Não Vivo Sem você - Capítulo 1

Capítulo 1 – Novos vizinhos.

Eram quatro da tarde de um domingo ensolarado.

Diana, uma menina de seis anos, estava voltando para sua casa junto de seus pais, Luna de vinte e quatro anos e Miguel de vinte e seis. Ao virarem a esquina notaram um caminhão de mudanças em uma casa que ficava de frente para a deles.

— Parece que vamos ter novos vizinhos em frente à nossa casa. — Disse Luna.

— Só espero que não seja do tipo que cause problemas, ou seja má influência. — Disse Miguel.

— Vamos conhecê-los? — Perguntou Luna.

— Melhor esperar terminarem. Sabe como dá trabalho arrumar tudo em uma mudança.

— Vai ser rápido. Sabe que sou curiosa.

Os três atravessaram a rua com Luna os puxando. Diana estava no meio de seus pais, dando a mão para ambos que de vez em quando a levantavam fazendo-a rir. Ao se aproximarem da casa uma mulher de trinta e um anos apareceu na porta para ver se ainda faltavam muitas coisas no caminhão.

— Oi. Boa Tarde. É a senhora que vai morar por aqui? — Perguntou Luna.

— Senhora está no céu. Meu nome é Margareth, e sim. Vamos morar aqui. — Disse ela de forma ríspida sem nem olhar para os três.

— “Vamos”? Quer dizer que tem mais gente? — Perguntou Luna.

— Meu filho e meu marido apenas.

Margareth se vira para ver quem lhe fazia as perguntas e quando viu Diana mudou seu tom de voz.

— Ah, mas que coisinha mais linda e perfeita é você. — Disse ela. — Como se chama?

— Diana. — Respondeu a menina.

— Own, que vozinha mais fofa. Ela é sua filha? — Perguntou Margareth para o casal.

— É sim. Nosso orgulho. — Respondeu Miguel.

— Vocês tem muita sorte, o meu é só decepção. Infelizmente nem todos tem o que querem. — Disse Margareth entortando a boca.

Um homem de mesma idade de Margareth sai de dentro de casa para ver o progresso da mudança.

— Já acabou? — Perguntou ele à sua mulher.

— Querido, olha só isso. Que perfeição. — Disse Margareth ao seu marido com animação.

— Nossa! Que linda, se eu tivesse uma filha assim encheria a cidade com fotos dela e a inscreveria em concursos de beleza. Ela venceria todas. — Disse o homem.

— E o senhor seria... ? — Perguntou Miguel.

— Kevin. — Disse ele estendendo a mão para Miguel o cumprimentando.

— O que acham de almoçarem aqui em casa essa noite? Seria ótimo conhecer nossos vizinhos e ainda ter essa companhia adorável. — Disse Margareth.

— Não sei se poderemos. Meu marido tem muito trabalho a fazer. — Disse Luna tentando rejeitar o convite.

Pelo pouco que o conheceu a mãe de Diana já os achou estranho pelo modo que falavam a respeito de Diana e de seu filho. Não era comum para ela ouvir uma mãe falar daquela forma, entortando a boca e em um tom como se seu filho fosse a pior coisa que lhe acontecera, como se fosse um pedaço de lixo que ela era obrigada a cuidar.

Antes que houvesse um segundo pedido, um menino de sete anos aparece correndo chamando por Margareth.

— Mãe, posso ir brincar? — Perguntou ele.

— Já arrumou seu quarto? — Perguntou Margareth agressivamente.

— Já. Guardei todas as roupas, tirei tudo das caixas, coloquei nas gavetas e minha cama já está feita.

— Então vá estudar, senão você não vai longe. — Disse Margareth.

O menino ao ver Diana decide cumprimentá-la com um sorriso no rosto.

— Hum... Oi. Eu sou Erick. Qual seu nome?

— O que eu te falei sobre falar com alguém sem nossa permissão? — Perguntou Margareth.

— Está de castigo. Vá para o seu quarto. — Disse Kevin.

— Eu só queria conhecê-la. — Disse o garoto olhando para seu pai e perdendo seu sorriso.

— Está me respondendo? — Perguntou Kevin pegando seu chinelo do pé para ser mais ameaçador.

Como Luna achou que o menino iria apanhar por simplesmente conhecer sua filha ela começou a se sentir desconfortável e tentou acalmá-los para que ele não acabasse prejudicado.

— Tudo bem. Não tem problema. — Disse Luna calmamente.

Ela se ajoelha para conversar com o menino e continua.

— O nome dela é Diana. O meu é Luna e esse é meu marido Miguel. — Disse ela apontando para ele. — A gente vai morar ali na frente.

Novamente ela apontou com o dedo em direção ao que falava e o menino deu um enorme sorriso.

— Que legal. A gente pode brincar algum dia? — Perguntou ele sorrindo novamento.

— Claro. A Diana ainda não tem nenhum amiguinho, você pode ser o primeiro. — Disse Diana tentando contornar qualquer bronca de Margareth e Miguel.

O menino muito feliz olha para sua mãe com brilho nos olhos.

— Ouviu mãe, a gente pode ser amigos. — Disse Erick quase pulando de alegria.

Margareth com ódio e desviando o olhar para não vê-lo feliz lhe responde.

— Como se alguém fosse querer ser seu amigo. Agora sobe. Seu pai te colocou de castigo.

O sorriso do menino na hora sumiu e desanimado ele entrou.

Luna se levantou e olhou para seu marido sem dizer nada. Ele então percebendo que a situação não é boa decide se despedir.

— Acho que vocês ainda tem muita coisa a fazer. Talvez seja melhor irmos para não atrapalhá-los. — Disse ele.

— Se puderem venham jantar conosco. Quero ver essa anjinha mais uma vez. Sei que meu filho pode não ser uma boa companhia para ela, mas vamos mantê-lo na linha. Podem ficar tranquilos quanto a isso. — Disse Margareth.

— Certo, se der a gente aparece. Até mais. — Disse Miguel já se preparando para andar.

Todos se despediram e a família de Luna atravessou a rua e logo entraram em casa.

— Viu que modo horrível eles tratam o menino? — Perguntou Luna indignada.

— Talvez tenha algum motivo. Ele pode ser daqueles pestinhas. — Disse Miguel.

Uma discussão entre os dois começou enquanto Diana apenas os ouvia quieta.

Luna estava se sentindo tão mal que não conhecia parar de mexer suas mãos enquanto falava, andando de um lado para outro, mas sem perder contato visual com Miguel.

— Ele não me pareceu ser. O sorriso que ele deu quando disse que ele podia ser amigo da Diana foi legítimo. Como se ele nunca tivesse tido um amigo para brincar.

— Nossa filha também não teve ainda. Tanto que nossa esperança dela ter um é quando ela começar a estudar mês que vem.

— Mesmo assim, é diferente. Eu não sei explicar. É coisa de mulher. Não podemos deixá-lo com eles.

— E quer fazer o quê? Sequestrar o menino?

Luna parou um pouco para pensar, sabia que estava inquieta e daquele jeito não tiraria nem uma ideia boa. Ela respirou e diminuiu a velocidade de sua fala.

— Vamos conhecê-los melhor. Ver o que realmente acontece e depois resolvemos. — Disse ela.

— Isso não significa que vamos jantar com eles, não é?

— Talvez só hoje.

— Luna, aquela família é maluca.

— E prefere deixar o menino viver assim? Se não quer ir deixa que eu vou com a Diana e você fica.

— Não vamos levar a Diana com a gente. Vou deixá-la nos meus pais.

— Sabe que não gosto de deixar nossa filha com os outros. Fomos nós que fizemos, então nós é que temos que cuidar.

— E se forem sequestradores? E se nos drogarem? Vão poder fazer tudo com ela.

Novamente Luna parou para pensar.

— O jeito que eles falaram com nossa filha foi de um modo meio obsessivo, não acho que eles iriam querer machucá-la, então podemos dar um pouco da nossa comida para ela antes, se tiver algum tipo de veneno eles não vão deixá-la comer.

— Agora quem está louca é você.

— Certo. Eu como primeiro, e você dá uma enrolada, se eu desmaiar você chama a polícia.

— Não quero que você seja a cobaia também, deixa que eu faço.

— Não, você é mais forte e mais rápido que eu. Se eles tentarem te impedir, ou querer te pegar a força ou algo do tipo você consegue escapar com a Diana.

— E te deixar?

— Se for preciso sim. Nossa prioridade é nossa filha.

— Porque estamos fazendo isso mesmo?

— Por causa do menino.

Miguel deu um longo suspiro. Não queria entrar nos problemas de outra família, ainda mais colocar a sua em risco, mas seu amor por Luna o fez aceitar a proposta.

— Ai, só você mesmo para me colocar nessas situações.

Luna sorriu ao ver que Miguel iria lhe apoiar e que não estaria sozinha nessa situação.

— Vai dar certo. E é por um bom motivo.

— Espero que seja mesmo.

— Sabia que entenderia.

Luna deu um beijo em Miguel e foi só então que notou que sua filha ainda estava ali.

— Pode ir brincar no seu quarto querida. — Disse Luna.

Sem dizer nada Diana vai até seu quarto e sua mãe consegue ouvi-la falando sozinha com suas bonecas.

Como estava mais tranquila ela foi até o telefone para fazer algumas ligações importantes. Enquanto isso Miguel se sentou para assistir ao futebol.

— Sem gritarias amor, por favor, senão vai me atrapalhar. — Pediu Luna.

— Pode deixar.

Miguel abaixou o volume da televisão para que sua mulher pudesse ouvir a ligação claramente e ficou em silêncio assistindo.

Luna por sua vez ligou antes diretamente para a diretora da escola em que Diana estudaria. Precisava confirmar se a inscrição de sua filha estava finalizada e com os documentos em dia. A diretora da por sua vez disse que tudo já estava acertado e como o material também já fora pago ela receberia todos os livros necessários para estudo nos dias letivos pelas mãos dos professores. Diana começaria em uma escola particular, Miguel trabalhava como gerente de um banco e podia pagar a instituição. Seu salário era muito bom e queria dar um bom ensino à sua filha. Já Luna era escritora, não ganhava muito bem por morar em um país onde a leitura é esquecida e muitas vezes as pessoas debocham de quem lê, mas sempre que um livro seu era vendido ela usava para ajudar caso precisasse. A casa da família consistia em cinco cômodos. Uma cozinha, três quartos, dois banheiros e uma sala, cada um mobiliado com o melhor que podiam comprar, sem exageros. Miguel sabia que podiam se mudar para uma casa maior, tinha dinheiro para isso, mas como Diana estava lhe sendo um gasto enorme por vários motivos tinha medo de passar por dificuldades nas contas domésticas, não por ele, mas por sua família e por isso ele permanecia dia após dia onde estava.

A noite chegou e Luna estava arrumando Diana para irem ao jantar. Não era nada chique e ela sabia disso, mas sempre que saíam para eventos desse tipo ela sempre escolhia a melhor combinação de roupas possíveis para sua filha e deixava seu cabelo impecável.

Miguel que já havia se arrumado e achou que sua mulher estava demorando demais para arrumar Diana, afinal ela era apenas uma menina de seis anos, nem mesmo maquiagem usava ainda. Achava que ela precisava apenas de um vestido que já estaria bom.

Ao entrar no quarto de Diana viu que a menina estava sentada em uma cadeira e Luna atrás sentada na cama de sua filha ainda penteando-a.

— Ainda não se arrumaram? — Perguntou Miguel impaciente.

— Quase, só deixa eu terminar de arrumar o cabelo dela. — Disse Luna.

— O cabelo dela está lindo, se continuar penteando vai deixá-la careca. Anda, vamos indo.

— Vira para a mamãe ver. — Disse Luna parando de penteá-la.

A menina se virou e sorriu. Sua mãe achou que já era o suficiente, então se levantou pegou a mão dela, esperou ela descer da cadeira e junto ao seu marido eles foram até a casa de Margareth.

— Não vamos ficar muito tempo. Tenho que levantar cedo amanhã. — Disse Miguel em meio à rua.

— Seu trabalho começa só as onze. — Disse Luna.

Os dois pararam em frente à porta para terminarem a conversa antes de anunciarem sua chegada.

— Tenho que verificar alguns arquivos antes. Então terei que sair mais cedo. — Disse Miguel.

— Certo, sem demora.

Luna tocou a campainha e sem demora foi atendida por Kevin.

— Olá! Estávamos esperando vocês. Podem entrar. Disse ele em um tom bem animado.

O casal já havia entrado naquela casa antes e estranhou a mudança de móveis. Miguel sempre sonhou em comprar aquele imóvel. Parecia até um castelo de tão cara que fora a decoração.

Nela havia dois andares, o de baixo continha uma sala de jantar, cozinha, sala de estar, um quarto de jogos e três banheiros. Subindo às escadas que ficavam logo em frente à porta se encontravam vários quartos todos com camas de casal. A antiga família gostava de fazer festas e alguns parentes sempre passavam a noite dormindo ali, mas agora com uma nova família eles já não sabiam mais como o local estava.

Kevin os conduziu até a sala de jantar. No centro havia uma mesa retangular onde caberiam mais umas dez pessoas. Erick e Margareth já estavam sentados esperando os convidados. Toda a comida fora disposta em cima da mesa para cada um se servir como quisesse. Quando Margareth os viu entrando se levantou e foi rapidamente em direção a eles com um sorriso enorme no rosto.

— Boa noite. Eu sabia que viriam. E ainda trouxeram esse pequeno diamante para nos fazer companhia. — Disse ela olhando para Diana.

Miguel e Luna não disseram nada por medo de falarem algo errado. A menina apenas sorriu também sem soltar uma única palavra.

— Por favor, sentem-se. — Disse Kevin apontando para as cadeiras.

Miguel puxou uma cadeira para Luna, mas ela quis sentar sua filha antes e puxou a cadeira do lado para que ela ficasse entre ela e Miguel e a colocou sentada, depois empurrou para perto da mesa. Em seguida se sentou e Miguel se ajeitou por último.

— Podem se servir à vontade. Disse Kevin.

Na mesa haviam arroz, feijão, salada, frango assado, e uma jarra de suco dispostos para que cada um se servisse da quantia preferida. Os pratos já estavam arrumados em frente aos assentos com os talheres do lado. Os convidados perceberam que o prato de Erick já havia sido servido, porém somente com arroz e nada mais, mas acharam melhor não comentarem. Como combinado Luna se serviu primeiro, depois sua filha e Miguel se serviu por último. Enquanto ela comia, seu marido tentava disfarçar conversando com o casal à sua frente esperando para ver se sua esposa não sentiria alguma sensação ruim. Diana pegou uma colher para poder comer, mas sua mãe tirou da mão dela antes.

— Calma querida, está quente. Deixe esfriar um pouquinho. — Disse Luna procurando uma desculpa para ela não comer.

— Tá bom mãe. — Disse a menina esperando a ordem de um de seus pais para comer.

Margareth ainda estava encantada com a garota, como se Diana fosse perfeita, uma mini-Deusa. Sua beleza, suas roupas, sua voz, tudo chamava a atenção da mulher.

— E esse docinho já começou a estudar? — Perguntou Margareth sobre Diana.

— Ainda não. Mês que vem ela começa. — Disse Miguel.

— Em qual escola? — Perguntou Kevin.

— Santa Mônica. Não é longe e o método de ensino é muito bom pelo que vi. — Respondeu Miguel.

A essa altura Luna viu que era seguro e disse que Diana já poderia comer. Miguel seguiu o comando de sua esposa e começou a se alimentar também.

— Ah, que bom! Nosso filho vai ficar na Cames. Não vão precisar se preocupar com eles estudando juntos. — Disse Kevin.

— Por que nos preocuparíamos? — Perguntou Luna na esperança de arrancar alguma informação que explicasse o modo que tratavam o garoto.

— Digamos que ele não seja uma boa companhia. — Completou Margareth.

Luna parou de se alimentar e olhou para o menino. Ele estava de cabeça baixa desde que entraram e comia sem dizer uma única palavra e demonstrando um semblante de tristeza.

— Contem-me mais sobre ele. Por acaso foi uma gravidez indesejada? — Perguntou Luna.

— Não. Foi totalmente desejada. Queríamos muito ter um filho, e quando tivemos estabilidade financeira nós tentamos e conseguimos, mas acabou vindo isso. — Disse Margareth desgostosa movendo a mão para apontar para Erick.

— Por que não gostam dele? — Perguntou Miguel. — É porque queriam uma menina e veio menino?

— Não. Não ligamos para o sexo. Na verdade Margareth realmente queria menina, mas quando o ultrassom revelou um menino ela ainda demonstrou muita alegria por ele. — Disse Kevin.

— O problema é que ao invés de um filho tivemos... Essa aberração. — Disse Margareth ainda em tom de desgosto.

O menino se levantou com raiva pelo modo que estava sendo tratado e se retirou.

— Não mandei você sair. Volte aqui agora. — Disse Margareth ríspida.

O menino parou no meio do caminho. Não queria ficar e continuar ouvindo aquilo, mas sabia que se saísse iria apanhar.

— Se não voltar sabe o que farei. — Disse Kevin.

— Que tal se ele e a Diana brincassem um pouco? O saguão tem bastante espaço para eles. — Disse Luna.

— Não vai querer deixá-la perto dele. Seria como deixar uma barata asquerosa perto de uma princesinha delicada — Disse Margareth.

— Mas isso é um assunto de adultos. Não vai querer que a inocência da minha filha se vá em uma conversa assim, não é? — Perguntou Luna.

Como aquele casal estava tratando a menina de forma tão pura Luna achou que esse jogo psicológico daria certo e por sua sorte deu. Margareth pensou a respeito e tanto ela quanto Kevin concordaram com o que ouviram. Mesmo sem terminar de comer Luna pede para sua filha ir brincar com Erick e ela obedece. Assim que ela desce da cadeira o menino já demonstra um pouco mais de alegria e juntos os dois foram para o saguão.

— Por que o chamou de aberração? — Perguntou Luna ainda insistindo em uma resposta útil.

— Digamos que ele é diferente. — Disse Margareth ainda evitando responder.

— Diferente como? — Perguntou Miguel como se estivesse obrigando-os a responderem de uma vez.

Margareth queria ter amizade com aquele casal para poder continuar vendo Diana, então começou a contar sua história como se fosse uma desculpa pelo modo que o tratavam pensando que eles achariam que ela estava na razão e que o menino realmente seria alguém ruim.

— Não sabemos exatamente como ele consegue, mas quando ele era criança logo após de nascer algo estranho aconteceu. Em um instante estávamos no hospital, em outro em um lugar distorcido. Escorria lava das paredes, criaturas que nunca vimos corria de lá para cá, com dentes enormes e garras, com sangue escorrendo da boca. Ninguém sabia o que estava acontecendo, mas como ele ainda era um bebê e não parava de chorar as enfermeiras tentaram acalmá-lo primeiro, para tentarem se proteger depois. Quando ele parou tudo se foi. Obviamente havia uma conexão, ninguém era bobo de não perceber. Então antes mesmo de eu vê-lo eles o levaram e voltaram com ele algumas horas depois para eu amamentá-lo. Assim que ele terminou, não deixaram nem um segundo a mais comigo e o levaram de novo. Novamente umas horas depois voltaram com ele e os médicos deram a notícia que era ele quem distorcia tudo e fazia todo tipo de ser perigoso aparecer à nossa volta e que aquilo só sumia quando ele estava calmo. Para eles era até fácil, era só dar um calmante para o menino ou algo assim, mas quando voltei para casa foi um inferno. Sempre que ele chorava acontecia, e era sempre algo diferente. Às vezes víamos a casa pegando fogo. Outra hora estava tudo escuro e ouvíamos sons perturbadores, ou pessoas gritando em agonia. Quando ele começou a ter mais consciência nós percebemos que quando o fazíamos nos temer tudo se resolvia, e até de forma mais rápida do que tentar acalmá-lo. Bastava ameaçá-lo que voltávamos ao normal.

— Isso é horrível. — Disse Luna.

— Concordo. O que passamos foi horrível, mas está mais controlado agora. — Disse Margareth.

— Não. É horrível o modo que vocês o tratam. Já pensaram em alguma vez fazê-lo feliz? Não seria melhor?

— Ele não nos faz feliz. Ele é um monstro e na primeira oportunidade que tivermos vamos nos livrar dele. — Disse Kevin.

— Na verdade já tentamos, mas fomos pegos e tivemos ainda que pagar uma multa. —Completou Margareth.

Um barulho foi ouvido vindo do saguão e todos correram para ver. Quando chegaram viram Diana caída chorando. Seu joelho estava ralado.

Luna e Miguel correram para acalmar a menina. Margareth também tentou ajudar já sabendo de quem era a culpa e antes de brigar com seu filho tentou dar auxílio à família.

— Foi sem querer. A gente estava brincando e eu esbarrei nela. — Disse Erick preocupado e com medo de apanhar.

Margareth com todo ódio que tinha dentro de si se virou para o menino e com força lhe deu um tapa na cara.

— Some da minha frente agora. — Gritou ela.

O menino então segurando o choro correu para seu quarto sem olhar para trás.

Miguel pegou sua filha no colo e chamou Luna para irem embora por poderem cuidar melhor dela em sua casa.

— Vamos passar um remédio na perna dela. — Disse Miguel. — Foi ótimo o jantar. Obrigado. O casal com pressa se encaminhou para a porta com Luna tentando acalmar a menina dizendo ser apenas um machucadinho.

— Eu sinto muito pelo que aconteceu. Espero que ela fique bem. — Disse Margareth.

O casal não disse mais nada, apenas rumaram para sua casa com Diana ainda chorando.

Miguel deixou a menina sentada no sofá com Luna e foi até a cozinha. Havia uma parte do armário apenas para remédios e termômetros. De lá ele pegou um pequeno frasco marrom transparente, voltou até sua filha e lhe aplicou o medicamento fazendo-a chorar ainda mais de dor.

— Vai arder só um pouco, mas já vai passar. — Disse Luna.

Miguel ligou a televisão e colocou no canal de desenhos para distraí-la. Depois voltou à cozinha para guardar o remédio. Com muita dificuldade eles conseguem fazê-la parar de chorar e assim que conseguiram já a levaram para a cama. Miguel apenas deu boa noite para sua filha e foi para seu quarto dormir. Teria que acordar bem cedo no dia seguinte. Já Luna ficou até a menina adormecer.

Assim que sua filha dormiu ela foi até o banheiro, escovou seus dentes e com cuidado para não acordar Miguel ela se deitou.

Durante a madrugada Luna ouviu baterem na porta. Passara das três da madrugada e com medo de ir sozinha ela tenta acordar Miguel.

— Amor. Amor! Tem alguém batendo na porta. — Disse ela balançando seu marido.

Miguel se levanta sonolento e antes de atender ele vai até a cozinha e pega uma faca. Sua esposa tenta olhar pela janela sem ser vista e vê um menino esperando. Ela o reconhece na hora.

— É o Erick. — Disse ela.

Com pressa eles abrem a porta e olham para os lados garantindo a segurança do menino e de si mesmos quanto a ladrões, bandidos ou qualquer um que pudesse lhes fazer mal.

— O que está fazendo aqui a essa hora? É perigoso sair assim. — Disse Luna.

— Desculpa. Eu só queria pedir desculpas por machucar a Diana. Eu juro que foi sem querer. Se eu não viesse agora eu não ia conseguir falar depois. Meus pais me proibiram de chegar perto de vocês.

Luna percebeu no tom de voz dele que ele realmente estava arrependido e sentiu uma sensação ruim. Aquele menino não era mal e mesmo assim era tratado da pior forma. Ela então se ajoelha e o abraça, depois o olha nos olhos.

— Tá tudo bem. A gente já passou remédio e ela não está mais com dor. E a gente não te culpa. — Disse ela.

— Mas a culpa é minha. — Disse o menino. — Eu esbarrei nela.

— Isso é normal de acontecer. — Disse Miguel. — Toda criança se machuca. Eu mesmo já mandei uns dez para o hospital.

— Verdade? Tudo isso? — Perguntou o menino impressionado. — E o senhor ficou de castigo?

— Não. Foram todos acidentes. Não tem como evitar. Nesses casos não existem culpados.

— Você não precisa se preocupar. A gente tenta falar com seus pais amanhã para vocês brincarem de novo. — Disse Luna em tom bem calmo.

— Eles não vão deixar. — Disse o menino triste.

Luna não queria que ele ficasse assim, mas precisavam dormir já que teriam um dia cheio.

— Deixa que a gente resolve, mas amanhã. Tá bom? — Disse Luna. — Volta para casa e dorme um pouco.

— Eu nunca durmo em casa. Só durmo na escola ou quando eles me deixam em outro lugar sozinho.

— Por quê? — Perguntou Luna.

— Tenho medo de eles me matarem. — Disse o menino.

Luna olhou para Miguel como se não acreditasse no que estava ouvindo.

— Mas eu devo ir. Se eles acordarem e eu não estiver lá vão me bater. Tchau moça. Tchau senhor.

E antes de esperar a resposta ele voltou correndo. O casal ficou olhando até que ele entrasse e fechasse para falarem a respeito.

— Temos que ajudá-lo urgentemente.

Miguel fechou a porta, a trancou e se dirigiu para a cozinha enquanto falava com sua esposa que permaneceu onde estava.

— Nós vamos, mas para isso precisamos de provas. Amanhã vou comprar umas câmeras pequenas e tentamos gravar o modo que o tratam.

— E ele vai continuar sofrendo até juntarmos provas? Vamos acionar logo a polícia.

— Aí eles vão se fazer de inocentes e vai ser pior. Ele vai ter que aguentar. Nem que seja uns dois dias. Vem, vamos para a cama. — Disse Miguel deixando a faca em cima da mesa da cozinha.

Luna ainda olhou pela janela como se quisesse ir até lá e pegar o menino para ela mesma cuidar, mas como não podia fazer nada, apenas foi para seu quarto e se deitou com seu marido.

Vitor Autor
Enviado por Vitor Autor em 08/06/2018
Reeditado em 06/08/2018
Código do texto: T6359248
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