de ter comprado.

A primavera estava chegando, com um lento abrir de pétalas e ele sabia que regrar as suas próprias flores não era tarefa fácil, mas era algo que apenas ele podia fazer.

Elmo Férrer
Enviado por Elmo Férrer em 02/06/2018
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