De formas e fôrmas

Foram compradas juntas, ou em datas bem próximas, uma delas servindo de chamariz pra outra: as formas de bolo "Imperial". Eram de alumínio, elétricas, aquela resistência encaixada num disco de cerâmica branca em seus fundilhos, vinham com dois ou três tipos de assadeiras circulares, pomposas tampas, e pomposas às pampas.

Uma foi parar na casa de Vovó e de sua filharada solteirona (à época eram 4 moças quarencinquentonas e um varão, todos empregados na fábrica de tecidos); e a outra veio pra nossa casa, que tinha papai e mamãe, tão bem operários com sua prole, proletários, já de petizes vários.

Lá em casa, pelo menos, foi um êxtase a recepção daquele novo utensílio culinário. Uau, já dava água na boca imaginar os bolos que dali iam sair, além da carne a assar, só pra reforçar o salivar.

Podiam ser aposentadas as nossas formas preteadas e já amassadas de latão e a negra caçarola de ferro - até remendada - que vinham servindo à produção de quitandas e de bolos, tudo na base da brasa - mora?

E se inaugurou a era "Imperial", em meio à nossa feérica expectativa. Acho que o bolo de minha primeira comunhão teve ali sua confecção, é mister que eu faça esta confissão. E pela gula, que ainda me açula, peço perdão - e vide bula.

De uso em uso - porém, e com certa restrição, como convém (afinal a energia elétrica tinha um custo, além da quase certeza de fazer cair o fusível naqueles anos de bruxuleante iluminação) a bela fôrma foi perdendo forma e a pompa ao longo do tempo. Chegou até a ser abandonada, ela também que ia recebendo os amassos, arranhões, riscos e trancos.

Sua irmã-gêmea, a da casa de Vovó, contudo, é que, tratada com o zelo de tia Rita, bonita, manteve-se sempre faceira, ornando a prateleira. E quase virgem, diz lá seu selo de origem. Assar bolo, que trabalheira, cousa de tolo, besteira.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 13/12/2018
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